Por Carolina de Barros, de Marrakech, especial para a Envolverde –
Projetos feministas espalhados pela COP22 reafirmam a necessidade do Acordo de Paris reconhecer a questão do gênero e dar voz às mulheres.
As mulheres tomam, aos poucos, seu espaço nas discussões e negociações das Conferências das Partes (COP) e nas discussões sobre clima. Mas, ainda assim, as metas estabelecidas pelos países signatários do Acordo de Paris não consideram os impactos específicos das mudanças climáticas nas mulheres, que são o grupo mais vulnerável a essas mudanças.
Meryll Frank, embaixadora da ONU, acredita que precisamos pensar em cada parte dos problemas globais e locais e analisar como eles afetam as mulheres, mas também como elas podem mudá-los. Não colocar o gênero feminino só como vítima, mas como parte atuante na solução. “Apesar de sermos de lugares diferentes, nós mulheres vemos a maior parte das nossas vidas pela mesma perspectiva, em qualquer lugar do mundo”, afirma.
Ela acredita que a juventude e as mulheres são os principais agentes de mudança na África e no mundo. “A COP 22 é a COP da ação, mas não pode haver ação sem o papel ativo das mulheres”, reflete. Para Frank, o principal é educar as meninas para que cresçam mulheres empoderadas, que conheçam suas responsabilidades feministas e ambientais.
Durante a COP 22, diversos eventos voltados exclusivamente para o debate de gênero foram realizados por grupos feministas, que apresentaram projetos de inovação e adaptação climática dirigidos e criados por mulheres, para mulheres. Esse ano, a COP é voltada para ações e é uma oportunidade para grupos feministas se unirem e exigirem mudanças que considerem as mulheres em suas decisões.
Liderança em mãos femininas
Apesar do Acordo de Paris ser cego para a questão de gênero, esse ano a COP 22 foi a edição que teve o maior avanço em relação às mulheres. Pela primeira vez, um evento paralelo oficial era completamente voltado para o papel e ação de líderes femininas. O Global Women Leaders Summit (Conferência de Mulheres Líderes Globais), que aconteceu na última quarta-feira (16), buscava ligar ativistas de diversos países para discutirem o papel feminino nas mudanças do clima e traçarem diretrizes de ação.
Pela sala, era possível observar mulheres africanas, latinas, europeias e estadunidenses sentadas lado a lado e acenando em acordo nas falas de empoderamento e união. As diferentes línguas não foram impedimento para aquelas que se reconhecem entre si, independente da origem, por terem historicamente sido subjugadas e oprimidas. Mas que se reconhecem também como as que lutam e buscam mudanças. Durante o encontro, diversas vezes foi reforçado que as mulheres devem ser agentes das transformações, na África e no mundo, para ser o apoio de todas as outras mulheres que sofrem, na África e no mundo.
Para Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda e ativista feminista e do clima, as mulheres atuam como líderes em diversos níveis, agem no combate ao aquecimento em suas casas ou comunidades. É muito mais comum que mulheres em papel de poder se preocupem com o ambiente, mas infelizmente é raro encontrá-las nessa posição. “Eu acredito firmemente em mulheres na liderança, não porque sou mulher, mas porque esse é o meio para o desenvolvimento”, afirma.
Helen Clark, do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (UNDP), afirmou que o avanço do papel das mulheres nas discussões sobre clima não veio por acaso, mas pela luta de feministas que não descansaram para que isso acontecesse. “Mulheres e meninas são afetadas de forma desproporcional aos impactos do clima. São as primeiras a abandonar a educação para ir buscar água em comunidades que enfrentam estresse hídrico, por exemplo”. Por causa disso, o gênero tem que ser central nas discussões sobre mudança climática.
Um milhão de mulheres
O projeto 1 Million Women (1 Milhão de Mulheres) foi criado pela estadunidense Natalie Isaacs e é uma iniciativa para mulheres ao redor do mundo tomarem juntas decisões e posições de ação. Isaacs acredita que pequenas mudanças no modo de vida podem afetar como um todo o planeta, por isso seu projeto convida o grupo feminino a repensar como vive e mudar atitudes não-ecológicas em como comem, consomem energia ou se vestem, por exemplo.
A iniciativa inspira mulheres de países mais ricos a reconhecerem seus privilégios e se tornarem ativistas para ajudar aquelas que enfrentam condições mais difíceis, em países em desenvolvimento. A partir disso, aquelas que são privilegiadas vão se conectar as que ainda estão lutando para conseguir mudanças nos direitos humanos e climáticos da mulher.
Atualmente, já participam cerca de 500 mil mulheres ao redor do globo, que iniciam desafios de redução de carbono no dia a dia e criaram uma rede de contribuição feminina. “Somos apenas mulheres que se sobrepõe aos problemas e diferenças políticas. Devemos ser diariamente ativistas do clima. Não vamos ficar em silêncio, não vamos viver com medo por sermos mulheres”, afirma Issacs.
Feministas unidas pelo ambiente
O Fórum Ásia-Pacífico sobre Mulheres (APDW) criou o projeto 5F’s – Feminist Fossil Fuel Free Future (Futuro Feminista e Livre de Combustíveis Fósseis), que lidera iniciativas em países fortemente afetados pelos impactos atuais das mudanças climáticas, como Bangladesh, Filipinas e Índia. O trabalho realizado conecta jovens mulheres desses países com mulheres de países desenvolvidos, para promover um intercâmbio de conhecimento e recursos, de forma que as mulheres dos países em necessidade possam implementar novas práticas em suas comunidades.
O objetivo do grupo é um desenvolvimento aliado à justiça de gênero, que reconheça as causas estruturais da desigualdade de gênero. Na visão das 5F’s, desenvolvimento sustentável tem também que enfatizar a relação com as pessoas, criando equilíbrio entre a produção, o ecossistema e as sociedades tradicionais. Maria Elena “Tetet” Lauron é uma das líderes da iniciativa e é pesquisadora do APDW, ativista pela justiça climática e ativista pelos direitos femininos. “Não queremos que mulheres possam dividir igualmente com homens o lucro vindo do trabalho de outras mulheres. Queremos tirar o poder e a ideia de desenvolvimento das práticas exploratórias”, declara.
Para ela, em reuniões como a COP, às vezes o conceito de ter mulheres no poder é simplesmente colocar mulheres na sala, mas sem reconhecer suas opiniões. “Esses espaços são muito desempoderadores e frustrantes. Nós com certeza somos vistas e olhadas, mas não ouvidas. Para ser ouvido aqui, é preciso ter um bigode. Mas continuamos porque queremos elevar as propostas, queremos mudar”, ela afirma.
Lauron acredita que, enquanto ativistas climáticas, as ações das mulheres terão que mudar, da mesma forma que o próprio feminismo mudou. “Buscamos um feminismo solidário em prol do desenvolvimento e da justiça. Temos que andar juntas com outros movimentos sociais”, disse. As mudanças devem acontecer em âmbito social, entre as comunidades e superar as diferenças históricas as quais as mulheres foram submetidas. Mas essas mudanças devem partir da presença feminina na própria comunidade, que deve ser informada e empoderada, mas não dirigida. “As mulheres de comunidades tradicionais não entendem esse conceito, essa palavra: feminismo. É com essas mulheres que devemos falar e é para elas que queremos dar voz”, reflete.
Nós podemos ver um futuro e, mesmo assim, ainda exigir mudanças futuras nesse sistema. A conversa terminou de uma forma esperançosa, com Lauron puxando um canto que ecoou em vozes femininas pela sala: “mulheres unidas jamais serão derrotadas”. (#Envolverde)