Internacional

Um sonho para os indígenas de Camarões

Meninas e meninos bakas no pátio da escola em Camarões. Foto: Ngala Kilian Chimtom/IPS
Meninas e meninos bakas no pátio da escola em Camarões. Foto: Ngala Kilian Chimtom/IPS

Por Ngala Kilian Chimtom, da IPS –

Iaundé, Camarões, 10/8/2016 – Em uma pequena aldeia de Boumba e Ngoko, no sudeste de Camarões, uma professora desenha alguns animais selvagens no quadro-negro e pergunta aos seus 25 alunos: “Quem pode me dizer os nomes?”.Lisette Bikola é uma das que responde. A menina, de 12 anos, pertence à comunidade baka e está no terceiro ano primário, ao qual a maioria chega com oito, mas tem grandes sonhos para seu futuro. “Venho para a escola porque quero ser professora. Quero aprender inglês e francês e gostaria de escrever e ler cartas para meus pais”, contou.

Em outra escola em Ntam Carrefour, Bernard Elinga, de 14 anos, tem sonhos semelhantes. “Gostaria de ser alguém importante. Talvez professor, soldado ou policial”, disse. Mas é muito difícil que seus sonhos se tornem realidade porque quase todas as crianças do povo baka que vão à escola primária nunca chegam ao curso secundário, pelos vários obstáculos que devem enfrentar, como pobreza, discriminação e políticas educacionais mal adaptadas à realidade.

Das 30 crianças que se matricularam na escola há dois anos, Elinga é o único que resta em Ntam Carrefour. Os demais abandonaram os estudos para poderem ajudar seus pais nas atividades tradicionais de caçadores coletores.

O direito à educação é o tema deste ano do Dia Internacional dos Povos Indígenas, celebrado em 9 de agosto. Isso porque, para romper sua vulnerabilidade e exclusão, considera-se fundamental o acesso a uma escolaridade apropriada aos seus métodos culturais de aprendizagem e com pleno conhecimento de sua diversidade, de seus valores e de suas necessidades específicas, incluindo aprender em sua língua materna.

David Angoula, cujos dois filhos deixaram a escola, disse que as crianças de sua comunidade recebem os ensinamentos deixados pelos seus ancestrais na selva. “Vamos à selva buscar comida. Nossos pais nos deixaram uma escola na selva, e é essa escola que os pais devem mostrar aos filhos para que não se esqueçam da cultura de seus ancestrais. Para os bakas, o importante é o presente. O passado e o futuro não importam”, explicou.

Os filhos de Angoula estão entre alguns homens que tentam cortar uma árvore enorme com galhos. Quando a derrubam, as mulheres e as crianças vasculham o tronco, onde as abelhas tinham uma colônia, e usam fumaça para tonteá-las e colher o mel. A coleta de mel faz parte das atividades diárias de quase 30 mil bakas. Este povo caçador coletor vive de frutas, tubérculos e da caça.

“A selva é nosso lar”, afirmouDominique Ngola, de 58 anos, originário da comunidade salapumbe, na região Leste de Camarões. “Ela nos dá tudo o que precisamos: o ar puro que respiramos, os alimentos que comemos e as ervas medicinais que usamos para nos curar. É nossa farmácia”, destacou.Os bakas estão tão ligados à selva, que as árvores, os pássaros e os outros animais são uma parte integral de sua existência cotidiana. O estreito vínculo que têm com a natureza dificulta as tentativas de integrá-los à educação formal.

Sarah Tucker, consultora do Fundo Mundial para a Natureza (WWF), explicou que muitos pais não veem os benefícios da educação formal. “Mandar um filho para a escola exige muitos sacrifícios para eles. Em lugar disso, poderiam ir para a floresta com eles e realizar suas atividades tradicionais, por isso não veem os benefícios desse sacrifício”, pontuou. Porém, sabem que, para sobreviver em um mundo com mudanças rápidas, precisam conhecer o sistema educacional. Mas manter as crianças na escola é um grande desafio para os que precisam ir à selva em busca de alimentos e plantas medicinais.

“A educação de comunidades como a baka é muito diferente da de outros grupos de Camarões”, apontou Martiyn Ter Heedge, oficial do programa Kudu Zambo, no parque nacional Campo Ma’an, na região Sul de Camarões. “O que aprendemos é que precisamos ter uma educação especial para os bakas. Os programas habituais não têm muito sucesso. Acredito que agora se entende melhor que seu conteúdo precisa ser especial, com lições e métodos especiais”, ressaltou.

O governo de Camarões trabalha com sócios como WWF e a própria comunidade baka, para propor um enfoque de sucesso, mas os progressos são lentos. Heedge e Tuker concordam que tudo começa por compreender seu estilo de vida.“Recebemos muitas propostas de diferentes atores: ministérios, organizações, os próprios bakas, e, entre as recomendações, o primeiro e mais importante é usar sua própria língua na escola”, destacoua consultora do WWF. “Há ampla literatura e informação que confirma que a melhor forma de aprender é utilizando a língua materna”, acrescentou.

ParaTuker, “também é importante adaptar o calendário escolar ao calendário tradicional dos bakas, isto é, não dar aulas em janeiro e dezembro, por exemplo, porque os alunos vão com os pais passar semanas na floresta. Além disso,adequar os métodos de ensino à cultura baka, como utilizar exemplos da selva e de seu estilo de vida, e realizar mais brincadeiras, atividades e trabalhos práticos de descoberta, que é o que as crianças bakas mais gostam de fazer”.

“É importante que, de alguma forma, no ensino primário exista a possibilidade de oferecer uma educação bilíngue, isto é, baka e francês”, opinou Heedge. “As crianças bakas que tenho em minha sala costumam aprender rápido se uso exemplos de seu entorno imediato”, confirmou Quinta Koshi, professora da escola primária de Boui.

Rosalie Aboutou, do Ministério de Assuntos Sociais, declarou que “o governo aplaude todas as iniciativas que têm por objetivo que todos os cidadão se beneficiem dos serviços estatais. Os pigmeus baka fazem parte desse país e sua educação integra a política governamental”. Envolverde/IPS

*Este artigo integra uma série por ocasião do Dia Internacional dos Povos Indígenas, celebrado em 9 de agosto.