A perda de cultivos por questões climáticas, entre elas o fenômeno El Niño, agrava a insegurança alimentar nas zonas afetadas, especialmente na África oriental e austral.
Por Jeff Williams, da IPS –
Mombasa, Quênia, 11/4/2015 – Os países em desenvolvimento que dependem da agricultura e da pesca, especialmente os banhados pelo Oceano Pacífico, são os mais prejudicados pelo El Niño, um fenômeno meteorológico que atenta contra a produção de alimentos na África, onde vivem 1,2 bilhão de pessoas. A atual manifestação do El Niño é uma das mais pronunciadas e com consequências em todo o planeta: maiores inundações em algumas regiões e prolongados períodos de seca em outras, além de tufões e ciclones.
O impacto é especialmente grave no continente africano, com 54 países, porque cerca de um terço dos alimentos para consumo humano do mundo, aproximadamente 1,3 bilhão de toneladas, são perdidas ou jogadas fora. Na África, um em cada cinco africanos está subalimentado, ou 220 milhões de pessoas. Além disso, a queda dos preços dos produtos básicos em todo o mundo tem consequências graves para a África, onde a agricultura é a principal fonte de renda. A perda de cultivos por questões climáticas, entre elas o fenômeno El Niño, agrava a insegurança alimentar nas zonas afetadas, especialmente na África oriental e austral.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) destacou, no dia 24 de março, em Harare, no Zimbábue, a necessidade de se concentrar em aumentar a produtividade dos cultivos de alimentos e melhorar a gestão das colheitas. Um pouco antes, em 12 de fevereiro, a FAO alertou que a África austral atravessa uma forte seca, que foi agravada desde o início da temporada agrícola 2015-2016, porque o atual fenômeno El Niño é o mais forte dos últimos 50 anos.
Em vastas áreas de Zimbábue, Malawi, Zâmbia, África do Sul, Moçambique, Botswana e Madagascar, a atual temporada de chuvas tem sido das mais secas dos últimos 35 anos. As áreas agrícolas do norte da Namíbia e sul de Angola registraram grave carência de chuvas, destacou a FAO em um comunicado conjunto com a Rede de Sistemas de Alerta de Fome (Fews Net), o Centro Comum de Pesquisa da Comissão Europeia e o Programa Mundial de Alimentos (PMA).
Segundo o comunicado, “grande parte da África austral registrou atraso no plantio e condições muito ruins para o desenvolvimento dos cultivos e crescimento das pastagens. Em muitas áreas não foi possível plantar, porque as primeiras chuvas atrasaram entre 30 e 50 dias”. A situação melhorou ligeiramente desde meados de janeiro em algumas áreas, mas a possibilidade de uma temporada exitosa de cultivos com boas chuvas praticamente evaporou, alertaram as organizações.
Mesmo que as chuvas se normalizem no que resta da temporada, os modelos que avaliam o rendimento dos cultivos em relação à disponibilidade de água indicam que não haverá uma boa colheita de milho na maioria das áreas cultivadas. “Diversos prognósticos coincidem em afirmar que as precipitações seguirão abaixo da média e as temperaturas estarão acima do habitual em quase todas as regiõesno restante da temporada”, acrescenta o comunicado conjunto.
A combinação de uma má temporada agrícola no período 2014-2015, as condições extremamente secas do início da atual (outubro a dezembro) e os prognósticos de que o clima seco continuará até meados deste ano sugerem que haverá uma colheita ruim em escala regional. A África do Sul, por exemplo, já estimou que a produção de milho ficará em torno de 7,4 milhões de toneladas, queda de 25% em relação à temporada anterior, que já foi ruim, e 36% abaixo da média dos últimos cinco anos.
Essa é a situação depois de uma temporada agrícola 2014-2015 caracterizada por condições similares de temperatura e seca e queda de 23% na produção regional de cereais. As atuais condições climáticas aprofundaram a vulnerabilidade, devido à diminuição das reservas de cereais e ao fato de os preços dos alimentos estarem acima da média, o que eleva de forma considerável a insegurança alimentar, destaca o informe da FAO e seus sócios.
Por sua vez, a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) indica que, mesmo antes do início da crise atual, a insegurança alimentar na região, sem contar a África do Sul, já afetava 14 milhões de pessoas. Destas, 2,5 milhões estão em situação de crise e necessitam assistência urgente, estimou no começo de fevereiro a Fews. Além disso, o número de pessoas que vivem com insegurança alimentar aumenta devido às atuais condições de seca e pela inflação no setor da alimentação. O custo do milho alcançou um máximo em janeiro no Malawi e na África do Sul.
Na maioria das províncias da África do Sul, bem como no Lesoto e em Zimbábue, foi declarada emergência por causa da seca, e as autoridades responsáveis pela gestão hídrica em Botswana, Namíbia, Suazilândia e África do Sul restringiram o serviço de água devido à escassez. Zâmbia e Zimbábue também sofrem cortes de energia porque o nível da água na represa de Kariba está abaixo do habitual.“É muito cedo para dar uma estimativa de quantaspessoas sofrerão a insegurança alimentar no período 2016-2017, mas a previsão é que aumente de forma significativa o número de pessoas necessitadas de assistência alimentar e ajuda para recuperar seu meio de subsistência”, diz o comunicado conjunto.
O atual fenômeno, agravado pela mudança climática, também atingiu a África oriental. A Etiópia sofre a pior seca dos últimos 30 anos devido ao El Niño. Já há 8,2 milhões de pessoas que precisam de ajuda alimentar de emergência. A ONU enviou uma equipe de saúde de emergência para ajudar o governo a responder à crise, que se acredita vai piorar nos próximos oito meses.
“A emergência alimentar coincide com múltiplas epidemias”, afirmou a diretora de resposta humanitária e gestão de risco de emergência da Organização Mundial da Saúde (OMS), Michelle Gayer, no dia 4 de dezembro de 2015, em Genebra.“Isso agrava o estado de saúde das pessoas e afeta o sistema de saúde, pois a má nutrição predispõe, especialmente as crianças, às enfermidades infecciosas mais severas, que rapidamente podem tirar suas vidas”, pontuou.
A Etiópia já registrou duas más temporadas em 2015 e, devido à falta de chuvas atribuída ao El Niño, seu principal período de colheita diminuiu gravemente. A OMS alerta que,desde janeiro, todos os meses é registrado um aumento no número de meninos e meninas mal nutridos e estima-se que 400 mil menores sofrerão de má nutrição grave este ano. Além disso, cerca de 700 mil grávidas e mulheres com bebês correm o mesmo risco. Envolverde/IPS