por Kelly Oakes, BBC Future –
Quanto de comida você deixou no prato na sua última refeição? Algumas migalhas? Aquela salada meio murcha? Ou, quem sabe, até umas boas garfadas, já que você estava empanturrado demais para raspar o prato?
Vale a pena lembrar, então, que toda vez que você joga restos de comida fora, não está apenas descartando o almoço do dia seguinte — cada garfada foi responsável por emissões de gases de efeito estufa antes mesmo de chegar ao seu prato.
O cultivo, o processamento, a embalagem e o transporte dos alimentos que ingerimos contribuem para a mudança climática. E depois que jogamos fora, liberam ainda mais gases de efeito estufa na atmosfera à medida que apodrecem.
Estima-se que, se o desperdício de alimentos fosse um país, seria o terceiro maior emissor de gases de efeito estufa depois dos Estados Unidos e da China, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla do inglês).
Um terço das emissões de gases do efeito estufa no mundo é proveniente da agricultura, e 30% dos alimentos que produzimos são desperdiçados — cerca de 1,8 bilhão de toneladas por ano. Se, como planeta, parássemos de desperdiçar comida como um todo, eliminaríamos 8% de nossas emissões totais.
É claro que as famílias individualmente não são responsáveis por todo esse desperdício. Um estudo de 2018 mostrou, por exemplo, que cerca de um terço das frutas, legumes e verduras é descartado por ser do tamanho ou formato errado antes mesmo de chegar às prateleiras dos supermercados.
Os lugares em que os alimentos são mais desperdiçados diferem em todo o mundo. Em países de baixa renda, 40% dos alimentos são desperdiçados após a colheita, mas antes de chegar às dispensas das pessoas, geralmente devido à falta de infraestrutura adequada.
Mas nos países de média e alta renda, os consumidores assumem uma parcela maior da culpa: estimativas sugerem que as famílias são responsáveis por 53% do desperdício de comida na Europa; e por 47%, no Canadá.
As razões para esse desperdício também podem variar — em algumas partes do mundo, é considerado educado deixar uma pequena quantidade de comida no prato para mostrar que o anfitrião não economizou nas porções. A falta de refrigeração é outra grande causa de desperdício.
Mas em muitos países desenvolvidos, o fácil acesso a uma oferta abundante de produtos baratos levou os consumidores a serem menos zelosos em relação ao que guardam na geladeira e colocam no prato.
Porém, quantificar exatamente o quanto de comida estamos desperdiçando a nível doméstico não é fácil. Kate Parizeau, professora da Universidade de Guelph, no Canadá, realizou um estudo em parceria com seus colegas que envolveu vasculhar todo o lixo gerado por 94 famílias que moravam em Guelph, na província de Ontário.
Eles categorizaram os alimentos que encontraram com base na quantidade e em quão próprio para consumo estavam. E descobriram que cada família jogava fora cerca de 3 kg de resíduos de alimentos por semana que poderiam ser evitados, o equivalente a 23,3 kg de emissões de carbono.
No Reino Unido, as estatísticas são semelhantes — 68 kg de alimentos são desperdiçados nos domicílios a cada ano por pessoa, de acordo com dados de 2020 da organização britânica antidesperdício Wrap.
Mas poucos estudos realmente optam por analisar a fundo nossas latas de lixo. E quando as pessoas são solicitadas a registrar o que desperdiçam diariamente, elas tendem a subnotificar o que estão jogando fora.
“Não acho que as pessoas estejam completamente conscientes [dos impactos climáticos do desperdício de alimentos]”, diz Mattias Eriksson, que pesquisa o desperdício de alimentos na Universidade de Ciências Agrárias da Suécia, em Uppsala.
“Mas acho que o problema é ainda maior, porque a maioria das pessoas, na verdade, não desperdiça comida, de acordo com elas mesmas.”
A falta de dados precisos não deve nos impedir, no entanto, de tentar resolver o problema, acrescenta Parizeau.
“Sabemos apenas pelas inspeções que fizemos, que é desmedido”, diz ela. “Há muita comida própria para o consumo que acaba no lixo.”
Só de simplesmente repensar a forma como você compra e prepara os alimentos, pelo menos na maioria dos países de alta renda, pode ser possível reduzir a quantidade que desperdiçamos — e, assim, diminuir nossa contribuição para a mudança climática.
“Sabemos que há um monte de coisas que podemos fazer a nível doméstico”, afirma Parizeau.
Anne-Marie Bonneau, editora de livros na Califórnia e autora do blog Zero Waste Chef, começou a pensar seriamente no desperdício de comida depois de saber que até 40% dos alimentos produzidos nos EUA não são consumidos.
“Fiquei de queixo caído”, diz ela.
Agora, Bonneau estima que tenha reduzido o desperdício de comida a quase zero, fazendo compostagem com restos de folhas de chá, cascas de ovos e de frutas – e usando todo o resto.
“Tento manter nosso estoque pequeno o suficiente para não jogar comida fora, e grande o bastante para termos comida suficiente para comer”, explica.
“Se eu não conseguir fazer algo antes de estragar, eu congelo.”
Não é fácil atingir esse nível de redução de resíduos, mas Bonneau recomenda começar com alguns passos simples. Se você ainda não sabe cozinhar, diz ela, aprenda a fazer refeições simples, como sopas. Em seguida, cheque o que você tem em casa antes de comprar os ingredientes.
“Em vez de navegar na internet em busca de receitas apetitosas ou folhear livros de culinária, primeiro dê uma olhada na comida que você tem em mãos”, diz ela.
Essa sugestão também é respaldada por pesquisas.
“Verificar o que você tem na dispensa é uma grande coisa”, reforça Parizeau.
“Muitas vezes as pessoas têm hábitos regulares de compra. Você vai ao mercado e compra um pacote de pão toda semana — mas talvez ainda tenha um pouco no freezer.”
Segundo ela, outra maneira eficaz de reduzir o desperdício de alimentos é se planejar com antecedência. Quando as pessoas fazem listas de compras e programam as refeições, “parece haver uma relação com a quantidade de desperdício de alimentos” que elas geram.
Uma vez que você se habitue a consumir o que já tem em casa, pode economizar não apenas nas emissões de carbono, mas potencialmente também em tempo e dinheiro, evitando a necessidade de ir ao mercado sempre que for preparar o jantar.
“É tão gratificante quando faço uma refeição a partir de quase nada”, diz Bonneau.
Evidentemente, para alguns de nós, cozinhar do zero e até mesmo administrar a comida que já está na geladeira não é tão fácil.
“Sabemos que há muitas razões pelas quais as pessoas não conseguem reduzir o desperdício de alimentos”, afirma Parizeau.
Algumas pessoas querem proporcionar fartura para suas famílias com uma geladeira cheia, outras podem ser excessivamente cautelosas quando se trata de segurança alimentar e descartar os alimentos que julgam estar passados. E há aquelas que simplesmente têm dificuldade de encontrar tempo para planejar as refeições.
Para driblar alguns destes obstáculos, Parizeau participou recentemente da elaboração de um livro de receitas para reduzir o desperdício de alimentos.
As receitas usam, por exemplo, uma couve-flor inteira, em vez de metade, para evitar que as pessoas fiquem com restos de alimentos na geladeira, que vão acabar ficando feios e sendo jogados no lixo. Outras receitas podem ser adaptadas aos legumes e verduras que você tem à mão.
Mas nem todo desperdício de alimentos é igual quando se trata de emissões de carbono.
As emissões de carbono das carnes e dos laticínios, por exemplo, são muito mais altas do que as das frutas e dos legumes. Portanto, reduzir a quantidade de carne que você joga fora terá um impacto maior do que diminuir o desperdício de cenoura.
Um estudo de 2018 mostrou, por exemplo, que legumes e verduras frescos correspondem a 25% do desperdício doméstico de alimentos no Reino Unido, mas representam apenas 12% das emissões de gases de efeito estufa provenientes de alimentos desperdiçados.
Por outro lado, peixes e carnes são responsáveis por apenas 8% do desperdício de alimentos, mas por 19% das emissões.
Da mesma forma, um estudo de 2015 realizado em supermercados suecos constatou que, embora o departamento de frutas e legumes tenha sido responsável por 85% dos alimentos desperdiçados durante um período de três anos, esses alimentos representam apenas 46% da pegada de carbono total de alimentos desperdiçados.
Já a carne corresponde a 3,5% do total de alimentos descartados, mas é responsável por 29% da pegada de carbono.
“Se você deseja reduzir a pegada de carbono, a carne bovina é o verdadeiro alvo”, diz Eriksson.
“São emissões superconcentradas, ou seja, você tem uma emissão muito alta em poucos quilos de alimento desperdiçado.”
Com isso em mente, vale lembrar que o consumo e desperdício andam de mãos dadas, acrescenta o especialista.
“Se você consome muito, provavelmente também desperdiça mais desse produto”, afirma.
“Um vegetariano não desperdiçará carne, por exemplo, por razões óbvias.”
A forma como você descarta os alimentos também é importante. Quando a matéria orgânica entra em decomposição em um aterro sanitário, ela libera metano, gás do efeito estufa cerca de 20 vezes mais potente que o dióxido de carbono.
Mas se você fizer a compostagem do lixo orgânico em uma lixeira bem conservada que permita a entrada de oxigênio, reduzirá significativamente a quantidade de metano liberado na atmosfera – e o carbono do composto orgânico será mantido no adubo natural resultante.
Um estudo estimou que as emissões de gases de efeito estufa a partir da compostagem correspondem a apenas 14% dos mesmos alimentos despejados em aterros sanitários.
E a pesquisa conduzida por Mattias mostrou que as emissões variam dependendo dos alimentos — mas que a compostagem do pão, por exemplo, liberaria apenas 2,2% das emissões de descartá-lo em aterros sanitários.
O Project Drawdown, organização de pesquisa que identifica possíveis soluções para as mudanças climáticas, estima que se os níveis de compostagem aumentarem em todo o mundo, seríamos capazes de reduzir as emissões em 2,1 bilhões de toneladas até 2050.
“A alternativa mais acessível no sistema alimentar é deixar de usar os aterros sanitários”, diz Eriksson.
“Compostagem doméstica, digestão anaeróbia, incineração, o que quer que você faça, tudo é melhor do que aterro sanitário.”
Embora haja diferenças ambientais entre esses outros métodos de eliminação de resíduos, a magnitude é muito menor. Portanto, se suas sobras de comida vão parar atualmente na lixeira, vale a pena refletir se você pode mudar esse hábito.
O Reino Unido, por exemplo, estabeleceu uma meta para oferecer coleta semanal de resíduos alimentares até 2023 — e muitas autoridades locais já fazem isso para reduzir a quantidade de alimentos que acabam em aterros sanitários.
Em alguns países, como na Dinamarca, o envio de lixo orgânico para aterros sanitários já está proibido.
Ainda assim, a principal mudança que a maioria das pessoas nos países de alta renda poderia adotar, antes de qualquer coisa, é parar de comprar tanta comida, sugere Eriksson.
Por fim, a redução na demanda pode nos levar a um sistema em que não serão produzidos mais alimentos além do que de fato precisamos.
“Para a maioria das pessoas, pelo menos no mundo ocidental, reduzir o consumo será uma forma de contribuir de verdade”, acrescenta Eriksson.
“É o nosso consumo que leva a todo esse problema.”
Se a sua contribuição parece insignificante diante do problema, não pense em suas ações isoladamente.
“À medida que as pessoas começam a se importar mais com o desperdício de alimentos em casa, elas se tornam cidadãos mais conscientes”, diz Parizeau. “Começam a fazer perguntas sobre como o sistema alimentar funciona e a solicitar regulamentação para reduzir o desperdício em todo o sistema.”
Pode demandar algum esforço, mas reduzir a quantidade de comida que você joga fora pode ter um impacto real no planeta.
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