Sociedade

Parte 2: A espiral do novo coronavírus expõe a janela da fragilidade aberta no Antropoceno

Por Sucena Shkrada Resk* – 

Com a pandemia da Covid-19, somos obrigados a descobrir novos caminhos para a humanidade

Existem algumas guerras que não são estruturadas com armamentos bélicos e que são tão devastadoras quanto a estes conflitos geopolíticos que têm assolado a humanidade, como a 1ª e 2ª Guerra Mundiais. A situação pela qual passamos, em 2020, com a pandemia da transmissão da COVID-19 pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) é um exemplo clássico desta realidade. Até este domingo (29/03), há o registro de 634.835 casos da doença e e 29.957 mortes no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A curva ascendente deve se estender por meses. Estes números ainda podem ser muito maiores, devido a subnotificações, pela falta de testes massivos nas populações. Vivemos em uma espiral que está sacudindo com os nossos aspectos material, psicológico e espiritual. Em que toda esta experiência vai resultar?

No histórico de Emergências de Saúde Pública de Importância Internacional declaradas pela OMS, esta é a sexta na contemporaneidade, e a mais comprometedora em todos os continentes. As anteriores foram a pandemia de H1N1 (24/04/2009); disseminação internacional de poliovírus (05/05/2014); surto de Ebola na África Ocidental (08/08/2014); vírus zika e aumento de casos de microcefalia e outras malformações congênitas (01/02/2016) e surto de ebola na República Democrática do Congo (18/05/2018).

Em todo o planeta, estamos em um front que expõe as vísceras de modelos carcomidos de desenvolvimento, neste período do Antropoceno, que não prezam a infraestrutura sanitária e da retaguarda da saúde pública que deveriam integrar o bem-estar equilibrado da saúde ambiental. Outro desprezo é pela conservação socioambiental, que é um pressuposto para o equilíbrio ecossistêmico e acima, de tudo, um teste para as políticas locais e geopolíticas elencar o que de fato é prioridade para o bem-estar socioeconômico.  Tudo isso tem um preço, que está saindo muito caro para a sociedade global. Entre os efeitos colaterais de toda esta espiral, está a recessão econômica em curso.

O que fica evidente é que ninguém escapa da possibilidade de ser acometido pelas complicações severas da doença, em qualquer idade, mas a maior vulnerabilidade é dos idosos, dos imunodeprimidos, dos cardiopatas, diabéticos e das pessoas com doenças pulmonares; e dos mais pobres, que não têm acesso a moradia, coleta e tratamento de esgoto e água tratada. É aí que entra um componente de peso neste processo, que é a necessidade urgente de empatia e compaixão pelo outro, independente de ser familiar ou não.

Ao mesmo tempo, nos impõe repensar o que devemos colocar de racionalidade na relação de produção e consumo de bens tangíveis e intangíveis e o quanto são importantes as nossas relações familiares e sociais, de uma maneira geral. Nestas fases de distanciamento social, isolamento e quarentena, é como se abrisse um vídeo mental sobre o que deixamos de lado e nos faz imensamente falta. Como podemos sair transformados de tudo isso?

Algumas recomendações, que por sinal, servem para qualquer outra situação de precauções,  permanecerão no nosso inconsciente coletivo como um sinal de alerta permanente: lavar as mãos com água e sabão; usar álcool em gel para a assepsia; água e água sanitária para a limpeza doméstica, ter etiqueta ao tossir e espirrar, priorizar equipamentos de proteção individual (EPI) aos que estão no front; respiradores e ventiladores nas UTIs… Medidas aparentemente óbvias, mas que estão sendo exaustivamente repetidas e que milhares têm dificuldade de cumprir, por falta de acesso à água e a todos estes insumos.

Este conjunto de circunstâncias nos faz pensar no coletivo de uma forma holística. Esta é mais uma oportunidade criada pela pandemia. Praticamente todos os 200 países do mundo estão sofrendo as consequências e veem a oportunidade e necessidade de auxílio mútuo no combate ao novo coronavírus, por meio de ajuda científica, tecnológica, médica, humanística, financeira…

As bolhas estão sendo furadas e vimos que o conceito de humanidade é muito maior que uma mera descrição no dicionário. Empreendedores a grandes empresas estão vendo o quanto faz sentido, agora, exercer a responsabilidade social em toda sua extensão.

O cidadão comum, por sua vez, seja em doações materiais e de cunho psicológico e emocional, por exemplo, batendo palmas ou cantando em suas sacadas, manifestam algum tipo de solidariedade em época de confinamento.  É o exercício da empatia em ação.

Da China e toda a Ásia, à Europa, às Américas, à África e à Oceania, está sendo traçada uma trajetória de imposição de medidas drásticas pelos diferentes governos, sem uma data certa para acabar. Algumas mais assertivas, outras mais tardias. O norte ético está sendo dado mais uma vez pela Ciência e pela Medicina, que enfrenta ainda o desafio de superar a ignorância de céticos.

Estamos no “olho do furacão”, muitas curvas ascendentes da doença à frente. A saúde psíquica e emocional de todos nós também merece atenção. Como não nos fragilizar e nos deprimir devido às mortes de milhares de pessoas na China, na Itália, na Espanha, no Irã e que aumenta dia a dia aqui no Brasil, entre outros países? Manter a sanidade nestes tempos cáusticos é uma tarefa constante. Ninguém será mais o mesmo, após esta pandemia. Isto é certo.

Novos medicamentos em teste, inúmeros estudos em andamento de vacinas seguras que provavelmente demorarão na casa de um ano a um ano e meio a serem definidas revelam mais uma vez o quanto a Ciência é imprescindível e não pode ser sucateada.

O que também é um fato interessante e positivo é que todos os tipos de especulações indevidas, neste período, estão sendo duramente rechaçadas. Querer ganhar sobre a tragédia humanitária, com preços abusivos, não tem espaço neste front. A palavra “ética” ganha maior expressividade neste contexto.

Sistemas tributários mais justos e pacotes de assistência financeira estão sendo imperiosos senão os mais vulneráveis serão colocados à mercê do perigo de dizimações em massa. Por isso, a taxação de grandes fortunas é um tema que volta à cena nesta crise também do modelo capitalista.

Seja como for, os tempos difíceis e que exigem de todos nós, a capacidade de resiliência, ainda perdurarão pós-pandemia. Este “chacoalhão” no planeta, com as quarentenas, está demonstrando que quando desaceleramos no desmatamento, na emissão de poluentes pelos combustíveis fósseis, o meio ambiente começa a se regenerar. Há uma melhoria literalmente do clima. Mas com certeza ninguém quer que isso aconteça por causa de uma pandemia, mas da conscientização. Talvez este seja o legado após esta crise pela qual passamos.

*Sucena Shkrada Resk – jornalista, formada há 28 anos, pela PUC-SP, com especializações lato sensu em Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional, pela FESPSP, e autora do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk (https://www.cidadaosdomundo.webnode.com), desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e sustentabilidade.

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