Por Emilio Godoy, da IPS –
Cancún, México 12/12/2016 – “Não temos acesso às áreas marinhas porque na maior parte são zonas protegidas ou estão em mãos privadas. Os povos indígenas perdem acesso aos territórios, na medida em que essa decisão se tornou privilégio do Estado”, denunciou o costarriquenho Donald Rojas. A queixa do presidente da não governamental Mesa Nacional Indígenas da Costa Rica, membro do povo brunka, se deve à proibição, para seu povo e o hetar, de entrar em cinco de seus territórios ancestrais, que foram declarados áreas naturais terrestres e marinhas protegidas.
“Isso limita o acesso e o manejo dos recursos”, explicou Rojas, cujo povo é um dos oito originários nessa nação centro-americana de 4,8 milhões de habitantes, onde há cerca de 104 mil indígenas que ocupam uma superfície de 3.500 quilômetros quadrados. Ele é um dos dirigentes indígenas latino-americanos que participam de diferentes encontros e fóruns da Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade, que acontece entre os dias 2 e 17, reunindo cerca de 6.500 delegados de governos, organismos internacionais, acadêmicos e representantes da sociedade civil.
Os indígenas costumam praticar a pesca, a navegação e o abastecimento de alimentos nessas áreas situadas nas proximidades dos oceanos Pacífico e Atlântico e em parte da zona econômica exclusiva (ZEE), ou mar patrimonial. O conflito reflete como os Estados acentuam a tendência de explorar suas ZEE, embora ao mesmo tempo estejam obrigados a aumentar as áreas marinhas protegidas e a sanear os oceanos, em uma contradição que costuma gerar atritos e em que as comunidades locais são frequentes vítimas.
Isso ficou evidente na cúpula mundial sobre biodiversidade que acontece em Cancún, a 1.200 quilômetros da Cidade do México. A reunião acolhe a 13ª Conferência das Partes (COP 13) do Convênio sobre Diversidade Biológica (CDB), além de outros encontros intergovernamentais e fóruns vinculados à preservação da riqueza natural do planeta. As águas costeiras e as plataformas continentais são exploradas cada vez mais para propósitos pesqueiros, agrícolas, industriais ou turísticos, ao abrigarem recursos naturais aproveitados para um beneficio econômico.
Nas ZEE, que englobam a faixa de 200 milhas náuticas (340 quilômetros) mais próxima da costa, pratica-se pesca, navegação, extração de materiais pétreos e a dragagem de portos, atividades tradicionais que agora se estendem a perfurações em águas profundas, mineração submarina e obtenção de minerais provenientes de módulos polimetálicos.
No total, as áreas marinhas protegidas incluem quase 15 milhões de quilômetros quadrados ou 4,12% dos oceanos do mundo, o que está muito aquém da meta de 10%, embora o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) tenha ressaltado em Cancún os crescimentos alcançados nos últimos anos. A proteção de águas patrimoniais ou territoriais, aquelas sob jurisdição nacional, já alcançam 10%, segundo o Informe Planeta Protegido 2016, elaborado pelo Pnuma e outras organizações internacionais e da sociedade civil.
Mas somente 0,25% das áreas além dessa jurisdição nacional nos mares está coberto por zonas marinhas protegidas, o que evidencia uma brecha significativa nos esforços de conservação e ressalta a necessidade urgente de se encontrar caminhos para superar os desafios de criação dessas áreas.
O objetivo 11 das Metas de Aichi, como são conhecidos os 20 pontos do Plano Estratégico para a Diversidade Biológica 2011-2020, adotado em 2010 pelos Estados Partes do CDB, estabelece que até 2020 as áreas para conservação sejam administradas de maneira eficaz e equitativa. Também fixa que até o mesmo ano deverão ser cobertos pelo menos 17% das zonas terrestres do mundo e 10% das áreas marinhas, com ênfase naquelas de particular importância para a diversidade biológica e os serviços dos ecossistemas.
Além disso, o 14º dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), que a comunidade internacional se propôs a cumprir até 2030, fala em “conservar e utilizar de forma sustentável os oceanos, os mares e os recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável”. As dez metas do 14º ODS incluem saúde marinha, aproveitamento sustentável dos recursos e proteção ecológica.
“É um grande desafio. Pode-se adotar dois enfoques. Um se baseia no planejamento territorial marinho e no manejo, e o outro seleciona os setores econômicos e aplica proibições”, apontou Christian Neumann, gerente de projeto do Programa Marinho do não governamental GRID-Arendal. “O problema geral é a superexploração, e é muito difícil colocá-los (os dois enfoques) em equilíbrio. Há um crescente entendimento de que, para ter desenvolvimento sustentável, é necessário um oceano sadio”, acrescentou à IPS o diretor do centro que colabora com o Pnuma e tem sede na Noruega.
Várias obras dão conta da contradição entre a exploração das ZEE e a preservação ecológica e os direitos dos moradores costeiros. Um exemplo próximo a Cancún é o da ampliação do Porto de Veracruz, no sudeste mexicano, apesar de o projeto ameaçar o Sistema de Arrecife Veracruzano, que inclui pelo menos 23 arrecifes e onde convivem ecossistemas de coral, leitos marinhos submareais (zonas de água próximas à linha de maré mais baixa), águas marinhas superficiais, praias de areia e mangues.
Além disso, o Estado mexicano declarou essa área parque marinho nacional em 1992. O projeto, apresentado como maior investimento portuário no país em cem anos, inclui a construção de dois quebra-ondas de 7.740 metros de comprimento, uma doca de 800 metros de diâmetro, nove tipos de terminais de cais, em uma superfície de nove quilômetros quadrados.
Em Honduras, os indígenas misquitos estão na expectativa sobre o futuro da exploração petroleira iniciada em 2014 no departamento de Gracias a Dios, na sua costa do Caribe. “É uma área de pesca, então existe um impacto sobre a atividade e os recursos pesqueiros. Precisamos saber o que acontece com esses trabalhos”, ressaltou à IPS, durante a cúpula, Yuam Pravia, representante da não governamental Unidade da Miskitia-Moskitia Asla Takanka de Honduras.
Em 2014, a britânica BG Group começou a exploração marinha em uma área de 35 mil quilômetros quadrados, concedidos pelo governo hondurenho. Na tentativa de salvaguardar seus direitos, os indígenas misquitos elaboraram uma série de padrões para permitir esses trabalhos. Mas, diante de seu descumprimento, misquitos e garífunas prejudicados estudam retirar sua autorização.
Na Costa Rica, começou um diálogo entre o governo e os povos ancestrais para resolver o acesso territorial. “Se perde uma base fundamental para a própria identidade indígena. Como o governo desconhece isso, violenta-se todo um sistema biológico e cultural”, destacou o brunka Rojas.
Para Neumann, energia, mineração e dejetos se convertem em sérios desafios. “Precisamos considerar esses temas. Mas também temos a necessidade econômica. É difícil pensar em alternativas para milhões de pescadores”, afirmou. Para o misquita Pravia, os governos deveriam proteger os direitos das comunidades. “Só se prorrogam as permissões, sem considerar os efeitos. Falta informação”, pontuou. Envolverde/IPS