Por Mario Osava, da IPS –
Assunção, Paraguai, 8/4/2016 – “Houve casos de gente que deixou de vir trabalhar depois de receber seu primeiro salário e voltou alguns dias depois perguntando se não havia mais trabalho”, seguindo a lógica de quem trabalha por conta própria, que predomina no Paraguai, recordou Ivonne Ginard.Como gerente de Recursos Humanos da companhia têxtil Texcin, coube a Ginard recrutar os atuais 353 empregados e conduzi-los na transição do trabalho informal para as regras da produção industrial, como cumprir horários, usar uniforme, cuidar da segurança e justificar ausências com atestados médicos.
A Texcin, uma empresa de confecção instalada perto do aeroporto de Assunção, é emblemática do processo de industrialização que vive o Paraguai, país de economia ainda claramente agrícola, com grande produção de soja e carne bovina, e cidades dominadas por atividades informais.Trata-se de uma associação de empresários paraguaios com o grupo Riachuelo, líder de moda no Brasil, onde possui 285 lojas e duas fábricas, que decidiram aproveitar os incentivos da lei sobre indústria maquiadora de exportação, vigente no Paraguai desde 2000, para ali produzir sua roupa e substituir importações da Ásia.
A meta é dobrar a quantidade de empregados até o final deste ano e continuar crescendo, já que a empresa dispõe de espaço para construir uma nova fábrica.“O Paraguai oferece mão de obra abundante, jovem e fácil de capacitar, energia barata e incentivos fiscais tanto pela maquiagem como pela Zona Franca, que permitem importar matéria-prima com tarifa zero”, afirmou Andrés Guynn, sócio paraguaio que dirige a Texcin.
“Nossa produção é competitiva, com custos similares aos da Ásia, com uma grande vantagem de tempo: enquanto os produtos chineses demoram 90 dias para chegar ao Brasil, os nossos chegam em 72 horas em São Paulo, por caminhão”, destacouGuynn.“Sob o regime de maquiagem, foram instaladas 108 empresas no Paraguai, 62 nos últimos dois anos, sendo 80% provenientes do Brasil”, detalhou à IPS o diretor da área para esse tipo de companhia do Ministério de Indústria e Comércio, Ernesto Paredes.
Maquiagem é como se conhece as fábricas instaladas por empresas internacionais em um país, em geral em zonas francas, para produzir ou montar para reexportação, com matéria-prima importada isenta de tarifas, além de outros benefícios tarifários e tributários, bem como com condições de trabalho flexíveis.Um dos problemas do setor foi denunciado à IPS por Julio López, presidente da Confederação da Classe Trabalhadora: “a indústria maquiadora é dinâmica, mas não admite a liberdade sindical, não permitiu a organização de sindicatos em suas unidades, violando direitos constitucionais”.
Autopeças é o principal ramo, tanto pela renda como pelos empregos que gera a maquiagem no Paraguai, explicou Paredes. Ele destacou, comofator para a instalação de unidades no país, a implantação dos sistemas de entrega rápida e just in time (bem a tempo), desenvolvidos pela indústria automobilística japonesa. A companhia nipônica Yasaki e a alemã Leoni são recentes conquistas da maquiagem paraguaia, empregando milhares de pessoas, na quase totalidade mulheres, na produção de fios e cabos para veículos.
Além das autopeças, o Paraguai conta, desde 28 de março, com sua primeira montadora de automóveis. O grupo nacional Reimplex começou a montar carros J2, da marca chinesa JAC Motors, na periferia de Assunção.As firmas de confecção também já empregam muita mão de obra feminina e está em expansão a indústria de plásticos no departamento de Alto Paraná, na fronteira com o Brasil, destacou Paredes.
A mão de obra barata, “não tanto pelos salários em si, mas pelos baixos encargos sociais”, e os baixos impostos são atrativos especialmente para as empresas brasileiras. A isso soma-se a energia elétrica, 63% mais barata do que no Brasil, segundo Paredes. Mas ele reconheceu que uma limitação à atividade é a infraestrutura de transportes e energia. “Faltam estradas, portos, imóveis, embora o Paraguai venha investindo muito em aeroportos, hotéis e prédios de escritórios”.
A solução seria duplicar a estrada entre Assunção e Ciudad del Este, os dois principais polos econômicos do país. No entanto, o plano não é ampliar a estrada existente, mas “construir uma segunda exclusiva para caminhões, para o comércio”, bem como a segunda ponte ligando o país ao Brasil, anunciou o funcionário do Ministério.Outra via para transporte de cargas pesadas e volumosas, a Hidrovia Paraguai-Paraná, por onde se exporta soja e seus derivados, também necessita de investimentos.
“Melhor sinalização dobraria sua capacidade”, acelerando a navegação, disse à IPS o pesquisador Gustavo Rajas, do Centro de Análise e Difusão da Economia Paraguaia (Cacep).Segundo Paredes, este país de 6,8 milhões de habitantes tem a terceira maior frota de barcaças do mundo e dispõe de estaleiros para construí-las, o que favorece um aumento do transporte fluvial.
A eletricidade é, potencialmente, a maior vantagem comparativa do Paraguai, já que o país é dono de metade da energia produzida pelas grandes centrais hidrelétricas de Itaipu, compartilhada com o Brasil, e Yaciretá, na fronteira com a Argentina, com capacidades, respectivas, de 14 mil e 3.200 megawatts (MW).Porém, só passou a dispor de parte dessa energia ao ser concluída a linha de transmissão de Itaipu até Villa Hayes, perto de Assunção, em outubro de 2013, uma obra financiada por um fundo do Brasil destinado a reduzir as assimetrias no desenvolvimento dos países do Mercosul, também integrado por Argentina, Uruguai e Venezuela.
Sem uma rede de distribuição adequada, o repentino aporte de eletricidade não eliminou problemas como o apagão de fevereiro, que deixou 300 mil domicílios sem luz na Grande Assunção. “É questão de tempo” para melhorar a segurança energética, indicou Guynn, que procurou localizar sua empresa perto da linha de transmissão.O problema é que a estatal Administração Nacional de Eletricidade não tem capacidade de investimento, por isso “não há distribuição segura”, afirmou Fernando Masi, diretor e fundador do Cadep, um centro de pesquisa e promoção de políticas públicas, além de estudos de pós-graduação em economia.
De todo modo, a ampla disponibilidade de energia é um fator novo para a atração de indústrias ao Paraguai, já que outras vantagens, como baixos custos trabalhistas e tributários já existiam. A energia barata seduziu o grupo Rio Tinto, gigante anglo-australiano de mineração, que estudou a possibilidade de produzir alumínio no Paraguai, embora tivesse que trazer de muito longe a bauxita, sua matéria-prima. Isso porque a eletricidade é o principal custo dessa indústria.
Uma grande campanha contra, que obteve mais de cem mil assinaturas, conseguiu rechaçar o projeto, que “consumiria mais energia do que toda a indústria nacional”, exigindo subsídios e empregando pouca gente, explicou à IPS a engenheira Mercedes Canese, vice-ministra de Energia do governo de Fernando Lugo (2008-2012).A verdade é que o projeto da Rio Tinto se inviabilizou porque “a China começou a produzir alumínio mais barato, a US$ 1,2 mil a tonelada, custo 40% menor do que o daqui, e “o Paraguai não pode se dar o luxo de subsidiar a energia”, afirmou o engenheiro Francisco Scorza, estudioso do tema.
O opção por atrair pequenas e médias indústrias é melhor para o desenvolvimento e o emprego, mas a maquiagem tem limites. A indústria de autopeças, por exemplo, está limitada a fazer cabos e fios, “porque não há um acordo bilateral com o Brasil sobre a indústria automotiva”, observou Masi.O Brasil exige que seja interrompida a exportação de carros usados, um preço “muito caro para o Paraguai”, com uma grande frota de veículos japoneses usados, conhecidos como os Via Chile, por usarem esse país como rota de acesso ao mercado paraguaio.
A exportação da indústria maquiadora alcançou apenas US$ 284 milhões em 2015, muito pouco em relação aos US$ 3 bilhões ou US$ 3,5 bilhões de toda a indústria, comparou Masi. A industrialização paraguaia“decolou, mas não no ritmo acelerado que se esperava”, concluiu, afirmando que melhorar a infraestrutura energética e logística pode ajudar. Envolverde/IPS