Ações educativas podem mudar hábitos e conservar o ecossistema no litoral pernambucano.
Por Rogério Ippoliti, do MMA –
Wilson tinha 22 anos quando conheceu um mundo novo. Ele e seus amigos de Tamandaré, cidade a 107 quilômetros da capital pernambucana, tiveram contato com as atividades do Instituto Recifes Costeiros (Ircos). A ONG, que ajuda a monitorar e preservar corais, teve a ideia de criar um curso para conscientizar jovens pescadores em relação ao meio ambiente. Todos tinham a vivência prática e experiência em mar, mas a descoberta de que poderiam somar as experiências de vida com conhecimentos científicos serviu como um grande estimulante.
Esses jovens, filhos de pescadores e de outros profissionais que vivem com orçamento familiar pequeno, tinham hábitos muito agressivos com os delicados corais, como o uso de arpões e grandes paus para empurrar as embarcações. As aulas promovidas pelo Ircos têm períodos teóricos, mas também junto às colônias de corais. Além de apresentar os corais pelos nomes, os instrutores do Ircos explicam o funcionamento desses animais de formas inesperadas para os jovens que se inscreveram e corresponderam às expectativas.
“Um dia, quero ser igual aos instrutores do Ircos”, admira Wilson José da Silva, hoje com 27 anos, nosso personagem que abre esta matéria. “Eu quero me transformar num agente multiplicador”, endossa Jonatas de Lima, que fez questão de repetir ensinamentos repassados nas aulas, como os cuidados para não mexer nos corais, não andar sobre os recifes, respeitar os períodos de desova e nunca pescar peixes que não estejam no tamanho e no peso corretos.
O diretor-executivo do Ircos, Manoel Pedrosa, ressalta a importância da manutenção do monitoramento da área marinha protegida de Tamandaré. “Somos uma espécie de guarda-chuva que abraça todos os projetos de gestão e manutenção desse ecossistema. Trabalhamos a mudança de hábitos da comunidade local e também lutamos para que a sociedade tenha ciência do poder que tem em relação à Área de Proteção Ambiental (APA) Costa dos Corais”, resume Pedrosa.
Projeto piloto
A ação local do Ircos dialoga com o projeto Terramar, acordo firmado entre os governos do Brasil e da Alemanha que tem o objetivo de proteger e promover o uso sustentável da biodiversidade marinha e costeira. O orçamento, de 11 milhões de euros (aproximadamente R$ 50 milhões), até 2020, será empregado no monitoramento integrado e gestão dos recursos naturais.
A iniciativa é resultado da parceria entre o Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Ministério Federal do Meio Ambiente da Alemanha, por meio da Agência Alemã de Cooperação Técnica (GIZ, sigla em alemão). O Terramar é um projeto piloto e direciona as ações para duas regiões, inicialmente. A primeira delas é a APA Costa dos Corais, que abrange 14 municípios do litoral sul de Pernambuco e norte de Alagoas.
É a maior unidade de conservação federal marinha do Brasil, importante área de soltura e único ponto de reintrodução na natureza do peixe-boi marinho, uma das espécies mais ameaçadas de mamíferos aquáticos. A outra área beneficiada pelo Terramar é a região do Banco dos Abrolhos, situado no litoral da Bahia e do Espírito Santo, que abriga o mais importante sistema de recifes do Atlântico Sul. Além disso, as águas rasas e quentes constituem um berçário para baleias jubarte.
Regras para o turismo
Estrategicamente, o Ircos planejou e criou em Tamandaré um núcleo instruído antes que o mercado turístico fizesse as próprias regras, em geral depredadoras. Ao lado da praia de Tamandaré, está a praia de Carneiros, que tende a ser o próximo endereço a ser explorado pelas indústrias turística e imobiliária. Carneiros é hoje o que Porto de Galinhas foi antes da explosão turística que transformou o endereço de pescadores em lugar de resorts de luxo e empreendimentos hoteleiros. Carneiros e Tamandaré estão a menos de 30 minutos de Porto de Galinhas.
O diretor do Ircos explica ainda que o Instituto surgiu para dar continuidade aos experimentos iniciados pelo projeto Recifes Costeiros, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que não existe mais.
Apoio da Universidade
Um dos principais apoios do Ircos vem do Departamento de Oceanografia da UFPE. O trabalho inclui um plano de manejo com experimentos para gestão ambiental de recifes. O objetivo é disciplinar o uso adequado do ecossistema. O professor Mauro Maida, que também é consultor do Ircos, lembra que nas décadas de 1980 e até boa parte de 1990 não havia leis de preservação para os corais. “Tudo era permitido, inclusive explodir e cortar os corais para serem usados como ornamentação em aquários. Entendemos, então, que para combater essa degradação e manter o ecossistema produtivo tínhamos de ter uma legislação”.
Foi com o apoio técnico e científico do Ircos que o Governo Federal decretou em outubro de 1997 a Área de Proteção Ambiental (APA) Costa dos Corais, a maior do país. Ela começa em Tamandaré e segue cerca de 180 km até a praia de Paripueira, em Alagoas. São 413 mil hectares de uma APA que busca a proteção dos recifes. O Ircos foi além: dentro da APA, conseguiu a definição de uma área de 400 hectares totalmente fechada, onde só os pesquisadores podem entrar para acompanhar do meio ambiente. Esse espaço já existe há 17 anos.
Amazônia Azul
Apesar de a zona costeira marinha ocupar aproximadamente 4,5 milhões de km2 e ser umas das maiores faixas costeiras do mundo, com mais de 7.400 km entre a foz dos rios Oiapoque e Chuí, o professor Maida alerta que os trabalhos de pesquisa e os planos de manejo sempre devem ter continuidade para a preservação da natureza. “Somos um país pouco marítimo, mesmo com toda essa riqueza”, finaliza. Outro setor que é fonte de análises da Universidade Federal de Pernambuco é a pesca.
Beatrice Padovani, também professora no Departamento de Oceanografia da UFPE, lembra que a pesca garante uma fonte proteica de alta qualidade e de graça para as comunidades locais. Para perpetuar isso, há de se estudar e acompanhar o modo como os pescadores estão agindo. “Temos de levar em consideração que tipo de peixe é melhor pescar em determinada época, quantas pessoas pescam e qual a quantidade, e que tipo de arte de pesca usam: linha, arpão ou rede. Todas essas informações são importantes para manter o ecossistema e evitar um desequilíbrio”, explica.
A professora, que também é uma consultora do Ircos, afirma que o trabalho da UFPE junto à ONG é fácil de entender quando se percebe que os recifes de corais são importantes para o bioma terrestre. “Os dois mantêm trocas e produzem seus equilíbrios a partir delas”, encerra Padovani. (Ministério do Meio Ambiente/ #Envolverde)
* Edição: Alethea Muniz.
** Publicado originalmente no site Ministério do Meio Ambiente.