Clima

COP 28: Um legado de boas intenções e poucas ações

Por Dal Marcondes, especial para a Synergia Socioambiental* – 

A COP28 ainda está na metade e a sensação de quem está por lá é de que há muitas boas ideias e belos projetos, mas não se toca no ponto central da crise climática, a urgência da descarbonização do planeta.

Caetano Scannavino, um dos mais articulados ambientalistas brasileiros, que, junto com seu irmão, o médico Eugênio Scannavino, coordenam a organização Saúde & Alegria, com sede em Santarém, no Pará, está em Dubai em busca de uma utopia. Seu sonho é que a humanidade acorde e pare de destruir coisas que ela não é capaz de reconstruir.

E de utopias os irmãos Scannavino entendem. Caetano abandonou uma próspera carreira como publicitário em São Paulo e seu irmão deixou o conforto dos consultórios para atender nas barrancas do rio Tapajós. Coordenam uma organização que salva vidas, salva sonhos e deu origem a uma bem-sucedida política pública de atendimento à saúde nos rios amazônicos, abraçada pelo SUS.

Nesta entrevista exclusiva, Caetano expõe suas percepções sobre a COP28.

Caetano Scannavino na COP 28, em Dubai.

O que você tem percebido pelos corredores e salas dessa COP. Está otimista?

CS: Para falar a verdade, estou um pouco decepcionado. Ela ainda não terminou, mas, salvo alguma surpresa, vai ficando cada vez mais latente que estamos em uma armadilha. Temos muitos temas, muitas discussões, belos projetos, pessoas bem-intencionadas e tudo o mais, mas, no final das contas, fazendo um balanço, a gente está há 29 anos, nas COPs, sem ir direto ao ponto, na raiz do problema, que é a eliminação dos combustíveis fósseis, nem que seja de forma gradual.

Nesta Conferência há muitos representantes da indústria do petróleo. Isso está atrapalhando?

CS: Estamos fazendo uma COP em um país construído em cima do petróleo e presidida por um petroleiro negacionista, o sultão Al Jaber. Uma COP com recorde de lobistas do petróleo e em meio a uma superemergência climática. O estrago já começou e quem paga por isso são os países mais vulneráveis e as populações mais pobres desses países. Justamente quem menos contribuiu ou se beneficiou desse estado de coisas.

Você acha que algo de bom ainda pode vir da COP28?

CS: A cada dia que a gente posterga o que realmente tem de ser feito, que é eliminar de vez os combustíveis fósseis da nossa vida, maiores serão os danos ao planeta. Temos o acordo para reduzir o metano da pecuária, e uma conversa sobre desmatamento zero, mas nada, nenhum acordo assinado em 29 anos sobre a eliminação da queima de combustíveis fósseis. Mesmo o Fundo de Perdas e Danos é muito pouco perto do que, de fato, precisa ser feito.

Por que você acha que o Fundo de Perdas e Danos é pouco?

CS: Firmar acordos não necessariamente significa que vão ser cumpridos. Vários financiamentos decididos nas COPs anteriores nunca saíram do papel. Mesmo nesses acordos para a redução do metano na pecuária, eu não tenho muita confiança. Estou bastante desanimado. Acho que a gente caiu em uma armadilha muito bem trabalhada pelas próprias petroleiras. É igual ao mundo da Internet, nunca se viu tanta informação e, ao mesmo tempo, nunca se viu tanta desinformação.

Por que você diz isso?

CS: As COPs estão cada vez mais amplas, com debates em muitas áreas. Nunca vi tantos temas em uma COP. Tornaram-se um espaço de relacionamentos, conversas e discursos, com muito pouca objetividade. Floresta, rio, água, oceano, é periferia, é cultura, mas ao mesmo tempo isso acaba dispersando a atenção em relação à eliminação dos combustíveis fósseis. Talvez seja importante rever o formato dessas COPs, quem sabe começar a pensar em agendas de trabalho focadas na transição e na eliminação do uso de combustíveis fósseis. Quem sabe aí a gente comece a avançar de verdade. 

Imagem de destaque: Caetano Scannavino – Acervo pessoal

*Synergia Socioambiental e Envolverde na cobertura da COP28.