Um raro caso de colaboração entre a indústria petroleira, cientistas e ambientalistas, que já dura uma década, recebeu elogios pelos êxitos obtidos na proteção de uma espécie de baleia em perigo de extinção.
Por Guy Dinmore, da IPS –
Honolulu, Estados Unidos, 8/9/2016 – No começo de 2000, estimava-se que havia apenas 115 exemplares de baleia-cinzenta (Eschrichtiyusrobustus) em torno da ilha russa de Sajalín, no Mar de Ojotsk, onde se alimentam durante o verão boreal, quando não há gelo, e antes de iniciarem sua migração de inverno.
A companhia Sakhalin Energy, então quase totalmente propriedade da Shell, anunciou planos de ampliar suas operações de petróleo e gás nessas águas, o que gerou forte campanha de organizações não governamentais, como Fundo Mundial para a Natureza (WWF), Greenpeace, Amigos da Terra, entre outras. Os protestos não conseguiram deter a companhia, mas convenceram os bancos internacionais a imporem duras condições para os empréstimos que concederiam, como trabalhar com um grupo independente de cientistas durante as operações a fim de mitigar o impacto sobre as baleias.
A União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), a maior associação ambiental de ONGs, convocou e administrou o que se conhece como Grupo Assessor sobre a Baleia-Cinzenta, em 2004, integrado por 13 cientistas independentes. Dez anos depois, estima-se que existam 175 exemplares. A iniciativa foi muito aplaudida no Congresso Mundial para a Natureza, que acontece entre os dias 1º e 10 deste mês, no Havaí, escolhido por ser um “exemplo fantástico” de conservação e de como empresários e ambientalistas podem trabalhar juntos.
“Como ONG, implicou todo um caminho. Começamos fazendo campanha contra o projeto, mas agora fazemos parte dele”, resumiu a bióloga Wendy Elliott, do WWF, em entrevista coletiva. O que poderia ser uma catástrofe resultou em sucesso, destacou, e conclamou outras instituições financeiras a seguirem o modelo de impor condições aos empréstimos para projetos que possam ter impacto na diversidade biológica.
Stewart Maginnis, diretor global do Grupo de Soluções Baseadas na Natureza da UICN, e que supervisionou o grupo de cientistas, apontou que a Sakhalin implantou, substituiu, ou transformou para não aplicáveis, 90% das 539 recomendações. Entre as propostas cruciais aceitas pela empresa, destacam-se a mudança de rota proposta para a tubulação e a adoção de recomendações sobre estudos sísmicos. Mas foi preciso outra forte campanha, em 2011, para convencê-la a não começar a construir a terceira plataforma.
Enquanto trabalhavam, os cientistas detectaram uma fêmea, que batizaram de Varvara, que havia migrado em novembro daquele ano da ilha Sajalín pelo Oceano Pacífico para o Alasca, e depois para o sul até a península de Baixa Califórnia, no México, um percurso de aproximadamente 10.880 quilômetros e o mais longo já feito por um mamífero.
Maginnis destacou que o elemento fundamental no sucesso do grupo de cientistas foi sua liberdade e independência para chegar a conclusões transparentes, um processo que contou com a participação de observadores de outras ONGs nas reuniões plenárias com a companhia. Deric Quaile, responsável de Áreas Ambientais Sensíveis da Shell, agora sócia minoritária da Sakhalin, qualificou o processo de “fantástico” e avaliou que foi uma parte importante do “caminho” da empresa holandesa na melhora de sua atividade ambiental.
“O grupo de cientistas forneceu um bom equilíbrio de conhecimento, credibilidade e autoridade para assessorar em uma área sensível e complicada. Mostra que as empresas e a conservação podem trabalhar juntas”, opinou Quaile.A experiência dos cientistas ajuda, desde 2004, a concretizar uma “mudança” no enfoque da Shell nas questões ambientais, acrescentou. “Havia muita desconfiança e receio, e demorou muito tempo para os engenheiros da Shell se darem conta de que era muito útil e que tinha sentido do ponto de vista empresarial. A boa gestão ambiental é uma boa proposta empresarial”, recordou.
No entanto, a Shell foi muito criticada por várias organizações ambientalistas antes de anunciar, em 2015, que abandonaria suas operações no Ártico, quando já havia destinado cerca de US$ 7 bilhões às perfurações exploratórias. Na declaração pública da empresa, a decisão foi atribuídaàs duras normas ambientais dos Estados Unidos, mas numerosos analistas concordaram que houve outros fatores, como a generalizada oposição da opinião pública e a queda dos preços do petróleo.
Além disso, em novembro de 2015, a Anistia Internacional e o Centro para o Ambiente, os Direitos Humanos e o Desenvolvimento acusaram a Shell de fazer declarações “descaradamente falsas” em relação à limpeza dos quatro sítios onde derramou petróleo. “Ao limpar, de maneira inadequada, a contaminação derramada por suas tubulações e seus poços, a Shell deixa milhares de mulheres, homens e crianças expostos ao ar, água e terra contaminados, e, em alguns casos, por anos ou até décadas”, diz uma declaração da Anistia.
Um grupo de cientistas semelhante ao que trabalhou para proteger as baleias, e também a cargo da UICN, estuda a situação do delta do Níger e assessora nas operações de limpeza. Maginnis destacou que o modelo de assessores cientistas “é efetivo e pode ser replicado para resolver conflitos e reconciliar o desenvolvimento econômico com a conservação”.
Mas Elliott alertou queainda há poucos exemplares da baleia-cinzenta e que o “sucesso é muito frágil. Existe um teto que põe em risco os êxitos”, pontuou, acusando a gigante norte-americana Exxon de pôr em risco a baleia-cinzenta com seus planos de construir uma torre em uma das lagoas de Sajalín, onde o mamífero se alimenta. “O grupo de cientistas se mostrou muito preocupado, mas não foi ouvido”, lamentou. Além disso, numerosos especialistas concordam que a torre não é necessária e que há alternativa.
As ONGs observadoras concluíram que a Exxon não ouvia suas próprias pautas, como a de não operar embarcações em grande velocidade à noite, pelo perigo de se chocarem contra as baleias, ressaltou Elliott. Além disso, exortou a empresa a deixar de apresentar objeções e unir-se ao painel de especialistas. A Exxon não respondeu à solicitação de entrevista feita pela IPS.A WWF divulgou em um informe que, segundo a Exxon, seus planos foram cumpridos com as normas ambientais russas, aprovados pelas autoridades locais, e que tinha todas as autorizações necessárias, por isso as operações estavam prontas para começar.
Consultado pela IPS se seria possível considerar que os grupos científicos da UICN davam luz verde às companhias petroleiras para trabalhar em áreas ambientalmente sensíveis, e onde os ativistas diziam que não deveria ser realizada nenhuma perfuração, Maginnis enfatizou que a organização não aprovaria essas operações de extração em locais que constem da lista de Patrimônio Mundial da Humanidade. Mas, em outras áreas, se os governos concederem as licenças e os bancos derem empréstimos, a UICN defende a adoção de medidas pragmáticas. Envolverde/IPS