Sociedade

Mulheres brigam por mais segurança para pedalar

por Katia Flora dos Reis – Especial para Agência Envolverde* – 

Berço do rodoviarismo brasileiro por ter abrigado a maior parte da indústria automotiva do Brasil, São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, possui 844 mil habitantes e uma das menores redes de ciclovias da Região Metropolitana de São Paulo. 

Dos 12,3 quilômetros de infraestrutura para ciclistas existentes na cidade, 10 são de ciclovias e 2,3 de ciclofaixas. A curta extensão da infraestrutura pode explicar o reduzido interesse da população em se transportar por bicicleta, principalmente por  mulheres.

De acordo com a pesquisa Origem Destino do Metrô, de 2017, apenas 0,9% das viagens originadas em São Bernardo do Campo foram realizadas em cima de uma bike e, desse percentual, apenas 19% foram feitas por mulheres. 

A proporção até é grande se comparada com o universo da pesquisa, que abrange todas as cidades da Região Metropolitana de São Paulo. Nela, as viagens por bicicletas são apenas  0,9% do total de modais utilizados, e o percentual de mulheres que pedalam não alcança os 10%.

Três mulheres da região do ABC, no entanto, lutam pelo direito de pedalar em segurança pelas ruas, rodovias e estradas. A atleta de Mountain Bike e cicloativista Graziane Nabarro, 39, por exemplo, se juntou a um comitê regional integrado por ciclistas e poder público que se reúne mensalmente para discutir soluções.

Em rodovias sem acostamento, cuidado redobrado (Crédito: Facebook Fit Girls Team)

Moradora do bairro Planalto, ela conta que usa a bicicleta tanto para esporte quanto para transporte. “Pedalo de três a cinco vezes por semana, no mínimo 30 quilômetros na área urbana. Nos treinos em trilhas são 90km”, revela. 

Ela diz que ingressou no Pedala São Bernardo logo no início, em agosto de 2020, e tem apresentado propostas de melhorias em locais mais utilizados para o treino de ciclistas, como na Rodovia Caminho do Mar,(SP 148). Também conhecida como Estrada Velha de Santos, a rodovia é administrada pelo Departamento de Estradas e Rodagem do governo estadual e informou estar com projetos de revitalizar esse trecho. 

Dentro da cidade, por sua vez, Graziela aponta que são constantes as ameaças com que se depara por causa da irresponsabilidade de motoristas. Por isso, uma das pautas do grupo é reivindicar da prefeitura a implantação de ciclovias e de bicicletários, bem como a pedir a criação de uma cartilha para a conscientização de motoristas sobre a segurança viária de ciclistas. 

“Os motoristas não nos respeitam e subestimam quem está pedalando. Isso acaba tornando-se uma ‘competição’”, argumenta Graziane. Ela reforça a dificuldade em dividir espaço com os carros nas principais vias da cidade, tais como na avenida Lauro Gomes, na Rodovia Anchieta e na própria Estrada Velha de Santos, onde não há acostamento.

Administrada por  Orlando Morando (PSDB), a prefeitura de São Bernardo se limitou a dizer em nota que está desenvolvendo um Plano Cicloviário “baseado no conceito de circulação segura, através de um sistema viário adaptado”.

São Bernardo do Campo faz parte do grupo de 27 dentre as 39 cidades da Região Metropolitana de São Paulo que deveriam, mas não adotaram um Plano de Mobilidade Urbana (PLanMob). Alí, só 12 cidades, como a capital do estado, São Paulo, já adotaram o documento para orientar a mobilidade urbana, mas nem todas o colocaram em prática.

O documento será obrigatório para cidades com mais de 250 mil habitantes a partir de abril de 2022, segundo nova Lei sancionada pela Presidência da República. 

As anjas que ensinam a pedalar

A executiva de vendas, Ligia Torcatto Franzini, 30, moradora do bairro Paulicéia, está animada para retomar os trabalhos da Escola Bike Anjo ABC, projeto que ensina adultas e crianças a perder o medo de pedalar e que vai retomar as atividades no domingo, 3 de outubro a partir das 14 horas na  Praça do IV Centenário, centro de Santo André.

Participar das atividades da Bike Anjo é uma maneira que Lígia encontrou para ajudar outras mulheres a serem livres para pedalar nas ruas. “A mulher não se sente segura nem para andar a pé. E, sendo ciclista, é menos respeitada, pois alguns condutores acham que a bicicleta não tem direito de seguir naquela via”, desabafa a ciclista que antes da pandemia usava bicicleta diariamente para ir trabalhar na Avenida Paulista, distante 19 quilômetros de casa. 

Além da falta de educação no trânsito, Lígia destaca que a inexistência de infraestrutura cicloviária desmotiva a mulher a pedalar na região. “A bike precisa ser vista como meio de transporte e não somente como lazer. O poder público precisa entender os hábitos dos ciclistas e saber quais são os locais com maior fluxo para atender nossa demanda”, cobra.

Mulher aprende a pedalar com Bike Anja em Santo André (Crédito Facebook Bike Anjo ABC)

Só mulheres no pedal

A estância turística de Ribeirão Pires possui 125 mil habitantes e é frequentada por ciclistas de toda região, mas é considerada perigosa por quem trafega de bicicleta, pois só existem 2,3 quilômetros de ciclovias.

“É uma paixão na minha vida. O ciclismo traz uma sensação de liberdade do corpo e resistência física”, revela a analista de atendimento Daniella Pretel Coelho, 39, que fundou o Fit Girls Team há dois anos, um grupo de pedal só para mulheres que possui mais de 230 integrantes. 

As pedaladas acontecem geralmente nos finais de semana com distâncias de até 50 quilômetros e é corriqueiro terem que rodar em vias perigosas como a Rodovia Índio Tibiriçá (administrada pelo governo estadual) e a Estrada de Sapopemba.”Sempre esbarramos com os intolerantes. Como aqui não temos ciclovias, precisamos trafegar no meio do trânsito”, pontua.

Antes de qualquer saída com o grupo, ela recomenda que as companheiras redobrem a atenção em rodovias, principalmente nos trechos onde não há acostamento. Nesses locais, ela explica que ciclistas devem ocupar uma faixa para garantir a segurança, conforme determina o artigo 58º do  Código de Trânsito Brasileiro. 

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Mais cautelosas

No ABC Paulista, as lesões e mortes de ciclistas no trânsito possuem altas taxas. De acordo com dados obtidos no sistema de registro de ocorrências de trânsito do governo estadual, Infosiga,  São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Ribeirão Pires, três das sete cidades são as mais perigosas para ciclistas. Juntas, somam 272 ocorrências desde 2019, sendo 12 fatais.

“As mulheres só se sentem seguras de trafegar com a bike quando o espaço tem a infraestrutura cicloviária segregada. Elas são mais cautelosas que o homem quando estão pedalando”, explica a arquiteta e especialista em mobilidade ativa, Suzana Nogueira, 46. 

Além da falta de políticas públicas, Suzana aponta outros desafios a serem superados pelas mulheres, tais como o assédio e a falta de segurança pública. “Estamos muito distantes de alcançar avanços reais em termos de mudança para ciclistas” acredita.

*Reportagem incentivada pelo International Center for Journalists (ICFJ) e Organização Mundial da Saúde. 

Edição de Rogério Viduedo.