As possibilidades de um embargo ser imposto são muito remotas, considerando o multimilionário mercado de armas alimentado pelas potências ocidentais.
Por Thalif Deen, da IPS –
Nações Unidas, 29/3/2016 – A morte de centenas de civis no conflito que sacode o Iêmen levou organizações de direitos humanos a pedirem um embargo de armas, especialmente contra a Arábia Saudita, que lidera a coalizão de oito países que combate os rebeldes nesse país do Golfo.“Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e outros países devem suspender a venda de armas à Arábia Saudita até que esta reduza os ataques aéreos ilegais no Iêmen e investigue as denúncias de violação de direitos humanos”, afirmou a organização Human Rights Watch (HRW), com sede em Nova York.
No entanto, as possibilidades de um embargo ser imposto são muito remotas, considerando o multimilionário mercado de armas alimentado pelas potências ocidentais que, casualmente, são três dos cinco países com poder de veto no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), juntamente com China e Rússia. O resultado dos pedidos de embargo em termos de restrições reais é mínimo,apontou Pieter Wezeman, pesquisador do programa de gasto militar e armamentista do Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo (Sipri).
A iniciativa tem um peso simbólico para as campanhas que procuram acabar com o que consideram um uso irresponsável, e inclusive criminoso, de armas pela Arábia Saudita no Iêmen. “O único caso significativo de restrições é o da Holanda, que em janeiro anunciou que emitiria permissões para a exportação de armas para a Arábia Saudita se tiver a certeza de que não serão usadas no Iêmen”, destacou Wezeman.
“No ano que passou, os governos que armam a Arábia Saudita negaram ou minimizaram a evidência concludente de que os ataques da coalizão mataram centenas de civis no Iêmen”, pontuou Philippe Bolopion, subdiretor global da HRW.“Continuar vendendo armas a um conhecido violador (de direitos humanos) que fez pouco para minimizar os abusos, Estados Unidos, Grã-Bretanha e França correm o risco de se converterem em cúmplices da morte ilegal de civis”, enfatizou.
Consultado sobre as possibilidades reais de um embargo, Bolopion respondeu à IPS que “os lucrativos acordos de armas não devem cegar o governo dos Estados Unidos em relação aos evidentes abusos cometidos no último ano pela coalizão encabeçada pela Arábia Saudita no Iêmen”.Olhar para outro lado e continuar fornecendo armas ao reino saudita pode converter Washington em cúmplice dos crimes cometidos em território iemenita, advertiu.
Os sauditas têm fortes vínculos militares com as três potências ocidentais, especialmente com fornecedores de armas norte-americanos que lhes entregam armas complexas, como os últimos aviões de combate, helicópteros, mísseis, tanquese dispositivos eletrônicos.O arsenal saudita inclui aviões de combate Boeing F-15 (Estados Unidos), aviões Tornado (Grã-Bretanha), helicópteros Puma e Dauphin (França), Bell, Apache e Sikorsky (Estados Unidos), sistemas de alerta Boeing E-3A (Estados Unidos), mísseis Sidewinder, Sparrow e Stinger (Estados Unidos) e tanques Abrams e M60 (Estados Unidos).
A coalizão liderada pela Arábia Saudita está integrada por Bahrein, Egito, Emirados Árabes Unidos, Jordânia, Kuwait, Marrocos, Catar e Sudão.Os rebeldes hutis também são acusados de ataques indiscriminados que provocam a morte de civis.Várias organizações de direitos humanos e a própria ONU investigaram e denunciaram ataques aéreos desde o começo do conflito, em março de 2015.
HRW, Crisis Action e Anistia Internacional, entre outras organizações internacionais e iemenitas, divulgaram uma declaração conjunta pedindo o fim da venda e transferência de armas e outros equipamentos militares às partes em conflito no Iêmen, onde existe o risco de serem usadas para cometer violações dos direitos humanos e do direito humanitário internacional.
Além disso, a HRW documentou 36 ataques aéreos ilegais, alguns dos quais poderiam constituir crimes de guerra, que deixaram pelo menos 550 civis mortos, bem como outros 15 ataques relacionados com bombas de fragmentação, proibidas em escala internacional.
O Grupo de Especialistas da ONU sobre o Iêmen, criado pela resolução 2140 do Conselho de Segurança em 2013, registrou, em um informe divulgado no dia 26 de janeiro deste ano,“119 saídas da coalizão relacionadas com violações” das leis de guerra, segundo a HRW. A Arábia Saudita não respondeu às cartas dessa organização que busca indagar sobre as supostas violações cometidas pela coalizão, bem como esclarecer o objetivo desses ataques.
Em lugar disso, Riad conseguiu pressionar o Conselho de Direitos Humanos da ONU, com sede em Genebra, para que não criasse um mecanismo independente de investigação internacional sobre a situação no Iêmen.Wezemanressaltou à IPS que se considerarmos o volume de venda de armas à Arábia Saudita, bem como a vários de seus aliados, e a campanha militar contra os rebeldes hutis, não surpreende a falta de entusiasmo dos governos ocidentais para restringir o negócio de armas.
A Arábia Saudita foi o segundo maior importador de armas nos últimos cinco anos, acrescentou Wezeman.Apesar da acentuada queda dos preços do petróleo e da consequente diminuição da renda do governo saudita, há indícios de que esse país continuará encomendando equipamento militar mais caro. Esse país é o principal mercado para a exportação de armas da Grã-Bretanha, há anos.
Já a França, há um bom tempo procura aumentar a venda de armamentos para esse país, e em 2015 encontrou novos mercados no Egito e no Catar, países que participam da intervenção militar no Iêmen, disse Wezeman. Além disso, as potências ocidentais temem que uma significativa redução da venda de armas prejudique outros vínculos comerciais com esses países e que são mais valiosos do que os acordos militares, acrescentou.
Para os Estados Unidos, os aspectos econômicos da venda de armas à Arábia Saudita também são significativos, apesar de não chegarem à importância da Europa. Em outras oportunidades,o país esteve disposto a impor restrições à exportação, mesmo implicando perda de renda, embora perder o mercado saudita provavelmente fosse uma perda extremamente grande.
Provavelmente, o mais importante é que os Estados Unidos consideram que as ações da Arábia Saudita são um elemento importante dos esforços para criar segurança na região e, portanto, apoiam a intervenção militar como parte de sua política externa. “É preciso acontecerem muitas coisas antes de Washington suspender o fornecimento de armas à Arábia Saudita, destacou Wezeman.
Para o Iêmen, 2015 foi um ano terrível, com ataques aéreos, bombardeios e violência localizada, destacou Jamie Mc Goldrick, coordenador humanitário residente da ONU em entrevista coletiva este mês, em Genebra. Um em cada dez habitantes do país teve que abandonar sua casa, o que deixou 2,5 milhões de deslocados. Mais de 6.400 pessoas morreram e mais de 30 mil ficaram feridas, metade delas civis.
Mais de 20 milhões de pessoas, 80% dos cerca de 24 milhões de habitantes, necessitam de algum tipo de assistência humanitária: 14 milhões precisam de alimentos, sete milhões sofrem insegurança alimentar, 20 milhões não têm acesso a serviços de água e saneamento e 14 milhões não têm atenção médica.
O enviado especial do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, Ismail Ould Chiekh Ahmed, informou, no dia 23 deste mês, que concluiu uma extensa consulta com líderes iemenitas e aliados regionais. Após as reuniões com o presidente Abd Rabbuh Mansur al-Hadi e outras autoridades iemenitas em Riad, bem como com delegações de AnsarAllah, nome oficial dos hutis, e do partido Congresso Geral do Povo, em Saná, as partes em conflito concordaram com um cessar nacional das hostilidades a partir da meia-noite do dia 10 de abril.
O cessar-fogo acontecerá antes da rodada de conversações, que começará no dia 18 do mês que vem no Kuwait, com mediação do príncipe Sabah Al-Ahmad Al-Jaber Al-Sabah. Envolverde/IPS