TERRAMÉRICA - Cientistas vinculam La Niña com a gripe

Gansos azuis em voo de inverno sobre a Floresta Apache, no Novo México, Estados Unidos. Foto: Photostock/IPS

Pesquisadores sugerem estudar as relações entre variações climáticas, aves migratórias e pandemias de gripe.

Cidade do México, México, 13 de fevereiro de 2012 (Terramérica).- As variações climáticas poderiam influir na propagação de pandemias como a da gripe A/H1N1, inicialmente conhecida como gripe suína, surgida no México e nos Estados Unidos em 2009. Esta é a hipótese de um artigo científico que propõe investigar os vínculos entre variações climáticas, migrações de aves e pandemias de gripe.

“Examinamos as quatro pandemias de gripe – de 1919, 1957, 1968 e 2009 –, e encontramos que cada uma ocorreu na primavera ou no começo do verão boreal, precedida por temperaturas da superfície marinha abaixo do normal, indicador da fase do La Niña”, explicou ao Terramérica o doutor em ciências climáticas, Jeffrey Shaman, da Mailman School of Public Health, da Universidade de Columbia.

“Sabe-se que as aves silvestres são o primeiro reservatório de vírus da gripe A e que facilitam a emergência de novas linhagens pandêmicas, transmitindo vírus para humanos e animais domésticos”, diz o artigo escrito por Jeffrey e seu colega Marc Lipsitch, da Harvard School of Public Health. “As aves migratórias, com suas viagens de longa distância e muitas escalas, são consideradas particularmente cruciais para a mescla e recombinação dos genomas dos vírus de gripe”, afirmam os autores.

O artigo The El Niño-Southern Oscillation (Enso) – Pandemic Influenza Connection: Coincident or Causal? (O Fenômeno El Niño Oscilação do Sul (Enos) – Conexão com a Gripe Pandêmica: Coincidência ou Casual?) foi publicado em janeiro pela revista Proceedings of the National Academy of Sciences, dos Estados Unidos. O La Niña é a fase fria do Enos, um fenômeno climático e marítimo cíclico, que afeta os padrões meteorológicos em todo o mundo e é parte do sistema que regula o calor na zona entre os trópicos no Oceano Pacífico oriental.

O Enos está pautado por mudanças na temperatura da superfície oceânica e na pressão atmosférica. O La Niña transporta água mais fria ao longo do Pacífico e costuma apresentar-se com uma frequência entre dois e sete anos, mas também de forma consecutiva, como ocorreu em 2011 e nos primeiros meses de 2012. Os especialistas sugerem que as condições do La Niña podem juntar subtipos divergentes de gripe em algumas partes do mundo, e favorecer a recombinação da doença mediante infecções múltiplas e simultâneas em portadores individuais e a geração de novas cepas pandêmicas.

O Enos afeta a saúde e o comportamento das aves migratórias, ao alterar a biomassa dos animais, os padrões de voo e escalas, o tempo de troca da plumagem e a densidade populacional. A Oscilação do Sul muda drasticamente as condições meteorológicas – temperatura, precipitação pluvial, velocidade e direção do vento –, que por sua vez podem influir no comportamento das aves. Em abril de 2009, começaram a surgir no México casos de um tipo de gripe A até então desconhecido, que logo seria batizado de H1N1.

Devido à onda de contágios, o governo federal e a prefeitura da Cidade do México ordenaram o fechamento de escolas e estabelecimentos comerciais, e a suspensão de atividades públicas como concertos e missas. Em junho daquele ano, a Organização Mundial da Saúde declarou estado de pandemia e promoveu o desenvolvimento de vacinas e o fornecimento do medicamento oseltamivir, que o laboratório Roche vende sob o nome de Tamiflu.

“Sempre se soube que as variações climáticas mudam os vírus, desde o tempo dos gregos. Eles evoluem muito em épocas de frio e seca, e agora as duas condições se juntam”, explicou ao Terramérica o médico mexicano, Federico Ortiz, que em 2009 publicou o livro Código A (H1N1). Diário de uma Pandemia. Desde 2009 até este mês, foram registrados no México 252.388 casos de gripe, dos quais 75.328 correspondem ao A/H1N1, segundo o Ministério da Saúde. Morreram 2.261 pessoas, 1.837 pela nova cepa.

Entre 2011 e este ano, parece ter ocorrido uma onda de contágios. No ano passado, foram registrados 925 casos de gripe, 345 de A/H1N1. Neste 2012, já foram contabilizados 2.815 infectados, e 2.544 pelo novo vírus. No ano passado, morreram 50 pessoas no México por gripe, e 40 delas por A/H1N1. Nos dois primeiros meses de 2012, os mortos foram 58 e 54, respectivamente.

“O efeito do Enos sobre a saúde e a conduta das aves migratórias poderia ser um meio pelo qual o ambiente em grande escala altera a probabilidade de eventos de recombinação do vírus da gripe e a transmissão para portadores humanos”, ponderou Jeffrey. Para provar sua hipótese, os acadêmicos sugerem estudar a genética das populações de gripe, a prevalência dos vírus em várias espécies portadoras e os padrões de migração de aves.

Há uma ampla literatura que documenta os efeitos do Enos em doenças infecciosas como malária, dengue e cólera, e alguns estudos parciais sobre seus vínculos com epidemias locais de gripe sazonal. Entretanto, até agora, “nossa capacidade para prever o desenvolvimento de uma gripe pandêmica é limitada”, afirmam os autores. “A gripe típica tem maior incidência e mortalidade. O A/H1N1 não é tão letal como se pensou”, afirmou Federico. “No entanto, conforme o vírus se expande, aumenta sua diversidade genética. Por isto, é possível que haja um crescimento maior”, previu.

* O autor é correspondente da IPS.

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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.