Por Emilio Godoy, da IPS –
Kimbilá, México, 17/2/2017 – Os crescentes projetos de geração eólica e solar no Estado de Yucatán são parte de uma mudança positiva na matriz energética do México. Mas nas comunidades afetadas essa expansão não é percebida de maneira igual, devido à falta de informação e consulta e pela alteração que causa em suas vidas. “Não temos informação. Temos algumas dúvidas, há quem diga que é bom, outros afirmam que é ruim. Temos ouvido o que dizem em outros Estados”, contou à IPS o camponês Luís Miguel.
Esse indígena maia reside em Kimbilá, localidade do município de Izamal, que é a sede de um até agora falido empreendimento privado de energia eólica, detido pela oposição de seus 3.600 habitantes e, em particular, de um ejido (terra pública destinada para exploração comunitária), em cujas terras seria instalado o parque eólico. “Tememos que prejudique nossos cultivos”, afirmou Miguel, cujo pai é um dos 573 integrantes do Ejido de Kimbilá, que fica no norte da península de Yucatán, 1.350 quilômetros a sudeste da Cidade do México.
A obra em questão, a cargo da empresa espanhola Elecnor, inclui a instalação de 50 aerogeradores para a obtenção de 159 megawatts/hora por ano. A companhia instalou uma torre anemométrica em 2014, mas a população local, que vive do cultivo de milho e hortaliças, pequena pecuária e colheita de mel, soube do projeto somente em janeiro de 2016. Desde então, no ejido foram organizadas assembleias, sem chegar a um acordo para dar seu aval ao arrendamento, por 25 anos, das terras necessárias para o projeto.
Entretanto, em fevereiro deste ano os usuários do ejido apresentaram uma queixa contra a Procuradoria Agrária por seu apoio aos interesses da empresa, incentivando assembleias contrárias à legalidade para estes instrumentos comunitários. O parque teria vida útil de 30 anos, incluídas as fases de preparação, construção e operação, para as quais necessita de 77 hectares dos cinco mil do ejido.
A companhia ofereceu entre US$ 5 e US$ 970 anuais por hectare segundo a utilização da terra para a fazenda eólica, uma proposta que causou descontentamento entre os usuários. Além disso, lhes daria 1,3% do faturamento obtido pela energia gerada. Mas a eletricidade não atenderia a demanda local. “Não temos informação. Para quem trabalha a terra, não é conveniente. Vão destroçar o monte e 30 anos é muito tempo”, explicou à IPS o apicultor Victoriano Canmex.
Também maia, Canmex expressou seu temor pelo possível dano às abelhas, “porque seriam abertos caminhos com máquinas pesadas. Disseram que poderiam reassentar os apiários e não sabem nada de apicultura. Não é justo, ficaremos sem nada”. Ele que possui oito apiários e fiscaliza as colmeias duas vezes por semana, junto com quatro de seus filhos. Coleta anualmente cerca de 25 tambores de 30 quilos, que terminam nas mesas europeias. O mel de Yucatán é altamente apreciado mundialmente por sua qualidade e natureza orgânica.
Yucatán, antigo entreposto maia que mantém alta porcentagem de população indígena, se converteu em uma nova fronteira energética no México, por seu grande potencial eólico e solar. Este Estado adotou a meta de uso de energias renováveis e não convencionais de 9,3% até 2018. Em Yucatán, a incorporação anual de nova capacidade de geração totalizará 1.408 megawatts (MW) até 2030. Excluindo as grandes centrais hidrelétricas, as fontes renováveis fornecem escassos 8% da matriz elétrica do México.
Segundo dados oficiais, em dezembro de 2016, a hidroeletricidade teve capacidade instalada de 12.092 MW, a geotermia, 873 MW, a eólica, 699 MW, e a solar fotovoltaica, 6 MW. De acordo com a empresarial Associação Mexicana de Energia Eólica, existem no México pelo menos 31 parques em nove Estados, com capacidade total instalada de 3.527 MW de energia limpa para as regiões nordeste, oeste, sul e sudeste desse país de 122 milhões de habitantes.
Além da falta de informação, consulta livre, prévia e informada, como obrigam a lei e convênios internacionais, os indígenas denunciam impactos sobre as aves migratórias, aumento de temperatura em zonas com painéis solares e contaminação da água por vazamentos das torres eólicas. Para Romel González, membro do não governamental Conselho Regional Indígena e Popular de Xpujil, que fica no vizinho Estado de Campeche, o processo de desenvolvimento energético sofre de lacunas jurídicas, relacionadas com modelos de contrato e estudos de impacto ambiental superficiais.
“Há falta de informação para as comunidades, que não conhecem o alcance dos contratos, e não é explicado a elas os problemas que vão surgir. Gera-se uma série de conflitos bastante fortes e condições de manipulação para obter as licenças. Aplica-se engenharia social e divide-se a comunidade”, apontou González à IPS. Na região, a seu ver, há recursos naturais que “não foram tocados e agora querem aproveitá-los”, cujo manejo se torna “atraente para despojar as comunidades”.
O Estado vive uma festa energética porque em seu território são projetadas cinco centrais solares, com 536 MW de capacidade total e outros cinco parques eólicos, com capacidade de 256 MW, que funcionariam até 2030 e já foram destinados a empresas locais e estrangeiras. No primeiro leilão nacional de geração elétrica organizada pelo governo, em março de 2016, venceram quatro projetos eólicos e cinco solares, enquanto no segundo, em setembro, foram selecionados dois novos projetos eólicos.
A mudança da matriz elétrica tem base na reforma energética do México, vigente plenamente desde agosto de 2014, que abre os setores privado, nacional e estrangeiro, à exploração, ao refino, à distribuição e ao comércio de hidrocarbonos, bem como a geração e venda de eletricidade. As autoridades locais projetam para 2018 que a geração eólica seja de 6.099 MW, 478 deles provenientes de Yucatán, para, dois anos depois, subir para 12.823 MW, dos quais 2.227 fornecidos por este Estado. Para isso esse Estado captaria US$ 52 milhões neste ano e outros US$ 1,584 bilhão em 2018.
A Lei da Indústria Elétrica, vigente desde 2014, estipula que cada projeto requer uma avaliação de impacto social, mas os críticos dos projetos eólicos não têm registro de sua realização no Estado, enquanto só há evidências de duas consultas públicas nas comunidades afetadas, no caso de dois parques. “A eletricidade não será para nós e não sabemos o que acontecerá mais adiante (com o projeto instalado), por isso nossas dúvidas”, explicou Miguel.
Para a população local, o “modelo Oaxaca” é a invocação de maus presságios, pois esse Estado do sul do México abriga a maior quantidade de fazendas eólicas, envolvidas em denúncias por tratamentos injustos, despojos territoriais e falta de consulta livre, prévia e informada. Ninguém quer replicar esse modelo.
“As autoridades querem fazer isso por todos os meios, querem apenas que os projetos sejam aprovados”, destacou Canmex. González criticou que o governo não tenha exigido as avaliações. “Pedimos e nos respondem que não existem. As respostas das comunidades aos projetos dependerão do grau de consciência e organização social. Algumas comunidades reagirão tarde, quando o projeto estiver em construção”, ressaltou. Envolverde/IPS