Por Lyndal Rowlands, da IPS –
Nações Unidas, 27/9/2016 – A grande ameaça de que até mesmo uma pequena infecção seja mortal levou os representantes dos países membros da Organização das Nações Unidas (ONU), por ocasião da sua Assembleia Geral, a se comprometerem a tomar medidas coletivas contra a resistência a antibióticos. Mas alguns países em desenvolvimento não poderão atender esse problema, sem primeiro enfrentar certas carências fundamentais em matéria de desenvolvimento, como acesso a banheiros, saneamento e vacinas.
“Para um país que carece de saneamento básico e tem um sistema de saúde rudimentar, os desafios são outros”, apontou à IPS o diretor de programas de saúde da Pew Charitable Trusts, Allan Coukell. “Entretanto, para começar, há algumas ações que todos podem adotar e que são significativas”, ressaltou.As medidas necessárias constam da declaração política adotada pelos Estados membros da ONU no dia 21, e incluem o compromisso dos governos de gerar consciência sobre o problema da resistência aos antibióticos e melhorar o controle de seu uso na saúde e no setor agropecuário e pesqueiro.
A declaração se soma ao Plano de Ação Global, adotado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2015, que amplia a resposta para além da saúde ao incorporar a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a intergovernamental Organização Mundial de Saúde Animal (OIE).“O primeiro instrumento para lutar contra a resistência é evitar as infecções”, destacou Judit Riuss, assessora legal nos Estados Unidos da campanha de acesso da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF).
Embora o abuso de antibióticos avive a resistência contra os antimicrobianos, Riuss também afirmou que a situação se agrava pela falta de acesso a medicamentos, como vacinas, e inclusive, às vezes, até aos antibióticos mais apropriados para cada situação. Por exemplo, no caso da tuberculose, responsável pela morte de 1,5 milhão de pessoas em 2014, a falta de acesso a um tratamento adequado nas primeiras etapas da doença pode fazer com que se torne resistente a múltiplos antibióticos, o que complica a saúde de alguns pacientes, explicou à IPS.
“Uma resposta rápida é muito importante para esse paciente em particular, bem como para frear a propagação para outras pessoas da variedade resistente”, ressaltou Riuss. Em alguns países em desenvolvimento, muitos pacientes não têm acesso aos medicamentos que poderiam ajudar a frear a propagação da tuberculose resistente, muito mais grave e mortal, detalhou.
Por isso, a MSF ficou satisfeita pelo fato de a Assembleia Geral da ONU ter reconhecido o desafio que representa a enfermidade, que atinge as nações mais pobres. A falta de acesso a uma medicação adequada é parte do problema, mas o aumento da resistência se deve principalmente ao mau uso dos antibióticos, tanto na saúde como no setor agropecuário.
“A causa fundamental é, simplesmente, nos excedermos no uso de antimicrobianos, e utilizá-los nas atividades agropecuárias e na saúde humana”, observou à IPS Keiji Fukuda, representante especial do diretor-geral para resistência antimicrobiana da OMS. O abuso “se deve a diferentes causas, mas provavelmente a mais importante seja que as pessoas nem mesmo sabem que esse é um problema”, acrescentou.
Fukuda indicou que muitos pacientes usam antibióticos quando não necessitam porque, erradamente, consideram que são um “medicamento mágico” e seu uso não terá nenhuma consequência negativa. O abuso e o uso indevido de antibióticos na produção de carne e pescado também são responsáveis por propagar a resistência aos antimicrobianos.
Em breve, os Estados Unidos se unirão aos países europeus, que proibiram o uso de antibióticos para fomentar o crescimento do gado e de animais de granja, mas em muitos países em desenvolvimento essa prática ainda não está regulada. Por exemplo, no Chile, o uso de antibióticos na produção de salmão é muito maior do que na Noruega, onde, nos últimos anos, a indústria tomou medidas para reduzir seu abuso.
O presidente da Organização de Consumidores e Usuários do Chile, Stefan Larenas, opinou à IPS que isso se deve ao fato de instituições como a sua não terem o mesmo peso em seu país e em outros em desenvolvimento como têm nas nações mais ricas. “O desafio mundial é pôr fim ao duplo discurso da indústria, ao menos na do salmão”, afirmou Larenas. Segundo disse, no Chile e na Noruega operam as mesmas companhias, mas usam uma quantidade muito diferente de antibióticos em um e outro país, segundo as normas locais.
“A capacidade dos Estados para enfrentar a resistência antimicrobiana varia de forma drástica, segundo o desenvolvimento dos países e as diversas capacidades de seus sistemas de saúde”, afirmou o primeiro-ministro da Tailândia, Prayuth Chan-o-cha, em sua declaração como representante do Grupo dos 77 (G77), integrado por 133 países em desenvolvimento.
Entretanto, não foram destinados os recursos para fazer frente a esse problema, apesar de uma declaração política exortar no sentido de se destinar fundos para ajudar os países mais pobres. Definitivamente, não está claro como as nações em desenvolvimento farão para atender problemas fundamentais de desenvolvimento, como falta de esgoto, saneamento e vacinas, causadores das infecções que geram uma dependência excessiva dos antibióticos. Envolverde/IPS