Nos dois casos, decisões contemplaram pedidos do MPF para suspender projetos realizados sem a oitiva dos povos afetados, prevista na Constituição e na Convenção 169 da OIT.
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em Brasília, assegurou em dois processos judiciais distintos o direito dos povos indígenas de serem consultados previamente para empreendimentos que afetem seus territórios. Os dois casos – das hidrelétricas Teles Pires, no rio de mesmo nome, e Belo Monte, no Xingu – correspondem a ações judiciais do Ministério Público Federal (MPF). Em julgamento ontem (13/8), os desembargadores da 5ª Turma do Tribunal aceitaram por unanimidade o recurso do MPF e ordenaram a paralisação das obras da usina de Belo Monte. Uma semana antes, a mesma turma havia ordenado a paralisação das obras da hidrelétrica Teles Pires.
No julgamento do caso Belo Monte, a 5ª Turma do TRF1, formada pelos desembargadores Selene Almeida, Souza Prudente e João Batista Moreira, acolheu um recurso do MPF – os chamados embargos de declaração – e reverteu o efeito da decisão anterior, que não reconhecia o direito da consulta indígena. Com isso, por unanimidade, foram anulados os efeitos do decreto legislativo 788/2005, do Congresso Nacional, que autorizava o empreendimento.
De acordo com o voto do desembargador Souza Prudente, relator do caso, no julgamento anterior foram ignoradas as obrigações do Brasil como signatário da Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho, que determina que as comunidades indígenas sejam consultadas previamente em caso de empreendimentos que afetem seus territórios. “A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica”, diz o relatório do julgamento.
Agora os povos indígenas afetados terão que ser ouvidos pelo Congresso e as obras ficam paralisadas até que a consulta seja realizada. “Não estamos combatendo o projeto de aceleração do governo. Mas não pode ser um processo ditatorial”, disse em entrevista à imprensa o desembargador Souza Prudente, relator do caso. Para o desembargador, “as comunidades estão gritando para ser ouvidas e continuam sendo ignoradas” e “o modelo de autorizações prévias e estudos póstumos para usinas precisa ser revisto, porque é autoritário e inaceitável”. O acórdão do TRF1 determina uma multa de R$ 500 mil por dia em caso de descumprimento.
“O decreto legislativo que autorizou Belo Monte sem consultar os índios era um verdadeiro monumento de afronta à Constituição. Finalmente, depois de anos de debates, o Judiciário se pronunciou em defesa da lei maior do país e dos direitos dos povos originários”, disse Felício Pontes Jr., autor da inicial do processo sobre as consultas. Pontes Jr. entende que agora, por se tratar de matéria constitucional e de uma decisão colegiada sobre o mérito do processo, só cabe recurso ao Supremo Tribunal Federal.
Teles Pires – Na semana anterior, a mesma 5ª Turma do TRF1 já havia decidido em favor dos direitos indígenas em outro caso de consulta prévia não realizada, o da usina hidrelétrica de Teles Pires, no rio de mesmo nome, na divisa entre o Pará e o Mato Grosso. O relator no caso também era o desembargador Souza Prudente e a diferença entre os dois processos é que o do Teles Pires ainda está em fase liminar – não houve decisão de mérito na primeira instância.
Mas, nos dois casos, o debate é o mesmo: se o governo federal pode ignorar a Constituição e os direitos assegurados por tratados internacionais aos povos indígenas, para construir hidrelétricas e outros empreendimentos econômicos na Amazônia. A decisão do TRF1 é favorável aos povos do Teles Pires e determina a realização de consulta aos indígenas antes de qualquer autorização, com base em estudos de impacto válidos. A usina do Teles Pires também tem que ser paralisada.
Os desembargadores do TRF1 assinalaram que a hidrelétrica de Teles Pires está violando áreas que são sagradas para os povos afetados e sustentaram que a decisão da Justiça Federal de primeira instância – que havia determinado as consultas aos indígenas – estava em sintonia com a tutela constitucional. A decisão da primeira instância havia sido suspensa, como ocorreu em inúmeros outros processos sobre usinas hidrelétricas na Amazônia, por uma decisão solitária do então presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Olindo Menezes.
Com base nessa suspensão monocrática da presidência do TRF1, a Advocacia Geral da União (AGU) chegou a divulgar que não ia paralisar as obras de Teles Pires. Mas a própria decisão da 5ª Turma do TRF1 dá resposta à pretensão do governo, afirmando que esse tipo de suspensão surgiu na lei processual brasileira em 1964, durante o regime de exceção. “A lei é de exceção e o Estado, hoje, é de direito. Portanto, a lei que criou a figura excepcional de suspensão de segurança, rompendo com o devido processo legal, é um diploma autoritário”, diz o acórdão do dia 1º de agosto.
“O entendimento do MPF é de que a posição da AGU é um erro, pregando o descumprimento de uma decisão colegiada do TRF”, concorda o procurador da República, Felício Pontes Jr., também autor desse processo, ao lado da procuradora Márcia Zollinger, do MPF do Mato Grosso. A Justiça Federal do Mato Grosso, de onde partiu a decisão inicial do caso, já notificou os réus, Ibama, Companhia Hidrelétrica Teles Pires e Empresa de Pesquisa Energética, de acordo com os registros do andamento processual.
“Intimem-se, portanto, o Ibama e a Companhia Hidrelétrica Teles Pires S.A., para que cumpram a decisão proferida pela 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região e, imediatamente, suspendam o licenciamento da UHE Teles Pires e, em consequência, suspendam todas as obras tendentes a implementá-la”, ordenou a Justiça.
* Com informações do MPF.
** Publicado originalmente no site Xingu Vivo.