Após forte polêmica causada em 2009 com a aprovação de alterações que vieram a ecoar na lei federal, Santa Catarina novamente transforma a sua legislação ambiental de forma controversa
A Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina (ALESC) deve votar até o final da sessão desta quarta-feira novas alterações ao Código Ambiental. Joares Ponticelli (PP), presidente da Casa, informou a um jornal local que as alterações visam à adequação da lei às mudanças aprovadas no Código Florestal em 2012 (Lei 12.651).
Porém, o Projeto de Lei 305/2013, de autoria de Romildo Titon (PMDB) e outros parlamentares, vai muito mais longe do que apenas abraçar a legislação federal. Um dos pontos que mais preocupam são as mudanças pretendidas para áreas urbanas.
Titon alega que a legislação federal não deixou claras as regras para construções consolidadas em áreas de preservação permanente (APPs) em zonas urbanas.
O PL, de modo bastante abrangente, conceitua como área urbana consolidada: “parcela da área urbana com malha viária implantada e que tenha, no mínimo, 2 (dois) dos seguintes equipamentos de infraestrutura urbana implantados: a) drenagem de águas pluviais urbanas; b) esgotamento sanitário; c) abastecimento de água potável; d) distribuição de energia elétrica; ou e) limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos”.
O texto também “inovou” ao trazer em seu Artigo 124-A que “os municípios poderão, através do Plano Diretor ou de legislação específica, delimitar as áreas urbanas consolidadas em seus respectivos territórios, disciplinando os requisitos para o uso e ocupação do solo em tais locais que não atendam aos parâmetros de Área de Preservação Permanente a serem observados em tais locais”.
Na prática, as alterações propostas possibilitam que os municípios deixem de observar os limites e parâmetros assegurados pelo Código Florestal nas áreas urbanas.
“Serve de grave alerta para o que se pretende alterar em nível federal, que certamente será o próximo passo. Se não denunciarmos a irresponsabilidade que pretendem de conferir aos municípios o poder discricionário de estabelecerem limites e parâmetros para uso e definição de APP, o próximo passo será o uso e ocupação até mesmo em áreas de risco”, denunciou Fernando Coelho Correia, advogado ambientalista catarinense.
Outro artigo preocupante é o nº 118-A, que possibilita que “em áreas de inclinação entre 25° e 45°, serão permitidos o manejo florestal sustentável e o exercício de atividades agrossilvipastoris, bem como a manutenção da infraestrutura física associada ao desenvolvimento das atividades, observadas boas práticas agronômicas, sendo vedada a conversão de novas áreas, excetuadas as hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto”.
Sabendo que o estado é notório pelos episódios de desastres ambientais em regiões montanhosas, este artigo pode se provar um grande problema para os agricultores em áreas de risco, especialmente de deslizamento.
Laboratório
Apesar de a questão ser extremamente polêmica, não houve Audiências Públicas suficientes, e sequer a comunidade científica foi ouvida. A tramitação do PL foi realizada de forma impressionantemente rápida. Segundo informações do portal da ALESC, o PL passou apenas pela Comissão de Constituição e Justiça e Comissão de Finanças e Tributação.
Infelizmente, a ALESC tem um histórico conturbado em se tratando de mudanças na legislação ambiental. Foi em Santa Catarina que as alterações ao Código Florestal, legislação federal, tiveram o seu ‘laboratório’.
Em 2009, a ALESC aprovou o Código Ambiental catarinense, Lei 14.675/2009, já conhecido como antiambiental, sob forte protesto de entidades ambientalistas e especialistas em uso e ocupação do solo.
Na época, a Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi), reconhecida ONG da região, denunciou que a legislação “atende exclusivamente aos interesses do governador e de alguns parlamentares catarinenses que estão a serviço do lobby da especulação imobiliária e de ruralistas, principalmente aqueles que têm passivos ambientais, e querem desmantelar a legislação que protege as APPs e a Reserva Legal, visando justamente à ampliação de ocupações em áreas de risco, sob discursos sem nenhuma consistência científica”.
Para a Apremavi, não havia necessidade de se estabelecer um Código Ambiental em Santa Catarina, pois o estado já tinha legislações federais e estaduais eficientes nessa área. O que estava faltando era a aplicação efetiva dessa legislação, enfatizou a ONG.
Antônio Fernando Barros e Silva de Souza, procurador geral da república, chegou a protocolar no dia 17 de junho de 2009, no Supremo Tribunal Federal (STF), Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) contra o Código Ambiental de Santa Catarina, alegando que a lei estaria em desacordo com a Constituição Federal. Souza considerou a lei inconstitucional, atendendo às representações do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) e do Ministério Público Federal (MPF). Porém, até hoje a ação não foi julgada.
* Publicado originalmente no site CarbonoBrasil.