Por Andressa Navarro* –
Esta matéria faz parte do PEPE (Programa Envolverde de Parcerias Estudantis)
No Brasil, cerca de 35 milhões de pessoas não possuem água potável. Somos uma das 10 maiores economias do mundo, mas uma das únicas que não conseguiram tratar e fornecer água e outros serviços de saneamento básico de qualidade para toda a população.
Nos últimos anos, os conflitos de interesse, somados à complexidade de um país heterogêneo, impediram que o Brasil conseguisse evoluir na garantia de acesso ao saneamento básico, especialmente à água potável. Em 2018, foram iniciadas as discussões sobre o marco legal do saneamento básico, uma forma de pensar soluções para virar esse jogo.
Esse foi o contexto da série de lives ”Diálogos Envolverde” que, na quinta-feira (6), recebeu Édison Carlos, presidente executivo do Instituto Trata Brasil, considerada uma das principais referências no país quando o assunto é saneamento básico, incluindo a produção, análise e divulgação de dados e estatísticas do setor. Ao lado de Dal Marcondes e Reinaldo Canto, da Envolverde, o presidente do Trata Brasil debateu os entraves políticos e sociais do fornecimento universal do saneamento básico em todo o país.
Como a água potável é um recurso fundamental para a vida do ser humano, a falta de acesso ao saneamento, que constitui o conjunto de serviços que vai do abastecimento de água ao tratamento de esgoto e manejo de resíduos, além de ferir um direito garantido na Constituição Federal (Lei 11.445/2007) pode provocar muitos conflitos e danos à vida das pessoas. Doenças, desidratação e exclusão são só alguns deles. Hoje, no Brasil, aproximadamente 70% da população brasileira é atendida por empresas de água estatais, 20% por empresas municipais, e 8% a 10% do serviço é oferecido por empresas privadas.
Os dados foram trazidos por Carlos logo no início do debate, fala seguida da explicação de como funcionava as regulamentações dos contratos com empresas de saneamento, antes do início da discussão do novo marco legal, em 2018.
Nos últimos anos, os contratos poderiam ser firmados em conjunto entre estado e empresa ou município e empresa, e tinham duração de 30 anos. “Então, por mais que a empresa não estivesse tendo um bom desempenho, ou não estivesse fornecendo um serviço de qualidade, ela teria de ficar até o fim dos 30 anos de contrato oferecendo aquele serviço, fosse ele bom ou ruim. Nesse modelo, o cidadão não tinha como reclamar e era obrigado a aceitar esse serviço até acabar os 30 anos, ou o prefeito ou governador quebrar o contrato com a empresa”, explicou Carlos.
A nova lei do marco legal do saneamento prevê outras diretrizes para os contratos entre empresas e governos. A meta é fornecer água potável e saneamento básico para 99% da população até 2033, podendo ser prorrogável até 2040. Os municípios menores poderiam firmar blocos regionais com municípios maiores para formar uma frente firme com a empresa que operacionalizar a água da região.
O ápice do debate e questionamentos do público foi acerca dos conflitos de interesses das empresas privadas e exemplos de outros países que privatizaram o saneamento e depois voltaram atrás com a ineficiência do serviço e a falta de controle governamental sobre as ações tomadas.
Quanto a isso, Édison Carlos, que participa ativamente do debate sobre o novo marco legal e viajou o país todo visitando empresas de saneamento e comunidades afastadas, frisou que a discussão sobre privatização e estatização tira o foco principal da questão. “A gente discute muito a questão do público e privado, e não a qualidade do serviço. Se você for olhar o ranking das avaliações das empresas de saneamento, vamos ver empresas públicas e privadas entre as melhores empresas e também tem empresas públicas e privadas com avaliações ruins”, conta. “A questão é que se o sistema estivesse bom, ele não estaria sendo discutido. Temos essa discussão porque o modelo atual não está sendo eficiente”, completa.
Sobre os lucros e possíveis tarifas abusivas que poderiam ser cobradas, Carlos ressaltou a importância do estabelecimento de um órgão regulatório, e que com a nova legislação, se a empresa estiver oferecendo um serviço ruim, não será mais necessário permanecer 30 anos com aquele serviço. “Toda empresa tem lucro, só é possível investir com lucro. Além do mais, água é extremamente necessário, é difícil você ver uma empresa que mexa ou trabalhe oferecendo água que não lucre, seja ela pública ou privada”, explica. “O cara precisa ser muito ruim para falir com empresa de água e saneamento”, finaliza descontraído.
Em 2020, metade do Brasil não tem acesso a saneamento e 35 milhões de pessoas não possuem água potável. De acordo com o presidente do Trata Brasil, o país investiu cerca de R$12 bilhões em água nos últimos 10 anos. Desses, R$4 bilhões foram investidos só em São Paulo. Outros quatro estados, a maioria do Sudeste, somam mais R$4 bilhões de investimento e os outros R$4 bilhões são divididos entre o resto dos estados.
Outro aspecto importante levantado durante o debate foi a questão das tarifas cobradas pelas empresas privadas e o interesse de empresas estrangeiras sobre o controle do saneamento e esgoto no brasil. Quanto a isso, Carlos explicou que as empresas já possuem programas de Tarifa Social para pessoas de baixa renda, e sobre o interesse do controle do saneamento no Brasil, principalmente por empresas chinesas. “Os países mais evoluídos já têm o saneamento num estado avançado! Então, eles têm muito dinheiro para investir e poucos lugares para efetivar esse investimento. O Brasil chama atenção nesse aspecto, pelo potencial econômico, a complexidade do sistema, a necessidade do investimento, e a demanda da população de serviços eficientes”, conta.
Ao final, Édison Carlos ressaltou que a lei ainda está em discussão, e muitos decretos têm abertura para várias interpretações, mas se diz confiante ao entender que país esteja caminhando para a solução desses problemas, que afetam tantas pessoas. O convidado do Diálogos Envolverde também parabenizou e elucidou sobre o trabalho de tantas instituições da sociedade civil e associações que levam saneamento para áreas afastadas do Brasil, como a ONG Saúde e Alegria, na região Norte. “Por que não investir na tecnologia que eles já criaram para essas regiões? Ou por que não ter empresas que invistam e apoiem essas associações que já ajudam as população carentes há anos?”, finaliza.
Para acompanhar a conversa na íntegra com o diretor do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos, acesse o canal Envolverde Oficial no Youtube ou @envolverde no Facebook.
*Andressa Navarro é aluna de Jornalismo da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) e pesquisadora do grupo de pesquisa Jornalismo Humanitário e Media Interventions (HumanizaCom), do PósCom/UMESP, apoiado pela Cátedra UNESCO/UMESP de Comunicação.
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