Por Daniel Gutman, da IPS –
Buenos Aires, Argentina, 14/3/2017 – Buscar petróleo e gás no mar, ativar as jazidas não convencionais, desenvolver, por fim, as energias renováveis, construir centrais hidrelétricas. Todas as receitas que levam a uma produção maior de energia parecem bem-vindas hoje na Argentina, que nos últimos anos tem suas contas em vermelho nesse setor.
O governo do presidente Mauricio Macri tenta reverter uma crise energética que é produto de muito tempo sem investimentos, e que se fez visível a partir de 2010, quando o país perdeu o autoabastecimento de petróleo e gás pela primeira vez em 17 anos. Os hidrocarbonos constituem 87% da matriz energética nacional e também são o insumo fundamental que abastece o sistema elétrico em particular, ao alimentar as centrais térmicas que respondem por 64% da capacidade instalada, segundo dados oficiais.
Macri responsabilizou sua antecessora, Cristina Fernández (2007-2015) pela situação, no dia 1º deste mês, quando abriu o período de sessões ordinárias do Congresso e anunciou: “Depois de uma década de desperdício e corrupção, começamos a normalizar o setor energético”.
Fernández havia admitido a crise energética já em 2012, quando, ao fim de um processo de grave queda na produção e nas reservas de hidrocarbonos, que levou o país a gastar milhares de milhões de dólares em importações, impulsionou a nacionalização da petroleira Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF), privatizada 19 anos antes por Carlos Menem (1989-1999). “Se continuarmos assim, seremos um país inviável”, advertiu a ex-presidente ao enviar ao Congresso o projeto de expropriação de 51% das ações da YPF que estavam nas mãos da companhia espanhola Repsol.
Embora a iniciativa tenha sido aprovada rapidamente, desde então a situação não mudou de maneira substancial. Em fevereiro, em pleno verão austral e em meio a uma onda de calor na cidade de Buenos Aires e em outras partes do país, que levou o consumo de eletricidade para além dos 25 mil megawatts (MW), no limite da capacidade do sistema, o governo importou essa energia de Brasil, Uruguai, Paraguai e Chile, para evitar cortes maciços de luz que fizeram disparar o mau humor social.
Trata-se de um tema muito sensível para o governo de Macri, porque uma de suas primeiras medidas após tomar posse, em dezembro de 2015, foi aumentar as tarifas de eletricidade e gás, que estiveram congeladas durante anos, com o argumento de que foi a energia barata que provocou a falta de investimentos e a deterioração do sistema energético. Esses aumentos tiveram que ser moderados por causa dos questionamentos da opinião pública e, inclusive, por uma série de decisões judiciais.
“O sistema está no limite também para o inverno, porque o gás natural é utilizado para calefação, provocando escassez de combustíveis para as centrais térmicas, que deve ser coberta com a importação de diesel e óleo combustível a preços elevados”, explicou Juan Bosch, advogado especialista em energia e presidente da empresa Saesa. “Há consenso de que a Argentina não tem outra alternativa a não ser ampliar sua oferta energética, como demonstra, por exemplo, o amplo acordo político com que foi aprovada a nova lei de energias renováveis”, apontou à IPS.
Ao contrário de outros países da região, e apesar de ter um notável potencial, especialmente para energia eólica, graças aos fortes ventos na região da Patagônia, a Argentina não desenvolveu até agora as fontes renováveis, cujo peso na matriz elétrica nacional é insignificante. Depois da sanção de duas leis de promoção desse tipo de energia, em 1998 e 2006, que fracassaram rotundamente, o Congresso sancionou, em 2015, uma nova lei que, dessa vez, abre expectativas em setores empresariais e ambientalistas.
Essa norma, que exige que as energias renováveis cubram 20% da demanda elétrica nacional até 2025, foi aprovada nos meses finais do governo de Fernández, com apoio de todos os setores políticos, e foi rapidamente implantada pelo novo governo. “Já entregamos 59 projetos (de energias renováveis) com os quais captaremos a energia em 17 províncias, com investimento privado de aproximadamente US$ 4 bilhões”, afirmou Macri no Congresso.
No entanto, a aposta nas energias renováveis não exclui, mas complementa, a busca por combustíveis fósseis. O governo procura desenvolver o potencial de Vaca Muerta, uma jazida de 30 mil quilômetros quadrados que se estende por quatro províncias, com depósitos de gás e petróleo de xisto, descoberta em 2011 pela YPF. Sua exploração teve início em 2013, depois que a norte-americana Administração de Informação e Energia (EIA) colocou a Argentina como o terceiro país com maiores reservas de hidrocarbonos de xisto, superada apenas pelos Estados Unidos e pela China.
Mas justamente essa jazida, onde petróleo e gás estão presos em rochas a grandes profundidades e são recuperáveis com a polêmica tecnologia da fratura hidráulica, exige investimentos muito elevados, com a desvantagem adicional de nos últimos anos ter ocorrido uma baixa significativa nos preços dos hidrocarbonos. Depois de anunciar, no fim de 2015, um acordo com o sindicato petroleiro para baixar os custos trabalhistas e incentivar a chegada de investimentos a Vaca Muerta, o govenro garantiu este mês, por decreto, um preço máximo para o gás extraído de reservas não convencionais, que está acima dos valores de mercado.
“Junto com os trabalhadores do setor petroleiro, estamos gerando as condições para que a exploração da bacia de petróleo e gás não convencional de Vaca Muerta deixe de ser um potencial e se transforme em uma realidade”, declarou o ministro de Energia, Juan José Aranguren. A busca por hidrocarbonos também inclui a plataforma marinha. Em janeiro, o ministro assinou uma resolução autorizando a YPF a estudar uma área de 360 quilômetros quadrados diante da costa nas províncias de Buenos Aires, Rio Negro e Chubut, no Atlântico.
Já em dezembro, o governo havia encomendado um estudo para medir o interesse de empresas internacionais para explorar o Mar Argentino, como se chama localmente a plataforma continental da oriental costa atlântica do país. O governo também garante que este ano será iniciada a construção de duas gigantescas represas no rio Santa Cruz, na Patagônia, cuja construção, ao custo aproximado de US$ 5 bilhões, foi acordada pela administração anterior e terá financiamento de três bancos estatais chineses.
O projeto foi questionado desde o começo por organizações ambientais, porque o rio Santa Cruz nasce no Lago Argentino, o maior e mais austral da Patagônia, dentro do espetacular Parque Nacional Los Glaciares, uma das principais atrações turísticas do país. No final do ano passado, a Suprema Corte de Justiça considerou que o estudo de impacto ambiental não foi realizado de maneira adequada e ordenou que a obra não começasse, embora o governo prometa uma nova avaliação para poder iniciar o trabalho. Envolverde/IPS