ODSv 15

Com oito das 12 principais bacias hidrográficas que abastecem o país, Cerrado é bioma mais devastado do Brasil

Com oito das 12 principais bacias hidrográficas que abastecem o país, Cerrado é bioma mais devastado do Brasil

O Cerrado tem nascentes de oito das 12 principais bacias hidrográficas que abastecem o Brasil e conecta a Amazônia ao norte, a Caatinga a nordeste, o Pantanal a sudoeste e a Mata Atlântica ao sudeste. Apesar de sua importância socioambiental, é o bioma mais rapidamente devastado do país: em 2023, perdeu cerca de 1 milhão de hectares de vegetação nativa para o desmatamento.

O número representa uma área do tamanho de dois Distritos Federais e um
aumento de 67,7% em relação ao ano anterior. Foi também a primeira vez que a
área desmatada de Cerrado foi maior que a área amazônica, desde o início da
publicação do Relatório Anual do Desmatamento no Brasil (RAD) da rede
MapBiomas.

Por “bombear” água para o restante do território brasileiro, o Cerrado é chamado de
“Coração das Águas” em uma nova campanha cujo objetivo é sensibilizar
brasileiros e brasileiras sobre o bioma e esta região. Ao todo, são mais de 3.500
nascentes que correm apenas para a Amazônia, sem falar no Pantanal, na Caatinga
e na Mata Atlântica, e abastecem milhares de cidades, a indústria e a própria
agropecuária.

O segundo maior bioma da América do Sul possui ainda mais características
fundamentais, afinal, presente em 11 estados do Brasil e no Distrito Federal, abriga
cerca de 12% da população (25 milhões de pessoas), além de 80 etnias
indígenas e diversas comunidades quilombolas, geraizeiras, de quebradeiras
de coco babaçu e diversos outros segmentos de povos tradicionais. Apesar de
prover quase metade da água doce do Brasil, a conversão de áreas nativas do
Cerrado para pastagens e agricultura já tornou o clima na região quase 1°C mais
quente e 10% mais seco, indica um estudo publicado na revista científica Global
Change Biology.

No quesito diversidade, é a savana mais antiga e biodiversa do planeta.
Estima-se que abrigue mais de 12 mil espécies de plantas. A região conta também
com pelo menos 2.373 espécies de vertebrados, cerca de um quinto dos quais são
endêmicos, ou seja, exclusivos do Cerrado.

A magnitude do Cerrado também está embaixo da terra, uma vez que abriga uma
“floresta invertida”, ou seja, tem árvores com raízes profundas que atuam
como uma esponja gigante absorvendo e estocando água da chuva, distribuída
para milhões de nascentes durante todo o ano, inclusive no período de seca. Ao
desmatar essa vegetação, acontece a compactação e erosão do solo, dificultando a
retenção de água para os aquíferos e prejudicando rios de todo o bioma.
É por isso, também, que a campanha “Cerrado, Coração das Águas” gira em
torno da questão hídrica. A ideia é apresentar o bioma como fundamental para a
vida humana na COP de Belém, que será realizada em 2025 na capital paraense.
“Queremos que todos saibam da relevância do Cerrado para as nossas vidas,
inclusive para a agropecuária”, diz Yuri Salmona, diretor-executivo do Instituto
Cerrados.

O Cerrado é hoje responsável por 60% de toda a produção agrícola do Brasil,
incluindo culturas como soja, milho e algodão- 14% de toda a soja do mundo e 16%
da carne são produzidas no Cerrado. Plantações que dependem da estabilidade
climática já começam a sofrer os impactos do desmatamento. A expansão agrícola,
principal indutora do desmatamento do Cerrado, muda o cenário climático local e
regional, o que pode levar à queda de produtividade e à diminuição do número de
safras, além de agravar o aquecimento global. “Cerca de 28% das áreas agrícolas
de milho e soja do Centro-Oeste já estão fora do ideal climático para plantio, número
que pode aumentar para 70% em 30 anos”, explica Ane Alencar, diretora de
Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), em referência a
um estudo publicado pela instituição na revista científica Nature Climate Change. O
início da estação chuvosa agrícola já está 36 dias atrasada e as chuvas já
reduziram 8,6% em média no Cerrado.

As barreiras para conter o avanço do desmatamento no bioma são poucas. O
Código Florestal brasileiro determina que, pelo menos, 20% da área dos
imóveis rurais no Cerrado seja mantida como vegetação nativa, e essa
proteção passa para 35% em áreas de Cerrado dentro da Amazônia Legal. Na
Amazônia, uma propriedade privada é obrigada a manter até 80% da vegetação
nativa de sua área- o inverso. Além disso, no Cerrado existem poucas Unidades
de Conservação (UCs) e Terras Indígenas, ocupando apenas 8,6% e 4,8% do
território do bioma, respectivamente. “A perspectiva de aumentar essa
porcentagem é baixa, devido ao preço da terra e ao pequeno orçamento destinado
pelo governo à criação de áreas protegidas”, diz Isabel Figueiredo, coordenadora
do Programa Cerrado do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN).

“O Cerrado está em degradação. Foram mais de 20 mil km² desmatados nos
últimos 2 anos. Além disso, hoje, o Cerrado tem sido diretamente impactado pela
crise climática, o bioma está se tornando mais seco e quente. Temos os
incêndios iniciados por atividade humana. Precisamos reverter esse cenário
catastrófico, para garantir que o bioma mantenha todos os seus serviços
ecossistêmicos, ao mesmo tempo em que restauramos o que já foi destruído”,
complementa Bianca Nakamato, especialista em conservação do WWF-Brasil.

Envolverde