Opinião

O momento irreversível da energia limpa

Science,  janeiro de 2017

Barack Obama | Presidente dos Estados Unidos

A liberação  de dióxido de carbono (CO2) e outros Gases de Efeito Estufa (GEE) em virtude da atividade humana está elevando a temperatura média global do ar na superfície, gerando distúrbios nos padrões climáticos e acidificando os oceanos.  Se nada for feito, o crescimento contínuo das emissões de GEE poderá fazer com que as temperaturas médias globais aumentem por mais 4 ° C ou mais até 2100 e por 1,5 a 2 vezes mais em locais do meio-continente e do extremo norte (1).

Embora nossa compreensão dos impactos das mudanças climáticas seja crescente e perturbadoramente clara, ainda há um debate sobre o curso adequado para a política dos EUA – um debate que está muito exposto durante a atual transição presidencial. Mas deixando de lado a política de curto prazo, a crescente evidência econômica e científica me deixa confiante de que as tendências para uma economia de energia limpa que surgiram durante a minha presidência continuarão e que a esta é uma oportunidade econômica que traz ao nosso país uma tendência para crescer. Este Fórum de Políticas tem como foco quatro razões pelas quais acredito que a tendência do mundo para energia limpa é irreversível.

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Economias crescem, emissões caem

Os Estados Unidos estão mostrando que a mitigação de GEE não precisa estar em conflito com o crescimento econômico. Ao contrário, pode aumentar a eficiência, a produtividade e a inovação.

Desde 2008, os Estados Unidos têm experimentado o primeiro período sustentável de reduções rápidas de emissões de GEE e o crescimento econômico simultâneo em registro. Especificamente, as emissões de CO2 do setor de energia caíram 9,5% entre 2008 e 2015, enquanto a economia cresceu mais de 10%. Neste mesmo período, a quantidade de energia consumida por cada dólar de Produto Bruto Interno (PIB) caiu quase 11%, a quantidade de CO2 emitida por unidade de energia consumida diminuiu 8%, e as emissões de CO2 por cada dólar do PIB reduziram 18% (2).

A importância desta tendência não pode ser subestimada. Esta “dissociação” das emissões do setor energético e do crescimento econômico deve pôr fim ao argumento de que a luta contra as alterações climáticas exige a aceitação da redução do crescimento ou de um nível de vida inferior. De fato, embora essa dissociação seja mais pronunciada nos Estados Unidos, evidencia que as economias podem crescer enquanto as emissões não estão aumentando no mundo todo. A Agência Internacional de Energia (AIE) estimou de forma preliminar a energia relacionada às emissões de CO2 em 2015 e revelou que o nível destas emissões permaneceu estável em comparação com o ano anterior, ao mesmo tempo que a economia global cresceu (3). A AIE observou que “Houve apenas quatro períodos nos últimos 40 anos em que os níveis das emissões de CO2 ficaram estáveis ou caíram em comparação ao ano anterior. Entre estes o início dos anos 1980, 1992, e 2009 associado com um período de fraqueza econômica mundial. Em contraste, hoje a recente estagnação no crescimento das emissões ocorre num período de crescimento econômico”.

Ao mesmo tempo, estão aumentando as evidências de que qualquer estratégia econômica que ignore a poluição por carbono vai gerar custos gigantes à economia global o que resultará em menos empregos e menor crescimento econômico a longo prazo. As estimativas dos danos econômicos do aquecimento global de 4°C acima dos níveis pré-industriais variam de 1% a 5% sobre o PIB global por cada ano até 2100 (4).  Um dos modelos econômicos mais citados comprova que a estimativa de danos anuais gerados pelo aquecimento de 4°C impacta em cerca de 4% do PIB mundial (4-6) gerando uma perda de US $ 340 bilhões a US $ 690 bilhões anuais.

Além disso, estas estimativas não incluem a possibilidade de que o incremento de emissões desencadeie eventos catastróficos, como o encolhimento acelerado dos lençóis de gelo da Groenlândia e do Antártico, mudanças drásticas nas correntes oceânicas ou liberação ​​de GEE em solos congelados e sedimentos que aceleram o aquecimento. Assim também, estas mostram os fatores de dano econômico, mas não abordam a questão crítica de que a taxa subjacente do crescimento econômico (e não apenas o nível do PIB) é afetada pela mudança climática, portanto esses estudos poderiam substancialmente subestimar os danos potenciais do clima na alteração da macroeconomia global (8, 9).

Como resultado, está ficando cada vez mais claro que, independentemente das incertezas inerentes à previsão dos futuros padrões climáticos e de temperatura, os investimentos necessários para reduzir as emissões e aumentar a resiliência e a preparação frente as mudanças climáticas não podem ser mais evitados. Seremos modestos na comparação dos benefícios ao evitar os danos causados ​​pelas alterações climáticas. É dizer, nos próximos anos, os estados, as localidades e as empresas precisarão continuar com esses investimentos críticos, além de tomarem medidas de senso comum para divulgar o risco climático para os contribuintes, proprietários, acionistas e clientes. Os negócios globais de seguros já estão adotando medidas devido a como seus modelos analíticos revelam risco climático crescente.

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Reduções das emissões no setor privado

Além do caso macroeconômico, as empresas estão chegando à conclusão de que a redução das emissões não é apenas boa para o meio ambiente – também pode impulsionar as linhas de fundo, reduzir os custos para os consumidores e oferecer retornos para os acionistas.

Talvez o exemplo mais convincente seja a eficiência energética. O Governo tem desempenhado um papel forte no incentivo deste tipo de investimento e inovação: A minha administração tem implementado (i) padrões de economia de combustível que são benéficos e são projetados para reduzir mais de 8 bilhões de toneladas de poluição de carbono ao longo da vida dos novos veículos vendidos entre 2012 e 2029 ( 10 ) e (ii) 44 padrões de aparelhos e novos códigos de construção para cortar 2,4 bilhões de toneladas de poluição de carbono e economizar US $ 550 bilhões para os consumidores em 2030 (11).

Mas, ultimamente, esses investimentos estão sendo feitos por empresas que decidem cortar seu desperdício de energia para economizar dinheiro e investir em outros negócios. Por exemplo, a empresa de alumínio Alcoa estabeleceu uma meta de reduzir em 30% a intensidade de GEE até 2020 a partir de sua linha de base de 2005, e a General Motors está trabalhando para reduzir sua intensidade energética nas instalações em 20% , segundo sua linha de base de 2011 sobre o mesmo período de tempo (12). Investimentos como estes estão contribuindo para que estes modelos impactem em toda a economia: o consumo total de energia em 2015 foi  2,5% menor do que era em 2008, enquanto a economia foi 10% maior (2).

Este tipo de tomada de decisão corporativa pode economizar dinheiro, mas também tem o potencial de criar empregos que pagam bem. Um relatório do Departamento de Energia dos EUA divulgado nesta semana revelou que 2,2 milhões de americanos estão atualmente empregados na elaboração, instalação e fabricação de produtos e serviços de eficiência energética. Isso se compara com os cerca de 1,1 milhões de americanos que estão empregadas na produção de combustíveis fósseis e sua utilização para geração de energia elétrica (13). Políticas que continuam a encorajar as empresas a poupar dinheiro cortando desperdício de energia poderiam pagar um importante dividendo de emprego e se baseiam numa lógica econômica mais forte do que continuar com os US$ 5 bilhões por ano em subsídios federais de combustíveis fósseis. Uma distorção de mercado que deve ser corrigida por conta própria ou no contexto da reforma tributária das empresas (14).  

Forças de mercado no setor de energia

O setor elétrico americano – a maior fonte de emissões de GEE da nossa economia – está sendo transformado, em grande parte, por causa da dinâmica do mercado. Em 2008, o gás natural representou cerca de 20% da geração de eletricidade dos EUA. Hoje, torna-se 33%, incremento devido a passagem do carvão de alta emissão para o gás natural de emissões mais baixas, provocada principalmente pela disponibilidade maior de gás de baixo custo devido a novas técnicas de produção (2, 15). Como o custo da nova geração de eletricidade usando gás natural deverá permanecer baixo em relação ao carvão, é improvável que as concessionárias mudem de rumos e optem por construir usinas a carvão, o que seria mais caro do que as usinas de gás natural, independentemente de quaisquer mudanças de curto prazo na política federal. Embora as emissões de metano da produção de gás natural sejam uma séria preocupação, as empresas têm um incentivo econômico a longo prazo para implementar medidas de redução de resíduos consistentes com os padrões que minha administração estabeleceu e os estados continuarão a fazer avanços importantes na direção desta questão, independentemente da política federal de curto prazo.

Custos de eletricidade renováveis também caíram drasticamente entre 2008 e 2015: o custo da eletricidade caiu 41% para a energia eólica, 54% para instalações solares fotovoltaicas (PV), e 64% para PV-escala de utilidade pública (16). De acordo com a Bloomberg New Energy Finance, 2015 foi um ano recorde para o investimento em energia limpa, com essas fontes de energia atraindo o dobro do capital global que os combustíveis fósseis (17).

A política pública, desde os investimentos da Lei de Recuperação até as recentes extensões de crédito tributário, desempenhou um papel crucial, mas os avanços tecnológicos e as forças de mercado continuarão impulsionando a implantação do desenvolvimento renovável. O custo nivelado de eletricidade a partir de novas energias renováveis, como eólica e solar em algumas partes dos Estados Unidos já é menor que o da nova geração de carvão, sem contar com subsídios para estas energias renováveis (2).

É por isso que as empresas americanas estão fazendo o movimento em direção as fontes de energia renováveis. Google, por exemplo, anunciou no mês passado que, em 2017, a empresa planeja para alimentar 100% de suas operações usando energia renovável em grande escala, contratos de longo prazo para compra de energia renovável diretamente (18). Walmart, maior varejista do país, estabeleceu uma meta de conseguir 100% de sua energia de fontes renováveis nos próximos anos (19). Em toda a economia do país, as empresas de energia solar e eólica agora empregam mais de 360.000 americanos, em comparação com cerca de 160.000 americanos que trabalham na geração de carvão ou de energia elétrica (13).

Para além das forças do mercado, a política a nível estatal continuará impulsionando as energias limpas. Estados que representam 40% da população dos EUA estão avançando com planos de energia limpa, e mesmo fora desses estados, esta energia está se expandindo. Por exemplo, a energia eólica sozinha representou 12% da produção de eletricidade do estado de Texas em 2015 e, em algum momento de 2015 esse número era 40% e o vento forneceu 32% da geração de eletricidade total de Iowa, acima de 8% em 2008 (uma fração mais elevada do que em qualquer outro estado).

Foto: Intel Free Press/Flickr/(cc)

Momento global

Fora dos Estados Unidos, outros países e seus negócios estão avançando, buscando colher benefícios para as nações, liderando a corrida de energia limpa. Mas nem sempre foi assim. Há pouco tempo atrás, muitos acreditavam que apenas um pequeno número de economias avançadas deveriam ser responsáveis ​​pela redução das emissões de GEE e pela contribuição na luta contra as alterações climáticas. Mas as nações concordaram em Paris que todos os países devem apresentar políticas climáticas cada vez mais ambiciosas e sujeitas a exigências consistentes de transparência e responsabilidade. Esta foi uma mudança fundamental no contexto diplomático, que já rendeu dividendos substanciais. O Acordo de Paris entrou em vigor em menos de um ano e, na reunião de acompanhamento em Marrakesh, os países concordaram que, mais de 110 países que representam mais de 75% das emissões globais já aderiram ao Acordo de Paris, fazendo com que as ações do clima sejam “um momento irreversível” (21).

Embora seja necessária uma ação substantiva ao longo de décadas para concretizar a visão de Paris, a análise destas contribuições individuais dos países sugere a continuidade de objetivos a médio prazo e o aumento desta ambição nos próximos anos – juntamente com o incremento de investimentos em tecnologias de energia limpa – limitando o aquecimento da comunidade internacional a 2°C até 50% (22 ).

Se os Estados Unidos se afastassem do Acordo de Paris, perderia o seu lugar na mesa para manter outros países em seus compromissos, exigir transparência e encorajar a ambição. Isso não significa que o próximo governo precise seguir políticas domésticas idênticas as da minha gestão. Existem vários caminhos e mecanismos pelos quais este país pode alcançar – de forma eficiente e econômica – os objetivos adotados em Paris. O próprio Acordo de Paris baseia-se numa estrutura nacionalmente determinada, segundo a qual cada país estabelece e atualiza os seus próprios compromissos.

Independentemente das políticas internas dos Estados Unidos, isso prejudicaria nossos interesses econômicos a nos afastaria da oportunidade de responsabilizar os países que representam dois terços das emissões globais – incluindo China, Índia, México, membros da União Europeia, entre outros.

Esta luta não deve ser uma questão partidária. É um bom negócio e uma boa alternativa para a economia liderar uma revolução tecnológica e definir as tendências do mercado. E é um planejamento inteligente estabelecer metas de redução de emissões de longo prazo e dar as empresas americanas, empresários e investidores a certeza de que podem investir e fabricar tecnologias de redução de emissões de uso interno e para exportação no mundo. É por isso que centenas de grandes empresas – incluindo empresas ligadas à energia da ExxonMobil, da Shell, DuPont, Rio Tinto, a Berkshire Hathaway Energ, Calpine, Pacific Gas e a Electric Company apoiaram o processo de Paris e seus investidores se comprometeram com US $ 1 bilhão, capital privado para apoiar descobertas de energia limpa que poderiam tornar ainda mais eficaz a transformação climática. 

Conclusão

Sabemos há muito tempo, com base em um registro científico forte, que a urgência de agir para mitigar a mudança climática é real e não pode ser ignorada. Nos últimos anos, vimos também que o argumento econômico para a ação – e contra a inação – é tão claro, o setor de negócios para a energia limpa está crescendo e a tendência para um setor desta energia pode ser sustentada independentemente da política federal de curto prazo.

Apesar da incerteza política que enfrentamos, continuo convencido de que nenhum país é mais adequado do que os Estados Unidos para enfrentar o desafio do clima e colher os benefícios econômicos de um futuro com baixa emissão de carbono. E que a participação no processo do Acordo de Paris trará grandes benefícios para o povo americano e a comunidade internacional.

Uma prudente política dos EUA ao longo das próximas décadas iria priorizar, entre outras ações, a descarbonização do sistema energético dos EUA, o armazenamento de carbono e a redução das emissões de CO2 em solo americano (23).

Naturalmente, uma das grandes vantagens de nosso sistema de governo é que cada presidente é capaz de traçar seu próprio curso de política. E o presidente eleito Donald Trump terá a oportunidade de fazê-lo. Os recentes avanços da ciência e economia fornecem um guia útil sobre o futuro, em muitos casos, independente de escolhas de política de curto prazo, quando se trata de combater a mudança climática e a transição para uma economia de energia limpa.

Agradecimentos: B. Deese, J. Holdren, S. Murray, e D. Hornung contribuiu para a pesquisa, elaboração e edição deste artigo. 

* Tradução: Katherine Rivas, da Envolverde.