F. C. Barcelona, sustentabilidade de globalização e nacionalismo

Barcelona, Espanha, outubro/2012 – Com a inauguração da nova temporada de futebol na Espanha, ficaram expostas com plena intensidade diversas dimensões relacionadas ao sustentado êxito do Futebol Clube Barcelona, mais conhecido como Barça.

Vencedor em 14 das 19 competições disputadas em quatro anos, incluindo duas copas da Europa, dois mundiais e diversas ligas e copas espanholas, o Barça enfrenta um desafio formidável: a sustentabilidade de suas conquistas.

No momento, as novas competições indicam que estará na linha de frente. Na liga espanhola já colocou vantagem sobre o Real Madrid, mas não conseguiu vencê-lo na supercopa (ganhadores de liga e copa da temporada anterior). Com a saída de seu treinador, Pep Guardiola, e a entrada de seu assistente, Tito Vilanova, os torcedores se perguntam se o sonho continuará.

Ao esquadrinhar os detalhes deste êxito, é fácil observar que em duas décadas, desde que o Barça conseguiu sua segunda copa europeia em 1992, sob o comando do técnico Johan Cruyff, o clube passou por uma curiosa evolução de seu tecido esportivo e de seu entorno.

Então, quando a equipe conseguiu quatro ligas seguidas, o plantel estava formado por uma aliança de jogadores catalães forjados em suas equipes inferiores, um número de outros espanhóis (predominantemente bascos) e um punhado de estrangeiros de primeira linha. O número destes estava, então, limitado pelas regras que impunham uma cota de no máximo três jogadores não espanhóis.

Esta restrição foi implodida pela chamada “sentença Bosman”, de 1995, imposta pelo Tribunal de Justiça Europeu por violação da legislação da União Europeia. Jean-Marc Bosman, jogador belga que desejava jogar na França ao término de seu contrato, era obrigado a pagar luvas por sua transferência para outro clube do país, no qual teria que restringir sua atuação ao ser superada a cota de três jogadores “estrangeiros”.

O tribunal considerou que a imposição da federação belga era uma violação do conceito do mercado único europeu que proíbe qualquer trava legal ou física para a livre circulação de serviços.

O resultado desta revolução foi que os clubes europeus se povoaram de jogadores comunitários, sem nenhum limite, embora mantida uma cota com relação aos chamados “extracomunitários” (principalmente latino-americanos e africanos). Mesmo nestes casos, os procedimentos burlescos de aquisição de cidadania europeia aumentaram a internacionalização dos clubes.

O Barça, como resultado, foi se convertendo em uma espécie de clube holandês com a chegada do técnico Louis van Gaal e a contratação de uma dezena de seus compatriotas. Em uma partida, o Barça chegou a alinhar quatro holandeses. Na liga inglesa, o Arsenal jogava inúmeras partidas sem um único jogador inglês. As boas intenções da integração haviam fugido ao controle.

Lentamente, em alguns clubes as águas voltaram ao seu curso e no Barça notou-se um tenaz uso do “terrão”, os jogadores que esteve educando e treinando em La Maísa, uma antiga casa de campo.

Sem discriminação por nacionalidade de origem, esses alunos somente respondiam à sua comum experiência de crescimento e preparação. Entre a maioria lógica de catalães, crianças de toda a Espanha e de outros países foram se convertendo em futuras estrelas.

O caso mais emblemático é o do argentino Lionel Messi, que aos 11 anos foi “fichado” pelo Barça, quando sua família aceitou se mudar para Barcelona em troca de diversas compensações, entre as quais se destacava um tratamento de crescimento hormonal para o ainda adolescente Messi, que se destacou precocemente, tanto por seu gênio quanto por sua baixa estatura e fragilidade física.

Com a chegada de Guardiola, o que já era evidente nos anos anteriores se converteu, aparentemente, em uma política. Posição por posição, o Barça foi se nacionalizando, embora conservasse e inclusive “fichasse” estrelas tanto espanholas quanto estrangeiras.

Nas duas temporadas anteriores, o Barça alinhava sistematicamente até oito jogadores de La Maísa em seu esquema inicial, chegando a nove no final da partida.

Curiosamente, enquanto o Barcelona se “hispanisava” (e “catalanisava”), a seleção espanhola se dispunha a conseguir um triplo triunfo em duas Eurocopas e um mundial, com escalações nas quais os barceloneses eram maioria numérica. Desde a vitória em Viena, em 2008, até a final da Copa da África do Sul, em 2010, La Maísa chegava a colocar oito jogadores, seis deles titulares.

Paradoxalmente, enquanto a Espanha sofria os embates do nacionalismo periférico (em especial basco e catalão), sua seleção nacional se despojava do adjetivo de “la Furia” (baseada em seu ímpeto físico) para ser conhecida como “la Roja” (baseada na qualidade).

O jogo de controle da bola imposto por Guardiola e a mobilidade de suas peças para confundir o adversário logo foram incorporados por Luis Aragonés, o técnico da Eurocopa de 2008, e sem rodeios por Vicente del Bosque no mundial e na seguinte Eurocopa daquele verão.

O que agora os observadores se perguntam é se o modelo baseado em La Masía é sustentável. Poderá o Barça chegar a uma final europeia com uma dezenas de filhos de La Masía? Será esse o resultado de uma evolução natural ou causa de sua queda? Qual será o impacto destas respostas na seleção nacional espanhola? Repetirá seu êxito no Brasil em 2014? Envolverde/IPS

* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami ([email protected]).