Internacional

Jornalismo, profissão de risco no Sudão

A imprensa do Sudão sofre uma dura repressão por parte do governo. Foto: IPS
A imprensa do Sudão sofre uma dura repressão por parte do governo. Foto: IPS

Por Moyiga Nduru, da IPS – 

Juba, Sudão do Sul, 1/4/2016 – No Sudão basta um simples telefonema de um descontente funcionário da área de segurança para fechar um jornal. Os agentes costumam empregar métodos abusivos como invadir as oficinas de um jornal e confiscar uma tiragem à vista de todos, sem motivo algum e com total impunidade. A questionada lei de segurança de 2010 habilita os agentes a agirem dessa forma.

O último jornalista a cair nas redes dos Serviços de Segurança e Inteligência Nacional (NISS) foi Faisal Mohamed Salih, que já havia sido vítima de seus métodos. Segundo ele, os agentes o impediram de viajar à Grã-Bretanha no dia 25 de março,no Aeroporto Internacional de Cartum, no Sudão. “Disseram que meu nome estava em uma lista de pessoas proibidas de viajar e confiscaram meu passaporte”, contou em sua página no Facebook quando o impediram de embarcar.

Crítico implacável do regime islâmico, Salih ganhou o Prêmio Peter Mackler por suas corajosas coberturas jornalistas étnicas em 2013. Sua experiência não é mais do que a ponta do iceberg,num país onde os profissionais da imprensa e os meios de comunicação são constantes alvos de ataques. Al-Ayam, Al-Mustaqilla e Al-Sudani são os últimos diários a sofrer a ação das agências de segurança.

Em uma das invasões mais descaradas, agentes de segurança aproveitaram a escuridão das primeiras horas do dia para entrar em uma oficina no dia 15 de março e confiscar 20 mil cópias do jornal Al-Sudani, sem nenhuma explicação.Fontes do jornal disseram que as perdas pela invasão chegaram a US$ 5,8 mil. Essas ações prejudicam economicamente os meios de imprensa e impedem que a população leia o que as autoridades desejam manter em segredo, segundo denúncia de profissionais e organizações do setor.

A invasão doAl-Sudaniem Cartum ocorreu enquanto jornalistas doAl Tayar, outro jornal fechado desde dezembro de 2015, realizavam uma greve de fome para obrigar as autoridades do país a permitir que reiniciassem seu trabalho. “As greves de fome podem funcionar no Ocidente, onde o fantasma de tal medida é uma carga pesada para a consciência da sociedade. Mas no Sudão podem ser consideradas anormais e contrárias ao Islã”, explicou à IPS Victor KeriWani,, autor de Mass Media in Sudan, Experience ofthe South 1940-2005 (Meios de Massa no Sudão. Experiência do Sul de 1940 a 2005).

“Talvez, só as organizações de direitos humanos, os amigos e os familiares simpatizem com eles, mas não o governo”, acrescentouWani.Além disso, essa não foi a primeira vez que o Al-Tayar, crítico do regime sudanês, foi fechado por agentes de segurança desde seu início, em 2009. A organização internacional Repórteres Sem Fronteiras (RSF), que defende a liberdade de imprensa, informou que oito edições do jornal foram confiscadas desde princípios de 2015, quatro delas somente em fevereiro desse ano.

A RSF também recordou que o jornal foi fechado brevemente em 2012, após denunciar que os NISS utilizaram dispositivos eletrônicos ilegais para espionar a oposição. Nessa mesma edição, oAl-Tayarmexeu no vespeiro de algumas personalidades poderosas, ao denunciar a corrupção dos governos locais. A RSF registrou 35 edições apreendidas em 2014. Nunca passa uma semana sem que confisquem uma tiragem ou fechem o diário por algum tempo.

“Os meios de comunicação no Sudão sofrem uma dura censura e um férreo controle por parte dos órgãos de segurança”, destacou à IPS o professor William Hai Zaza, chefe do Departamento de Comunicações da Universidade de Juba.Os problemas entre os meios de comunicação e os órgãos de segurança começaram quando a junta, encabeçada por Omar al-Bashir, deu um golpe militar no governo civil, em junho de 1989, e criou publicações favoráveis para promover sua visão do Islã e do arabismo.

Os jornalistas que discordavam da visão da junta acabaram na prisão ou tiveram que deixar o país. “É permitido aos jornais um limitado espaço para publicar uma breve crítica ao governo, o que as autoridades usam para demonstrar seu compromisso com a liberdade de expressão”, apontouZaza. “Pedimos a reabertura do Al-Tayar para que possa continuar com seu trabalho jornalístico”, afirmou Clea Khan-Sriber, diretora do escritório da RSF para a África, em um comunicado que se encontra em sua página na internet.

No começo da década de 2000, os jornalistas sudaneses temiam que os órgãos de segurança estivessem empenhados em eliminá-los, após um episódio ocorrido em 2006, quando homens armados sequestraram e decapitaram Mohamed Taha, chefe de edição do jornal Al-Wifag, em um episódio que atemorizou a comunidade jornalística em Cartum. Esse crime continua impune em uma cidade conhecida por sua hermética rede de segurança.

A jornalista Lubna Mohamed al Hussein, cujo caso atraiu a atenção internacional em 2009, foi detida e multada por usar calça comprida, proibida para as mulheres pela lei de decência do Sudão. Às vezes, os problemas locais costumam atentar contra a lealdade dos jornalistas oficialistas, o que os coloca em situações complicadas.

“Por exemplo, a população próxima à represa de Katjabas, no norte do país, sempre protesta contra a obra. Se você é um jornalista da região, certamente, se sensibilizará com a situação, publicará um artigo que levará ao fechamento do jornal”, pontuouWani.Por essa razão, numerosas emissoras de rádio FM de Cartum optam por um conteúdo voltado ao entretenimento ou aos esportes 24 horas por dia. Os agentes de segurança, que não prestam muita atenção, consideram que não são conteúdos tão sensíveis.

“O jornalismo é uma profissão perigosa no Sudão e os profissionais do setor devem proteger suas vidas”, ressaltou Zaza. Em 2015, o Sudão figurou em 174º lugar, entre 180 países, em um índice de liberdade de imprensa elaborado pela RSF. Os especialistas não veem uma luz no fim do túnel parao jornalismo sudanês. “O espaço da mídia não se abrirá enquanto os islâmicos continuarem no poder no Sudão”, lamentou Wani.

“A repressão contra a imprensa não acabará logo. Vai demorar algum tempo”, concordou Zaza.Frequentemente, os agentes empregam perigosas estratégias de extorsão para assustar os jornalistas, como acusá-los de serem espiões israelenses, agentes do Mosad (serviço secreto de Israel) ou da norte-americana CIA, um eufemismo para traidor, que nesse país se pune com a pena de morte, ressaltou. Envolverde/IPS