Quase três anos depois de a Nicarágua entregar a concessão para a construção de um gigantesco canal interoceânico à empresa chinesa HKND Group, o megaprojeto está paralisado em meio a uma severa seca, que ameaça os corpos de água necessários para a obra, e seu pouco avanço.
Por José Adán Silva, da IPS –
Manágua, Nicarágua, 8/4/2016 – A Assembleia Nacional aprovou, em junho de 2013, a lei que concede o direito de construção e a concessão do canal por 50 anos ao grupo liderado por Wang Jing, um multimilionário empresário e investidor sobre cujas finanças existe uma falta de transparência que também alimenta a incerteza.
Depois, em cerimônia formal das autoridades nicaraguenses com representantes do grupo asiático, começaram em dezembro de 2014 as obras de melhoria de estradas menores em Brito, no departamento de Rivas, onde o canal desembocaria no Oceano Pacífico. Essas vias terrestres eram necessárias para que, em dezembro de 2015, ali começasse a construção de um complexo portuário.
Em abril de 2016, nada mais tinha sido construído da enorme obra e de outros subprojetos: um aeroporto internacional, dois portos de águas profundas, uma zona franca industrial, um complexo turístico, armazéns e fábricas de materiais de construção. Em nível local, o porta-voz nicaraguense da Comissão Especial do Grande Canal Interoceânico da Nicarágua, Telémaco Talavera, afirmou à IPS que não há nenhum atraso no projeto e tudo avança conforme os planos do HKND Group (Hong Kong Nicaragua Canal Development).
Talavera, também assessor presidencial com status de ministro, assegurou que um exército de especialistas internacionais trabalha arduamente na elaboração de estudos técnicos e científicos para garantir a qualidade da obra. O assessor citou, entre eles, estudos arqueológicos, cartografia, geologia, sismologia, topografia, fotografia via satélite, salinidade das águas, planos de mitigação e outros que são complementares ao de Impacto Ambiental e Social da obra, concluído em 2015.
O último esforço visível ocorreu em março, quando mais de 15 mil peças arqueológicas da época pré-colombiana encontradas na rota escolhida para o canal na região do Pacífico foram entregues ao Estado em um ato público, em Manágua.Em nível internacional, o funcionário do HKND Group para obras do canal, Bill Wild, declarouao jornal local El Nuevo Diario que, em agosto ou setembro deste ano, começarão as obras essenciais no complexo portuário de Brito.
Wild acrescentou que, de 2014 até agora, a companhia avançou em complexos estudos técnicos e de engenharia e projetos, contratando empresas especializadas de todo o mundo para missões específicas, antes de iniciar os trabalhos de infraestrutura. O canal deverá unir o Oceano Pacífico e o Mar do Caribe, com uma via bidirecional de 278 quilômetros de comprimento, até 520 metros de largura e profundidade de até 30 metros.
O canal também atravessará 105 quilômetros do lago Cocibolca, também conhecido como o lago da Nicarágua, e deverá estar pronto, segundo o informado em 2013, no final de 2019, a um custo superior a US$ 50 bilhões, mais de quatro vezes o produto interno bruto (PIB) desse país. O governo insiste em que o projeto acabará com a pobreza que afeta mais de 40% dos 6,2 milhões de habitantes da Nicarágua, ao aumentar o crescimento econômico local, de uma média de 4% do PIB nos últimos cinco anos, para mais de 10% a partir deste ano.
Em seu site, o HKND Group anuncia, entre outras gestões, contratações de firmas internacionais para a obra, como as especialistas em geologia, dados e recursos, CSA Global (Austrália) e BMT Asia Pacific (Grã-Bretanha), para desenvolvimento de planos de operações do canal e de seus portos. Porém, dois fatores ensombrecem o entusiasmo pelo projeto: as notícias das perdas financeiras do multimilionário promotor da obra e uma severa seca de três anos que mantém quase inavegável o lago Cocibolca.
Em 2015, meios especializados em operações nas bolsas de valores revelaram que Wang Jing, presidente e diretor executivo do HKND Group, teria visto sua fortuna pessoal diminuir de US$ 10,2 bilhões para US$ 1,1 bilhão, perda estimada em aproximadamente 84%. Sobre esse tema, nem o próprio Jing, nem o HKND Group, e nem a Comissão Especial do Grande Canal Interoceânico emitiram declaração alguma.
Isso, somado à falta de informação sobre os financiadores do capital de mais de US$ 50 bilhões do estimado custo da obra, leva opositores ao megaprojeto, como Octavio Ortega Arana, presidente da Fundação de Municípios de Rivas, a pensarem que não serão cumpridos os prazos anunciados.“Não vejo nenhum avanço do tal canal e penso que o que o governo quer é ficar com as terras valiosas dos camponeses, para negócios privados do partido sandinista e dos familiares do presidente Daniel Ortega”, acusou.
Ortega governou o país entre 1985 e 1990, como líder da esquerdista Frente Sandinista de Libertação Nacional, retornando ao poder em 2007, e voltará a ser candidato nas eleições de novembro, graças a uma reforma da Constituição que faculta a reeleição presidencial permanente.Para Arana, outra situação que lança sombras sobre o projeto e se soma à resistência de milhares de famílias assentadas na rota do canal, é a severa seca que afeta o país desde 2014 e que impactou a capacidade de navegação do lago Cocibolca.
Informes da imprensa, boletins ecológicos, redes sociais e até autoridades nacionais reconhecem os devastadores efeitos da mudança climática e do desmatamento nos principais corpos de água do país, incluindo o Cocibolca e os rios Brito, Las Lajas e San Juna, vitais no desenvolvimento da obra.
A estatal Empresa Portuária Nacional admitiu este mês que, devido à seca que afeta o lago, as lanchas comerciaisde transporte têm dificuldades para atracar nos atradouros do lago, devido à pouca profundidade de suas águas. Diante desse fato, se recorreu à dragagem de algumas áreas vizinhas aos portos lacustres, para permitir a navegação em barcos e lanchas de pequeno calado.“Onde supõe-se que passarão grandes navios de calados monstruosos, hoje não podem navegar nem barquinhos artesanais de madeira”, pontuou Arana.
Mas, para funcionários da Comissão Especial do Grande Canal Interoceânico, como o ecologista Kamilo Lara, o impacto ambiental da seca e décadas de desmatamento das bacias do lago poderiam ser revertidos com a execução das obras de infraestrutura e mitigação ambiental que constam do projeto do canal.
“Os estudos do canal incluem esses cenários e outros piores de variabilidade climática, e estabelecem projetos de reflorestamento de milhões de hectares ao redor das bacias e a criação de lagoas artificiais que forneceriam água à rota do canal”, apontou Lara à IPS.Para Tavalera, de fato, a salvação do lago começaria com a construção da obra. “Hoje, mais do que nunca, precisamos dos recursos que serão aportados ao Grande Canal Interoceânico, para investi-los na restauração do ambiente e podermos enfrentar os riscos da mudança climática”, ressaltou. Envolverde/IPS