As metodologias de mensuração e relato de emissões corporativas de gases de efeito estufa usualmente classificam as emissões em diferentes escopos. A mais utilizada delas, o GHG Corporate Accounting and Reporting Standards, as divide em três: o Escopo 1 refere-se às emissões diretas e que estão sob o estrito controle decisório e operacional da organização; o Escopo 2 refere-se às emissões indiretas relacionadas à importação de energia de processo (elétrica, calorífica); e o Escopo 3 abrange as emissões que independem totalmente da organização, isto é, as que ocorrem além dos limites organizacionais de uma determinada empresa inventariante, mas dentro da sua cadeia de valor.
Há no mundo diversas iniciativas voluntárias por meio das quais as empresas e organizações tornam públicos os seus relatórios corporativos de emissões como parte da estratégia de gestão do negócio e de comunicação do resultado de suas políticas de sustentabilidade. Entre elas estão o Carbon Disclosure Project e os programas nacionais de registro de emissões criados sob a inspiração ou em parceria com o World Resources Institute, como o Programa Brasileiro GHG Protocol. Essas iniciativas reúnem centenas de grandes e médias empresas, nacionais e transnacionais, cujas emissões respondem, entretanto, por um percentual ainda restrito das emissões domésticas das regiões em que atuam.
No caso do Programa Brasileiro, as emissões relatadas correspondem a quase um quarto das emissões nacionais, descontadas as emissões por Uso e Mudança do Uso do Solo. Ou seja: parte das empresas adotou a metodologia e paulatinamente a incorpora como ferramenta de gestão de suas emissões. Isso está em linha com a tendência do ambiente regulatório brasileiro de exigir o relato de emissões em bases anuais como etapa necessária à consolidação de um sistema de mensuração, relato e verificação (MRV) de alcance nacional na agenda de baixo carbono. A regulação federal se fez introduzir principalmente pelo Plano de Mitigação de Emissões de Gases de Efeito Estufa da Indústria da Transformação, produzido pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, enquanto que os estaduais encontram pioneirismo e proeminência nas resoluções da CETESB e do INEA tomadas desde 2012, nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, respectivamente.
Mas a elevação dos critérios de conformidade no contexto da ampliação dos requisitos regulatórios da agenda de baixo carbono, em paralelo com o maior engajamento das empresas, tanto voluntariamente quanto por obrigação legal, enseja aqui uma análise objetiva da pertinência do Escopo 3, nas suas 15 categorias, como representativo da responsabilidade da empresa que já relata seus Escopos 1 e 2 satisfatoriamente. Essas categorias abarcam as atividades ao longo de toda a cadeia de valor da empresa: deslocamento de funcionários, viagens a trabalho, bens e serviços contratados ou comprados, uso e tratamento de fim de vida dos produtos vendidos e mesmo as franquias da empresa inventariante.
Com efeito, a grande maioria das empresas que atualmente relatam suas emissões indiretas incluem ao menos uma fonte de Escopo 3, principalmente aquelas devidas a viagens de negócios. Emissões indiretas relacionadas à cadeia de suprimentos ou ao uso e disposição final de seus produtos também são relatadas. Em contextos de pouca ou nenhuma regulação, faz sentido responsabilizar-se em termos apenas relativos por emissões indiretas de Escopo 3 porque fazê-lo é uma consequência da abordagem voluntária da empresa em relação à agenda climática, bem como pode ser uma etapa posterior ao cumprimento de metas de redução interna no conjunto de suas operações. O esforço de gestão dessas emissões visa a coletar e interpretar dados sensíveis à consecução de resultados estratégicos dentro da tomada de decisão corporativa. Porém, observa-se que se relatam apenas as categorias mais palpáveis.
Conhecer o Escopo 3 e manter algum grau de controle sobre ele pode dar à empresa maior inteligência ao abordar os seus sistemas de gestão. Todavia, há que se restringir essa abordagem às categorias de fontes mais relevantes no concernente à eficiência do negócio. Tenhamos como exemplo as empresas que têm a maior parte de suas emissões no Escopo 3 devido às atividades de transporte e distribuição de seus produtos ou serviços. Essas empresas podem solicitar a seus fornecedores que informem regularmente dados como: tipo, quantidade e fatores de emissão dos combustíveis utilizados, tipo de tecnologia dos motores e o seu rendimento, capacidade de carga e outros fatores relacionados a transporte. Por quê? Porque, a bem da verdade, as categorias implicam relato de fontes com dados de difícil apreensão e alta amplitude de erros. Com base no uso parcimonioso de categorias, a performance ambiental desses fornecedores pode então ser avaliada vis-à-vis os indicadores em questão e ser devidamente classificada. Com isso se estabelecem critérios razoáveis, dentro do possível, para identificar fornecedores que operam com maior eficiência e que buscam aperfeiçoá-la dentro das métricas adotadas. Fica claro neste caso como o Escopo 3 pode ser bastante útil como ferramenta de gestão em contexto não regulado.
Entretanto, considere-se o caso em que a totalidade das empresas está sujeita à regulação, o que seria um cenário futuro desejado em termos de abrangência do MRV em construção, por aqueles que o propugnam – todas as grandes, pequenas e médias empresas, dentro da cadeia de fornecimento e fora dela, em todos os setores relevantes, são obrigadas a relatar suas emissões em um primeiro momento. Qual o sentido de uma dessas empresas responsabilizar-se diretamente por emissões indiretas no seu supply chain se cada fornecedor estará igualmente obrigado a mensurar e relatar suas próprias emissões, dentro de seu setor? O Escopo 3 de uma empresa naturalmente tenderá a ser um somatório das emissões de Escopos 1 e 2 de cada um de seus fornecedores durante o processo de consolidação do MRV.
Com isso enfatizo que talvez demasiada ênfase esteja sendo dada ao relato de categorias limitadas do Escopo 3, o que pode se operar em detrimento de reduções efetivas do Escopo 1. Configura-se uma miríade desnecessária de relatórios de fontes muito difíceis de controlar, com dados dificilmente obteníveis, implicando superposição de contagens. Mais eficiente seria focar no Escopo 1 à medida que o ambiente regulatório fosse se consolidando e, assim, trazendo todo o universo de empresas a mensurar as suas emissões diretas. Entendo que seria o desejável, haja vista o pressuposto de conferir as devidas responsabilidades individuais a cada empresa. Entendo que nesta abordagem, ao menos em tese, todas as emissões diretamente controláveis do universo de empresas sujeitas à regulação seriam mensuradas e relatadas por seus responsáveis diretos.
Isso eliminaria a necessidade de despender muitas horas de consultoria na identificação de dados, métricas e abordagens para fontes de emissão complexas e que, afinal, estão absolutamente fora do controle da empresa-topo da cadeia de produção. A regulação deve ser inteligente e trabalhar a favor dos consumidores e das empresas, nas quais estão os espaços e a capacidade para operar as inflexões necessárias na direção da sustentabilidade.
* Silneiton Favero é consultor sênior em Sustentabilidade ([email protected]).