Seca no EUA mantém inflação de alimentos

A seca castiga o Sul do EUA, com epicentro no Texas, produtor de carne, algodão e grãos. Chega ao Meio Oeste, grande produtor de soja e milho. Isto significa mais pressão nos preços globais de comida, mais inflação alimentar, boas perspectivas para a exportação e risco de desmatamento no Brasil.

O epicentro dessa seca violenta é o Texas, que tem 75% de seu território em estado de “seca excepcional”, o mais grave da escala do Centro Nacional para Mitigação da Seca (NDMC). No EUA continental, 12% do território estão nesta condição. No Sul, além do Texas, estão sofrendo muito com a seca o Arizona, que enfrentou queimadas inéditas este ano, a Georgia, estado usualmente úmido, e o Oklahoma, grande produtor de algodão, que está com 65% do território em estado de “seca excepcional”. No Texas, 800 mil hectares de terra agrícola estão comprometidos. O pior é que o Sul já havia enfrentado seca muito rigorosa e grave em 2007, que atingiu Florida, Georgia, Alabama e Texas.

Agora a seca já entra em estágio mais grave também no Meio Oeste, região que está com 38% do território em situação “anormalmente seca”, a segunda mais grave do NDMC. Iowa, o maior produtor de soja e milho do país, está com 45% de sua área “anormalmente seca” e 19% do território de Indiana, outro grande produtor de milho, em situação de “seca moderada”, categoria imediatamente inferior. A onda de calor e seca atinge a soja no seu período reprodutivo.

A seca castiga os pastos e as plantações de soja, milho e algodão, principalmente. As culturas de soja e milho já haviam sido afetadas na primavera pelo excesso de chuva. Agora, mal recuperadas do stress hídrico, são atingidas pela seca. A maioria dos analistas já prevê uma safra pobre, como resultado.

Os preços do milho estão subindo fortemente. A demanda por etanol, que no EUA é de milho, está muito alta também. No começo desta semana o preço do milho superou o limite de 30 centavos por dia da Bolsa de Futuros de Chicago, que acabou sendo elevado pela agência reguladora federal. Significa admitir um período anormalmente longo e inevitável de volatilidade nos preços do milho no mercado de futuros. A pressão nos preços do milho vem desde junho, quando a seca já era grave e as estimativas de safra começavam a piorar relativamente à expectativas.

Para o Brasil, cria-se uma situação típica de oportunidade e risco. Oportunidade, porque em um momento de crise e de valorização do real, os exportadores de soja e etanol e, em menor escala, de carne, vêem os preços internacionais em forte subida. Os preços das outras commodities já estão caindo por causa dos sinais de nova recessão mundial. Risco porque a elevação do preço e demanda internacionais de soja e carne representam sempre um grande perigo de mais desmatamento na Amazônia e no Cerrado. Desmatamento que já está crescendo este ano. No caso do etanol, vai agravar a contradição entre a política federal de congelamento do preço da gasolina e estímulo ao carro flex. O preço do etanol pode se aproximar e até superar o preço da gasolina, fazendo com que os proprietários de carros flex encham seus tanques com gasolina. Isso desacredita a função redutora de emissões do motor flex e aumenta os danos ambientais e de saúde pública causados pela poluição automotiva. É o que em inglês chamariam de “mixed blessing”.

A consequência global desses efeitos econômicos da seca no EUA é que os preços globais dos alimentos continuarão altos. A inflação alimentar continuará elevando os índices de inflação. Na China, este já é o principal fator inflacionário. No Brasil, também tende a pressionar a inflação, porém mais moderadamente. O preço do etanol em alta acaba entretanto reduzindo o efeito redutor na inflação do congelamento do preço da gasolina. Como ela tem uma mistura de 25%, esses 25% levam ao aumento da gasolina na bomba. Mas, em muitos países, esse quadro de oferta de grãos em baixa e preços em alta significa fome e morte. É o que se está vendo dramaticamente – e numa trágica e dolorosa repetição – na Somália e na Etiópia.

No Brasil, o governo terá que, em algum momento, rever sua política para a gasolina – que é economicamente contraditória e ambientalmente danosa – e aumentar as ações de comando e controle nas áreas críticas de desmatamento associadas à soja e à pecuária.

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** Publicado originalmente no site Ecopolítica.