Opinião

Sergio Moro: filme mostra parcialidade e manipulação

Por Maria Helena Malta, jornalista – Especial para Plurale – 

Resenha da jornalista Maria Helena Malta. Documentário tem 73 minutos de duração e narração dos próprios jornalistas Luís Nassif e Marcelo Auler (do Blog Marcelo Auler Repórter).

Luis Nassif – jornalista

Estarrecedor. É o mínimo que se pode dizer do recém-lançado documentário Sergio Moro: A construção de um juiz acima da leida TVGGN (www.youtube.com/tvggn), com 73 minutos de duração e narração dos próprios jornalistas Luís Nassif e Marcelo Auler (do Blog Marcelo Auler Repórter). As quase 150 páginas de reportagens ainda renderão um livro, fundamental neste momento de ataques ao Estado de Direito.

Marcelo Auler – jornalista

O vídeo faz uma radiografia minuciosa da vida de Sergio Moro, cujas manipulações da lei, sempre com o auxílio do colega Deltan Dallagnol, presidente da chamada “República de Curitiba”, acabaram, segundo juristas, violando o devido processo legal em vários casos, às vezes fazendo uso de mesquinharia e crueldade com advogados e réus. Mais: colocaram em xeque a democracia, ajudaram a levar à Presidência da República o capitão Jair Messias Bolsonaro e mergulharam o país numa crise política que dura até hoje.

Nascido e formado na pequena Maringá (PR) e pouco chegado a atividades culturais, como relatam Nassif e Auler, o já então juiz Sergio Moro passou por várias cidades paranaenses até chegar em Curitiba. Ali, bem antes da Lava Jato, especializou-se, como diz o advogado criminalista Michel Saliba, em arbitrariedade, parcialidade e na “construção artificial de competência”.

Jornalistas Luís Nassif e Marcelo Auler

(do Blog Marcelo Auler Repórter) ouviram vários juristas,

especialistas e vítimas de ações suspeitas de Moro.

Em 2002, sempre com a ajuda preciosa da mulher, Rosângela, sua ex-aluna de Direito Constitucional, foi alçado ao cargo de titular das Varas de Combate ao Crime de Lavagem de Dinheiro da capital do estado, onde parecia fazer o possível para atrapalhar o trabalho da defensoria. O advogado Cézar Bittencourt, representando seu cliente Rubens Catenacci, que estava preso, conta que esperou um dia inteiro, por quatro vezes, para obter um alvará de soltura, algo que normalmente sai em trinta minutos. E o feito só foi possível num sábado, quando, segundo ele, foi atendido pelo juiz substituto.

O vídeo mostra que, dez meses antes da Operação Lava Jato, alguns juízes do Supremo Tribunal Federal (STF) começaram a perceber as atitudes suspeitas de Moro, que o ministro Celso de Mello considerou vergonhosas, pois mostravam a conduta de “um juiz travestido de verdadeiro investigador”, executando atividades que seriam de outros, como o Ministério Público. Para Celso de Mello, ele comprometia o fair trial (julgamento justo), ao levar à obtenção de provas ilegais, desrespeitando o “direito fundamental de as pessoas serem julgadas por tribunais imparciais”.

Mas não houve maioria capaz de deter o juiz, àquela altura posando de justiceiro e já considerado uma espécie de “herói”. O advogado criminalista Michel Saliba, um dos mais jovens presidentes da subseção local da OAB, foi perseguido implacavelmente, por conta de um processo que envolvia uma cobrança de debêntures da Eletrobrás. O advogado, crítico ferrenho de Moro, foi preso duas vezes, embora não houvesse crime. Pior: o caso envolvendo Saliba era de competência civil, mas Moro fazia questão de mantê-lo em sua alçada. Levou quarenta dias para reconhecer a incompetência no caso e a inocência do réu, por exigência do TRF-4.

Foi assim, igualmente, com as acusações contra a família Rozenblum, onde Moro, segundo os autores, foi truculento e extrapolou todos os limites, levando a cabo, segundo Paulo Gallotti, ex-ministro do STJ, “uma verdadeira devassa”, ao acusar dois membros da família de agirem como doleiros. Foram necessários 15 anos para que os atos de Moro fossem tidos como heterodoxos. O juiz Ricardo Lewandowski chegou a dizer que “coisas muito estranhas aconteceram em Curitiba”.

Lavrador foi acusado de ter iate

Mas o ato mais abusivo e perverso de Sergio Moro ocorreu em 2013, em Irati (PR), quando ele mandou prender agricultores da Associação Assis, que reunia 120 famílias. A entidade era ligada ao Programa de Aquisição de Alimentos do governo federal e entregava mais de 100 toneladas de produtos orgânicos a escolas, creches e asilos. Um dos lavradores, Roberto Carlos dos Santos, de 46 anos, ficou preso por 48 dias, sob a patética alegação de que era proprietário, entre outras coisas, de um iate que estaria escondido em sua casa, portanto no meio do mato, a centenas de quilômetros do mar. Roberto, que não tinha dinheiro sequer para comprar um computador, como lembra o jornalista Marcelo Auler, chora ao recordar sua odisseia na cela da PF: “Eles me chamavam de chefe de quadrilha”. Enquanto isso, policiais chegavam ao ridículo de procurar o tal iate em sua casa e no terreno que a circundava. Tudo isso por causa de uma nota fiscal com um erro meramente burocrático. O lema de Moro, como ressalta Auler, era “primeiro prender, depois perguntar”.

Um colega de Roberto, Gelson Luiz de Paula, ex-presidente da Associação Assis, teve seu habeas corpus negado por cinco anos, isto é, até que Moro saiu para a Lava Jato e Gabriela Hardt, juíza auxiliar da 13ª Vara Federal, inocentou todos os acusados. Mas a vida dos agricultores jamais voltou ao normal: hoje em dia, eles são obrigados a vender alimentos de porta em porta.

Na Lava Jato, afirma o jornalista Luís Nassif, Sergio Moro uniu-se ao doleiro Alberto Youssef, que, como delator, acabou sendo um colaborador essencial. O hoje delegado da PF aposentado Gerson Machado descobriu mentiras, cúmplices e milhões em propinas recebidas por Youssef e seus acólitos, mas nenhum deles foi preso.

A escolha de Curitiba como quartel-general da Lava Jato não fazia o menor sentido, pois afrontava as regras elementares do Direito, já que, como lembra o procurador José Soares, a maioria esmagadora dos casos vinha de outros locais do país, como São Paulo e Brasília. Só isso transforma em fraude a distribuição dos processos, assim como a escolha do próprio Moro para conduzi-los.

Toda essa movimentação, inclusive as prisões preventivas que não obedeciam aos preceitos legais, tinha como um de seus fins principais, segundo vários juristas, acelerar os processos de desafetos, sobretudo os que envolviam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para vetar sua participação na eleição presidencial de 2018.

Advogados também reclamavam que Moro passava decisões à Imprensa antes de informar a defensoria. Para o experiente jornalista Mário Guimarães, ex-ombusdman da Folha de São Paulo, não houve jornalismo, houve propaganda. “E quando a propaganda sufoca a imprensa é uma tragédia.” Mais: “Qualquer juiz sério seria destituído por menos do que isso”, como ocorreu no caso de Baltasar Garzón (o mesmo que condenou Pinochet), por erros como escuta ilegal. Algumas conversas gravadas entre Moro e colegas procuradores só seriam conhecidas após a denúncia do jornal The Intercept que, segundo muitos, demonstrou a parcialidade do juiz. Não por acaso, Moro tentou retirar seu editor, Glenn Greenwald, do Brasil, onde é asilado político.

Mas não foi só. Moro, segundo os autores, também ajudou na defesa de Bolsonaro e seu filho e meteu-se até com o porteiro do caso Marielle, que teve de enfrentar questionamentos da Polícia Federal.

O advogado norte-americano Geoffrey Robertson, especialista em Direitos Humanos, afirma: “Você não pode ter um juiz que colhe provas, interroga, faz tudo, e depois vai julgar o caso. (…) É óbvio que Moro se envolveu na crise política brasileira.” E conclui: “Vai entrar na História como um juiz muito desleixado com os réus.” (#Plurale/#Envolverde)