por Brent Millikan [1] –
Em outubro de 2018, pouco antes das eleições presidenciais, publiquei um artigo que apontava semelhanças entre os fenômenos do ‘Trumpismo’ e do ‘Bolsonarismo’.[2] Nos dois casos, por exemplo, chamava atenção a utilização de táticas de alimentar preconceitos e divisões internas na sociedade como estratégia político-eleitoral. Neste momento, com os dois países liderando o ranking mundial de estatísticas trágicas da pandemia da COVID-19 (mais de 5 milhões de casos e 162 mil mortes nos EUA, e mais de 3 milhões de casos e 100 mil vidas perdidas no Brasil) as semelhanças entre Trump e Bolsonaro, bem como suas limitações e consequências, parecem ainda mais evidentes.
Nos Estados Unidos, a resposta do Presidente Trump aos primeiros casos de COVID-19 foi marcada pela simples negação do problema, alegando que tudo era ‘engano dos democratas’ e que a doença desapareceria rapidamente. Apostando que reconhecer a seriedade da pandemia ameaçaria a economia e suas chances de releição, Trump resolveu mensoprezar as orientações dos maiores cientistas e especialistas em saúde pública do país. Como resultado, não existe até hoje um plano nacional de prevenção e controle da COVID-19. Não se viabilizou ações efetiva de combate à pandemia, lideradas pelo governo federal, como testagem ampla e rápida, rastreamento e isolamento de infectados, garantia de equipamentos de proteção individual e outras medidas de apoio essencial para o pessoal de saúde atuando nas linhas de frente. Todo esse quadro tem sido agravado por décadas de neoliberalismo nos EUA, em que se desprestigiou políticas de saúde pública como Medicare, e as investidas do Trump para desmontar os avanços do ‘Obamacare’, deixando o país ainda mais vulnerável à pandemia.
Ao invés de enfrentar o problema com seriedade, o Presidente Trump tem insistido em táticas para desviar a atenção, como culpar o governo chinês pela pandemia e fazer propaganda sobre a hidroxicloroquina como solução milagrosa, apesar da falta absoluta de comprovação científica e graves contraindicações, como risco de arritmia. Uma das atitudes mais desastradas do Trump tem sido a recusa em reconhecer a importância do uso de máscaras de proteção fácil e distanciamento social como medidas de responsabilidade cívica na prevenção de transmissão de um vírus altamente contagioso por via respiratória, inclusive via pessoas assintomáticas.
Nas últimas semanas, com as eleições presidenciais de novembro se aproximando, Trump tem mantido narrativas baseadas na sua percepção de que seria vantagem político-eleitoral, como insistir na reabertura de escolas, desconsiderando precauções como a necessidade de controle da pandemia nas comunidades ao seu redor. Enquanto isso, Trump tem insistido em divulgar informações falsas na imprensa, alegando que a pandemia está sob controle. Ao mesmo tempo, tem vetado recentemente a participação do Dr. Antônio Fauci, respeitadíssimo diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infeciosas – NIAT, de coletivas de imprensa da força tarefa da Casa Branca sobre o COVID-19, da qual faz parte. Nos últimos dias, Trump chegou ao ponto de mandar assessores criticarem publicamente o Dr. Fauci, pelo fato de manter a sua postura fiel à ciência (e demonstrar índices de popularidade na opinião pública acima do presidente).
No Brasil, a resposta do Presidente Bolsonaro à pandemia tem demonstrado semelhanças ao comportamento de seu aliado e mentor, Donald Trump. Em primeiro lugar, houve a negação do problema, argumentando que tudo não passava de uma ‘gripezinha’. Com esse argumento, Bolsonaro adotou o costume de aparecer em público sem máscara em atos de seus seguidores. Apesar da enorme vantagem de contar com o SUS para o atendimento ao público e pesquisa aplicada, com renomadas instituições como a Fiocruz, o governo Bolsonaro não desenvolveu um plano nacional de prevenção e controle da pandemia, deixando estados e municípios a enfrentarem a crise sem o apoio necessário do governo federal. Como Trump, Bolsonaro menosprezou as orientações baseadas na ciências e especialistas em saúde pública, culminando na demissão de dois ministros da saúde, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, em plena pandemia, por discordarem de posições equivocadas como a divulgação da hidroxicloriquina pelo SUS. A opção pela ‘militarização’ do Ministério de Saúde, desviando as forças armadas de suas funções constitucionais, tem enfraquecido ainda mais a resposta do governo federal à pandemia. Com a explosão da COVID-19 no Brasil, houve a tentativa, como no caso do Trump, de culpar a China pela tragedia, no intuito de desviar atenções das deficiências na resposta do próprio governo federal.
As respostas desastrosas do Trump e Bolsonaro à pandemia do novo coronavirus – já a um custo de mais de 250 mil vidas ceifadas – têm revelado as limitações inerentes de políticos norteados por um populismo de extrema direita frente às suas obrigações de cuidar do interesse público. Ademais, frente às consequências trágicas da pandemia – e casos como o assassinato brutal de George Floyd por policiais em Minneapolis – percebe-se entre políticos como Trump e Bolsonaro uma aparente incapacidade para algo fundamental ao ser humano: sentir empatia.
Num momento de extrema crise na saúde pública, quando um país precisa urgentemente se unir em prol de um objetivo comum, táticas como fomentar divisões dentro da sociedade e buscar inimigos externos, sem políticas públicas efetivas, simplesmente não funcionam – sequer para atender interesses oportunistas de políticos. Paradoxalmente, a incapacidade do Trump e Bolsonaro em liderar respostas efetivas frente à pandemia da COVID-19 tem prejudicado não apenas a reabertura da economia que defendem, como também as suas índices de popularidade junto a cidadãos cada vez mais preocupados com questões de vida e morte do que disputas político-eleitorais.
[1] Brent Millikan é geógrafo e Diretor da International Rivers
[2] http://envolverde.com.br/trumpismo-e-bolsonarismo-semelhancas-alarmantes/
https://epoca.globo.com/trumpismo-bolsonarismo-semelhancas-alarmantes-23190736?
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/28/opinion/1540741974_135426.html
http://www.ipsnews.net/2018/10/trump-and-bolsonaro-alarming-similarities/