por Amelia Gonzalez – 

Se me permitem, leitores, quero falar sobre os bois.

Quero ir além da fala do ministro Ricardo Salles, do meio ambiente, que, como todo mundo sabe, disse de forma clara e cristalina que usa uma estratégia para fazer avançar seu projeto de desenvolvimento para o país. A estratégia é forjar, durante a pandemia (ou seria um “fuzuê”?), uma cortina de fumaça para que a mídia amorteça suas atitudes infralegais. Em tradução livre, infralegal é tudo aquilo que “não se encontra perfeitamente de acordo com os mecanismos legais”. Então, vamos logo simplificar: atitudes ilegais. Mas há outra interpretação à luz do Direito, segundo me avisou Rubens Harry Born: não é algo contra a lei, refere-se às normas administrativas que devem atender o que está previsto em lei. O que Salles quer é se valer de meros atos administrativos para flexibilizar as normas e gestão ambiental. OK, não é ilegal, mas…

A questão, para mim, nem é saber o que esconde o ministro. Fica muito claro que o projeto dele de “progresso” para o país é acabar com qualquer floresta em pé. Árvores vão para madeireiros, territórios antes preservados vão para mineradores ou para a agropecuária. E o futuro a Deus pertence. Zero preocupação com aquecimento global, terras degradadas, incêndios… nada. Sabemos disso, não é de hoje. Mas, será que aqueles que são convidados para o tal projeto, estão de acordo?

Este é meu ponto.

Como sabem aqueles que acompanham meu trabalho, desde o início do século eu me dedico a ler, pesquisar, detalhar e, talvez, interpretar as ações globais e nacionais de quem se ocupa do que se chama de desenvolvimento. E eu gostaria muito de saber o que pensam as corporações, chamadas de boiadas, sobre a fala do ministro.

Se não foi outra estratégia, uma espécie de propaganda para avisar que o Brasil está à venda, o ministro já teria esta boiada pronta para passar e explodir tudo? Se sim, quem será?

Falamos tanto, há tanto tempo, sobre a responsabilidade das empresas. Por mais que muitas delas tenham mostrado que, no fim e ao cabo, na hora de fazer a escolha, a moeda fala mais alto, eu sou capaz de apostar que há líderes empresariais sérios no país e que eles estão bem pouco à vontade com a fala de Salles. Não será nada honroso para o perfil corporativo ser comparado a bois que passam e destroem tudo.

A Floresta Amazônica perdeu 254 quilômetros quadrados de área verde e o desmatamento cresceu 279% em março deste ano. Deste ano, gente! No meio da pandemia. A impunidade aos crimes ambientais e os retrocessos, aliados ao estímulo à grilagem, são os principais culpados. Mas, quem está por trás disso? Quem é conivente com as infralegalidades?

Aqui abre-se a chance de virem a público aqueles que não são boiada. Para se defender. Do contrário, toda a indústria pecuária, a quem o documentário “Sob a Pata do Boi’, de 2018, atribui 80% do desmatamento da Amazônia, estará nesta lista. E, vamos combinar: ninguém há de ter orgulho de ser chamado de boiada.

Para além da vergonha, há chances sérias de que outros países não comprem produtos da boiada. E aí lá se vai por água abaixo o projeto de desenvolvimento do país.

O efeito de ter sido chamado de boiada para abrir espaço às ações infralegais do setor de meio ambiente do governo, neste momento, pode ser praticamente o que a febre aftosa causa. Muita gente vai querer correr.

O país tem empresas sérias, que devem estar bastante preocupadas com este cenário. Assim espero.

 

A jornalista Amelia Gonzalez  criou e editou o caderno Razão Social, sobre sustentabilidade, no jornal O Globo e nos últimos sete anos foi colunista do site G1, sempre com foco neste tema