ODS 17

Agenda da Diversidade – O Fórum Social Mundial busca se revitalizar

O Fórum Social Mundial (FSM) é hoje “mais necessário do que nunca”, segundo Oded Grajew, promotor e cofundador do encontro global da sociedade civil, um festival de diversidade que ainda não conseguiu promover ou projetar o “outro mundo possível” que previu quando foi criado e se tornou o seu lema.

Agenda da Diversidade – O Fórum Social Mundial busca se revitalizar

Por Mario Osava, da IPS –

O Fórum Social Mundial (FSM) é hoje “mais necessário do que nunca”, segundo Oded Grajew, promotor e cofundador do encontro global da sociedade civil, um festival de diversidade que ainda não conseguiu promover ou projetar o “outro mundo possível” que previu quando foi criado e se tornou o seu lema.

A ideia, proposta por Grajew, foi de um contraponto ao  Fórum Econômico Mundial  , que se reúne anualmente na cidade suíça de Davos. Por isso o nome semelhante mas focado no social, na coincidência inicial de dados em janeiro e nas bandeiras contra o neoliberalismo e a globalização.

A edição inicial reuniu cerca de 20 mil pessoas de 117 países. A participação cresceu e ultrapassou 100 mil pessoas em diversos encontros mundiais, em vários países, após os três primeiros realizados em Porto Alegre.

Os encontros anuais aconteceram na cidade indiana de Mumbai em 2004, depois, em 2006, o FSM foi dividido entre Bamako (Mali) e Caracas, para continuar em Nairobi (2007), Dakar (2011), Tunísia (2013 e 2015). ) e Cidade do México (2022).

Além de Porto Alegre, voltou ao Brasil em 2009 (Belém, no leste da Amazônia) e 2018 (Salvador, Bahia, no nordeste). E multiplicou-se em fóruns nacionais, regionais e temáticos, promovendo debates sobre diversas questões, desde as económicas a ambientais e climáticas, questões de género, minorias sexuais, questões de minorias e de deficiências.

Mas o FSM vive um declínio desde a década passada, perdeu o encanto e a repercussão inicial e pouco se observa a sua incidência atual nas crises mundiais, que está bem menor do que quando nasceu como um movimento que não pretendia apresentar conclusões, realizando debates e demonstrando que “outro mundo é possível”.

“Estamos perdendo o jogo até agora. A crise climática se agravou, as desigualdades e os conflitos diminuíram (com o risco até de uma guerra nuclear) a confiança na democracia e elevaram a falta de governança global. São riscos enormes que ameaçam a espécie humana”, disse Grajew à IPS por telefone, de São Paulo.

Tudo isto aumenta a necessidade de revitalizar o FSM, porque se trata de fortalecer a sociedade civil, única forma de resolver os desafios, na sua avaliação.

O FSM, apesar de tudo, já tem um legado como “espaço de articulação e resistência da sociedade no mundo”, acrescentou. Contribuiu para incluir a emergência climática na agenda internacional, reforçou a luta antirracista e promoveu alianças que transformaram os povos indígenas em “atores políticos que antes não eram”, exemplificou.

No Brasil, foi uma sociedade civil fortalecida que impediu um golpe de Estado que tentou instalar uma ditadura e devolver o cargo ao ex-presidente de extrema direita Jair Bolsonaro, disse o presidente de honra do Instituto  Ethos de Empresas e Responsabilidade Social  , empresário que se converteu em ativista social e assim permanece aos 80 anos.

<strong>Agenda destacada da diversidade, o Fórum Social Mundial busca se revitalizar</strong>
Cartaz do Fórum Social Mundial em Katmandu, 15 a 19 de fevereiro de 2024. É a segunda vez que o Fórum realiza sua reunião global na Ásia. A primeira foi em Mumbai, na Índia, em 2004, quando participaram 111 mil pessoas. Imagem: FSM

Soluções e recursos existentes

“Hoje sabemos quais são os problemas da humanidade e como resolvê-los, o que falta é vontade política”, concluiu Grajew.

“Nosso problema não é econômico, de falta de recursos, mas de organização política e social. O produto mundial é de 100 trilhões de dólares anuais, o equivalente a 4.200 dólares por mês por família de quatro pessoas. Basta para uma vida digna e confortável para todos, basta um imposto de apenas 4% para as fortunas do 1% mais rico da humanidade”, confirmou Ladislau Dowbor, economista de 83 anos que sempre foi ouvido no FSM.

O FSM é uma tentativa de articulação como força política a profusão de organizações e movimentos sociais em que a sociedade civil parece fragmentada, com uma multiplicidade de bandeiras, desde ambientalistas até feministas, antirracistas e igualitárias.

Houve uma explosão da diversidade social nas décadas de 60 e 70, com a afirmação de múltiplas identidades e das suas lutas, que procuraram a sua convergência em processos como o FSM. Geralmente são movimentos progressistas, cuja articulação não é automática.

O seu antecedente mais imediato foi a chamada “batalha por Seattle”, uma cidade americana que em 1999 reuniu ativistas antiglobalização durante uma cúpula da Organização Mundial do Comércio, exigindo a globalização dos povos e não da economia.

“É um processo de longo prazo. Essa diversidade é uma riqueza, mas por vezes é dividida pelo sectarismo identitário”, encorajou Daniel Aarão Reis, um historiador de 78 anos que estudou extensivamente a ditadura militar no Brasil e a revolução soviética.

A afirmação de um pólo de oposição ou de contenção dos malefícios do capitalismo na situação atual enfrenta dois fatores adversos, na sua avaliação.

“Um é o declínio da classe trabalhadora, que desde o final do século XIX, técnicas nas cidades, tinha peso demográfico e força organizada para liderar esta luta, atraindo outros segmentos populares, por vezes até maiorias, como os camponeses. Mas sofreram perdas demográficas, lentas mas evidentes, desde a década de 70”, afirmou.

Outra é a dissolução da União Soviética em 1991, que deu lugar ao capitalismo selvagem, com a “restauração das tradições czaristas”. Isto atingiu as forças progressistas, embora estas criticassem o socialismo autoritário; durante um longo período, Moscou apoiou, por exemplo, lutas de libertação nacional.

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Marcha do Fórum Social temática, sobre população idosa, em Porto Alegre, sul do Brasil, em janeiro de 2023. Fóruns temáticos, nacionais e regionais proliferaram no mundo após os primeiros encontros globais do Fórum Social Mundial em Porto Alegre, em 2001, para 2003 , e de Mumbai, Índia, em 2004. Imagem: Tânia Rego/Agência Brasil

Extrema direita pode unir progressistas

“Articular a miríade de correntes dispersas, sem um eixo poderoso como a luta dos trabalhadores, com os seus sindicatos e partidos, é um grande desafio. Mas por vezes um inimigo externo encorajou esta articulação. Foi o caso do nazismo que desencadeou uma ampla aliança contra ele”, lembrou o historiador em entrevista à IPS no Rio de Janeiro.

A extrema direita, que reúne racismo, ameaças à democracia, misoginia e outras bandeiras retrógradas, pode “ajudar a condensar aquela nebulosa em que a esquerda se tornou”, espera Aarão Reis, professor da Universidade Federal Fluminense.

No caso do FSM, sua aparente perda de dinamismo exacerbou as divisões internas no Conselho Internacional, responsável pela gestão do fórum.

“O FSM é como os exercícios espirituais da Igreja, que beneficiam quem está presente, mas ficam mais no circuito interno e não se irradiam para a sociedade”, ao não se manifestar sobre as questões candentes do mundo e, assim, impossibilitar a comunicação externa , criticou o ítalo-argentino Roberto Savio, cofundador e presidente de honra do IPS e que foi membro ativo do Conselho Internacional.

Foi assim que o especialista em comunicação do Sul, de 89 anos, argumentou sobre a discordância de alguns ativistas e membros do Conselho Internacional com a Carta de Princípios que definem o FSM como “um espaço plural e diversificado” de reflexão e articulações de entidades e movimentos, “não-partidária”. e “sem caráter deliberativo”.

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Tela da assembleia de encerramento, no dia 31 de janeiro, do Fórum Social Mundial 2021, que naquele ano foi realizada apenas em formato digital. As dificuldades de organizar um encontro inédito, através dos meios digitais, não impediram, segundo os organizadores, que houve 9.561 participantes de 144 países e 1.360 organizações em 751 atividades, entre escritórios, mesas redondas, debates e assembleias setoriais. Imagem: Mário Osava/IPS

Partido não

“Temos que continuar como espaço de articulação, de busca de alternativas e formas de atuação, de novos caminhos. A ação é função das organizações e movimentos participantes, não do Fórum”, reiterou Chico Whitaker, outro co-fundador do Fórum e fervoroso defensor da Carta de Princípios.

A discrepância vem desde o início do FSM e deriva de “uma cultura antiga de fazer política, hierárquica, autocrática”, disse à IPS, por telefone, de São Paulo.

Aos 92 anos, Whitaker lamentou não poder viajar para Katmandu, “muito longe”, e terá de contar com a participação digital, “muito limitada”.

A  edição em Katmandu será híbrida , presencial e digital, mas a diferença de fuso horário entre a capital nepalesa e São Paulo, por exemplo, é de 8h45, o que dificulta o acompanhamento das atividades.

Por isso os debates de maior interesse na América serão à noite na capital nepalesa, informou Rita Freire, representante da rede Ciranda, responsável pela comunicação colaborativa do FSM no Conselho Internacional.

Freire, jornalista de 66 anos e editor do  Middle East Monitor , também representa uma alternativa de ação política “dentro do processo do Fórum, mas mantendo a Carta de Princípios”.

Um novo órgão está sendo testado em Katmandu, a Assembleia de Lutas e Resistência com movimentos sociais que adotará posições e declarações políticas. “Mas ele fará isso em nome próprio e não no Fórum”, esclareceu Freire, de São Paulo, por telefone, poucas horas antes de embarcar para Katmandu.

A realização do encontro na Ásia abre novos horizontes para o FSM, pois é a região mais dinâmica do Sul global, pelo menos em termos de economia, concordaram com o jornalista e Whitaker. Reflete uma mobilização de organizações sociais do Nepal e de países vizinhos, que se articularam e se propuseram sedear o Fórum.


MÁRIO OSAVA –

O premiado Chizuo Osava, mais conhecido como Mario Osava , é correspondente do IPS desde 1978 e encargado da correspondência no Brasil desde 1980. Cubriu tarefas e processos em todas as partes desse país e últimamente se dedicou a rastrear os efeitos dos grandes projetos de infraestrutura que reflete opções de desenvolvimento e integração na América Latina. É membro de conselhos ou associações de sociedades de diversas organizações não governamentais, como o Instituto Brasileiro de Análise Social e Econômica (Ibase), o Instituto Fazer Brasil e a Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI). Mesmo tendo alguns cursos de periodismo em 1964 e 1965, e de filosofia em 1967, ele foi considerado um autodidata formado através de palestras, militância política e experiência de ter residido em vários países de diferentes continentes. Empezó trabalhou na IPS em 1978, em Lisboa, onde também escreveu para a edição portuguesa de Cuadernos del Tercer Mundo. De volta ao Brasil, estuvo alguns meses no diário O Globo, do Rio de Janeiro, em 1980, antes de assumir a corresponsabilidade do IPS. Também se tornou banqueiro, promotor de desenvolvimento comunitário nas “favelas” (tugurios) de São Paulo, professor de cursos para o ingresso na universidade em seu país, assistente de produção de filmes em Portugal e assessor de partida em Angola. Siga no Twitter .

Envolverde/IPS