Por Baher Kamal, da IPS –
Cairo, Egito, 28/1/2016 – A África é uma das regiões do mundo mais negativamente afetadas pela tendência, cada vez mais dominante entre os principais meios de informação, de centrar-se em notícias trágicas, em virtude de uma regra autoimposta: se sangra é notícia”. Fome, desnutrição, pobreza, endividamento, pirataria, guerras, massacres, lutas tribais, ataques terroristas, Boko Haram, Al Qaeda no Magreb, Estado Islâmico, intervenções militares ocidentais, corrupção, abusos contra os direitos humanos, maciças violações de mulheres e meninas, e repetidas operações de assistência humanitária são, entre outros, pura adrenalina para a maioria dos meios de informação.
Esse continente pode também saltar para as manchetes cada vez que é anunciada compra maciça de petróleo por parte da China, e as imediatas denúncias feitas por políticos e mídias ocidentais para a falta de direitos humanos no gigante asiático. Não que esses fatos sejam de todo falsos. A África foi e ainda é cenário de “más notícias”. No entanto, dezenas de especialistas, analistas e ativistas se esforçam para recordar as raízes profundas subjacentes da maioria dos dramas africanos.
Os longos séculos de colonialismo, escravidão, empobrecimento, dilapidação dos recursos naturais por corporações transnacionais, milionárias vendas de armas às partes em conflito, monopólio da posse de terras, e o grave impacto da mudança climática, causada longe da África pelos países industrializados, são apenas algumas delas.Mas essas vozes costumam não ter eco suficiente e, quanto têm, quase sempre é passageiro e não gera ações efetivas para ajudar a pôr remédio às causas de tantas “más notícias”.
Em todo caso, o continente africano tem avançado ultimamente, apesar das recentes fortes quedas nos mercados internacionais de suas principais fontes de renda, como petróleo, produtos básicos agrícolas, matérias-primas e minerais.Quando, em 2013, os líderes de 54 países da União Africana (UA) – todos os do continente menos o autoexcluído Marrocos – adotaram a Agenda 2063 para conseguir a transformação socioeconômica da África no prazo de meio século, provavelmente não esperavam que o valor de mercado dos principais recursos de seus países caísse tão bruscamente em um período de tempo tão curto.
Mas esse vasto continente de 30.221.000 quilômetros quadrados de superfície, onde vivem 1,2 bilhão de pessoas que falam duas mil línguas nativas distintas, está tomando várias medidas para avançar.Por exemplo, este ano a anual Cúpula da UA, que realiza sua 26ª sessão entre os dias 21 e 31 deste mês, em Adis Abeba, com participação dos chefes de Estado e de governo do continente, tem como tema central Os Direitos Humanos com Especial Atenção aos Direitos da Mulher.
Essa atenção especial é justificada pelo fato de as mulheres africanas enfrentarem vários grandes desafios: exclusão econômica, sistemas financeiros que perpetuam sua discriminação, limitada participação na vida política e pública, falta de acesso à educação e baixa assiduidade das meninas nas escolas, violência de gênero, práticas culturais nocivas, e marginalização das mulheres das negociações de paz, entre outros.
Sete principais “aspirações” africanas, que formam a Agenda 2063“refletem nosso desejo de prosperidade e bem-estar compartilhados, de unidade e integração, para viver em um continente de cidadãos livres e de horizontes amplos, onde todo o potencial das mulheres, dos jovens, das meninas e dos meninos, seja realizado, livres de medos, de doenças e necessidades”, destaca a Agenda 2063.As aspirações, tal como as define a Comissão da União Africana, o órgão executivo da UA, são as seguintes:
- Uma África próspera, baseada no crescimento integrador e no desenvolvimento sustentável.“Estamos decididos a erradicar a pobreza em uma geração e construir a prosperidade compartilhada por meio da transformação social e econômica do continente”;
- Um continente integrado, politicamente unido, baseado nos ideais do pan-africanismo e na visão do renascimento da África.“Desde 1963, a busca pela unidade africana se inspira no espírito do pan-africanismo, centrando-se na libertação e independência política e econômica. Está motivada pelo desenvolvimento baseado na autonomia e na livre determinação dos povos africanos, com governabilidade democrática e centrada nas pessoas”;
- Uma África do bom governo, da democracia, do respeito aos direitos humanos, da justiça e do império da lei.“A África deve ter uma cultura universal de boa governança, de valores democráticos, de igualdade de gênero, de respeito aos direitos humanos, de justiça e do império da lei”;
- Um continente pacífico e seguro.“Os mecanismos de prevenção e resolução pacífica de conflitos será de aplicação em todos os níveis. Como primeiro passo, a prevenção e resolução de conflitos centrada no diálogo serão promovidas ativamente de tal maneira que todas as armas estejam silenciadas em 2020. Uma cultura de paz e tolerância que se nutrirá do espírito das crianças e dos jovens da África por meio da educação para a paz”;
- Uma África com forte identidade cultural, patrimônio, valores e ética comuns. “O pan-africanismo e a história comum, o destino, a identidade, o patrimônio, serão arraigados no respeito pela diversidade religiosa e a consciência dos povos e da diáspora”;
- Uma África cujo desenvolvimento seja impulsionado pelos povos, confiando-se no potencial dos africanos, especialmente suas mulheres e jovens, e no cuidado de suas crianças.“Todos os cidadãos da África participarão ativamente da tomada de decisões em todos os aspectos. A África será um continente inclusivo onde nenhuma criança, nenhuma mulher, nenhum homem, ficará para trás ou excluído em função do gênero, da filiação política, da religião, da origem étnica, da idade ou outros fatores”;
- A África como ator global forte, unido e influente.“A África será ator global forte, pacífico e influente, com um papel importante nos assuntos mundiais. Afirmamos a importância da unidade e da solidariedade africanas diante das ingerências externas, incluindo as tentativas de dividir o continente, as pressões indevidas e as sanções em alguns países”.
Se a África conseguirá, ou não, alcançar todos esses objetivos, é algo que pertence ao futuro. A questão é que as aspirações desse enorme continente, que abriga um quinto de toda a humanidade, pouco tem ocupado as manchetes dos grandes meios de comunicação. Envolverde/IPS