Economia

O dinheiro realmente verde: financiando a agropecuária sustentável

Por Frederico Seifert , Gerente de Projetos da SITAWI Finanças do Bem – 

O setor financeiro tem grande responsabilidade frente aos impactos socioambientais da economia. Ainda que seus efeitos diretos – como o consumo de água e energia em prédios administrativos – sejam pequenos em relação aos setores produtivos, o setor financeiro financia, em alguma medida, todos os segmentos da economia real, tendo um impacto indireto inigualável. No Brasil, isso fica especialmente claro quando falamos do setor agropecuário, responsável por 69% das emissões de gases de efeito estufa do país[1].

Os bancos e cooperativas de crédito são protagonistas no financiamento da agricultura e pecuária brasileira, com participação de 35% dos recursos utilizados. Do restante, 14% advém de empresas do setor[2] e 50% são de recursos próprios[3]. Em algumas culturas, contudo, sua fatia no mix de financiamento dos produtores é menor. Um exemplo é o caso da soja, um dos principais produtos de exportação do país: 26% vêm de instituições financeiras (IFs); 33% de companhias do setor da soja e 41% de autofinanciamento[4].

Dos recursos liberados pelas IFs para os agricultores e pecuaristas, a maior parte é ligada ao crédito rural. Tais operações têm, em sua maioria, condições financeiras (taxas, prazos e garantias) determinadas pelo governo: o chamado crédito com juros controlados, que representam em torno de 70% dos desembolsos do crédito rural[5].

Os critérios socioambientais também são pré-estabelecidos no crédito rural mesmo nas operações em que as IFs possuem discricionariedade na definição das taxas de juros, que somam 30% do montante desembolsado do crédito rural[6]. Os produtores rurais devem demonstrar conformidade tributária e com a seguridade social, respeito ao Zoneamento Ecológico-Econômico, licenças ambientais em dia e não inclusão na Lista Negra do Trabalho Escravo e de Lista de Áreas Embargadas pelo Ibama na Amazônia.

Considerando esse cenário em que: (i) nas operações que realizam, as IFs possuem pouco ou nenhum controle sobre as condições financeiras e socioambientais; e/ou (ii) em alguns casos, as IFs não possuem a maior fatia do financiamento dos produtores, como estas instituições podem ajudar a tornar o setor mais sustentável?

Em relação à primeira questão, é preciso dizer que as condições socioambientais previamente definidas são fortes e alinhadas às boas práticas internacionais para sustentabilidade do setor agropecuário. Não à toa, a maior parte das IFs replica tais exigências para os produtores mesmo em operações que não se enquadram no crédito rural.

Mais importante ainda: as IFs são as responsáveis pelo controle e monitoramento de seus clientes, sendo parte fundamental do ecossistema de acompanhamento do desmatamento, boas práticas trabalhistas, entre outros fatores. A força desse controle está diretamente alinhada com um setor financeiro igualmente sustentável.

Nesse sentido, as IFs devem continuar o movimento para adequar ou reforçar suas e Políticas de Responsabilidade Socioambiental (PRSA) e Sistemas de Administração de Risco Ambiental e Social (SARAS) associados. Com isso, garantem a efetiva identificação, avaliação e monitoramento dos riscos ambientais e sociais – tanto no crédito rural, quanto nas demais operações de crédito para o setor agropecuário[7].

Além de se responder diretamente às demandas de regulações como a do Conselho Monetário Nacional 3.545/08[8] e 4.327/14[9], por exemplo, tais instrumentos ajudam as IFs a obter um retorno financeiro melhor ajustado ao risco e gerar oportunidades de negócio mais sustentáveis. Isso porque o foco, tanto da Política quanto da gestão de riscos socioambientais, não é restringir clientes e, sim, incentivá-los a adotar melhores práticas.

Sobre o segundo questionamento, as IFs podem criar novas formas de financiamento para condições que travam o acesso ao crédito rural. Além disso, podem desenvolver produtos e serviços que cubram o pré-custeio que, muitas vezes, não é abarcado pelas linhas tradicionais e favorecem a manutenção de um setor composto por grandes propriedades. São exatamente estes últimos que possuem maior capacidade de autofinanciamento.

Dessa forma, tais instituições podem ajudar a sanar alguns dos problemas que levam o pequeno e médio produtor a recorrer ao crédito de empresas, como a falta de assistência técnica e de garantias, que são obrigatórios para o acesso a muitas linhas do crédito rural. A ausência de garantias está muito ligada a questões institucionais dos diferentes níveis do governo brasileiro, como a falta de titulação de terra e a insegurança jurídica daqueles que a possuem – principalmente, pequenos proprietários.

Um efeito secundário destes fatores é favorecer a busca de novas terras ainda não desmatadas e/ou a grilagem. E o apoio das IFs pode ser novamente fator de mudança. Aqui, através de recursos e/ou serviços para regularização fundiária – para produtores ou mesmo órgãos governamentais – ou recuperação de áreas degradadas e intensificação da produção (aumento da produtividade) podem ajudar a transformar o cenário.

Bons exemplos já existem[10], como a linha de financiamento criada pelo Santander para recuperação de terras degradadas no Cerrado, com apoio da trading Bunge e da organização da sociedade civil The Nature Conservancy (TNC). Tais ações ajudam o pequeno/médio agricultor ou pecuarista a resolver questões subjacentes para o acesso do crédito rural. Adicionalmente, provêm aos grandes agricultores e pecuaristas, que possuem necessidades de recursos acima do limite individual do crédito rural[11], mais recursos em boas condições econômicas e socioambientais.

Ademais, as IFs também podem agir como catalisadoras de mudança setorial, influenciando outros agentes financiadores. Uma maneira de alcançar este objetivo é através da promoção e apoio a iniciativas de certificação da produção e aquelas que congregam IFs e empresas do setor produtivo, junto à sociedade civil e governos, para tornar as condições de financiamento mais justas, amplas e com boa gestão socioambiental.

Outra alternativa reside no suporte à criação e viabilização de instrumentos financeiros que ampliam o funding das IF. Estas têm como consequência permitir o financiamento sustentável a custos razoáveis ou garantir uma produção mais socioambientalmente amigável desde a ponta. Exemplos incluem os títulos verdes[12] e os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) verdes[13], respectivamente.

Embora não seja trivial e existam vários desafios, as IF têm o poder e a capacidade de serem agentes de mudança para uma produção agropecuária cada vez mais sustentável – seja de modo direto ou como catalisadoras. O que não podem é olhar apenas para os resultados financeiros de curto prazo e deixar de ver o correntão passar.

[1] Incluindo mudanças no uso da terra. Dados do Observatório do Clima (2016).

[2] Tradings (empresas armazenadoras, processadoras e/ou exportadoras de grãos), provedores de insumos (sementes, fertilizantes e defensivos agrícolas), revendas e/ou varejistas.

[3] Dados da ICAGRO (safra 2016/17).

[4] Dados da SITAWI (2017).

[5] Dados do BACEN (safra 2016/17).

[6] Ibid.

[7] Para saber mais, acesse: <https://www.sitawi.net//publicacoes/guia-de-boas-praticas-para-instituicoes-financeiras/>.

[8] Estabelece os critérios para concessão de crédito para o bioma Amazônia, tais como cadastro do imóvel rural, apresentação de licenças ambientais (quando aplicável), ausência de processos relacionados a desmatamento ilegal, entre outros.

[9] Cria a obrigatoriedade, para todas as IF do Sistema Financeiro Nacional (SFN), de possuir uma PRSA, adequada à realidade da instituição, que cubra: as práticas de gestão de risco socioambiental, estabeleça uma governança para os temas ambientais e sociais e determine ações para a comunicação com partes interessadas (empregados, clientes, sociedade civil, etc).

[10] Disponível em:  <https://revistagloborural.globo.com/Noticias/Agricultura/Soja/noticia/2018/08/santander-anuncia-linha-de-credito-para-producao-em-areas-degradadas-do-cerrado.html>.

[11] R$880 mil para financiamento individual e R$2,64 milhões para empreendimentos coletivos  (MAPA, safra 2017/18).

[12] Para saber mais, acesse: <https://www.sitawi.net/publicacoes/guia-para-emissao-de-titulos-verdes-no-brasil/> e <https://www.sitawi.net/publicacoes/nao-perca-esse-bond/>.

[13] Para saber mais, acesse: <https://www.wwf.org.br/?62682/Certificados-de-Recebiveis-do-Agronegocio–CRA-Verde> e  <https://www.sitawi.net/publicacoes/oportunidades-financeiras-na-reducao-do-desmatamento/>.