Feijão com arroz e inflação

O governo Dilma vai entrar em seu segundo ano com um problema para o qual as soluções são esdrúxulas ou incompatíveis entre si. Dilma e seus economistas pretendem:

1) Acelerar o ritmo de crescimento dos 3% e pouco deste 2011 para pelo menos 4% em 2012;

2) Acelerar num ano em que o crescimento da economia mundial tende a ser menor que o de 2011;

Os instrumentos de que dispõem (Banco Central inclusive) são:

1) Baixar a taxa de juros. Provavelmente teriam de fazê-lo a velocidade maior que a atual. Ou pelo menos o BC na sexta-feira (11) deu um indício de que parece necessário relaxar mais o crédito. Tomou medidas para aumentar a quantidade de dinheiro disponível para empréstimos dirigidos a pessoas físicas, além de não reduzir o prazo de rolagem de dívida de cartão de crédito;

2) Retomar o investimento (em “obras”), o grande item do Orçamento que mais sofreu com a contenção do gasto público este ano.

Não há empecilho para tomar tais medidas desde que:

1) O governo encare com paz de espírito, digamos, a possibilidade de que a inflação (IPCA) ainda esteja lá pela casa de 5,5% em meados do ano. Mesmo no presente ritmo da economia, essas são as projeções mais razoáveis para alta de preços em 12 meses. Projeção é apenas isso, um chute informado. Mas é o que temos. De resto, se a economia voltar a acelerar, como quer o governo, não realimenta a inflação?;

2) O governo tenha cartas na manga que tornem compatível tal expansão do gasto com um superavit fiscal adequado, tanto para reduzir a dívida como para não esquentar ainda mais a inflação.

Ou seja, o governo depende de mágicas e milagres e “sortes” tais como uma queda de preços pelo mundo. Mas preços em baixa seriam, em tese, resultado de um desaquecimento mais forte da economia mundial, com o que voltamos ao primeiro parágrafo desta enumeração: como crescer num mundo em baixa forte?

Recorde-se: o governo pretende retomar investimentos, vai conceder isenções de impostos, vai gastar mais com Previdência (dado o aumento do salário mínimo), deve encarar uma redução do superavit de Estados e municípios (ano eleitoral) e talvez não tenha uma arrecadação de impostos tão boa, etc.

Em suma, à base de uma política econômica “feijão com arroz” (juro menor, gasto maior) em tese é possível aumentar o ritmo da atividade econômica, excetuada a hipótese de explosão de uma bomba nuclear financeira na Europa. Mas o feijão vai estar aguado de inflação.

Convém lembrar também que a economia brasileira ainda é favorecida pelas boas condições de financiamento externo e pela relativa calmaria cambial, apesar do susto recente. O investimento estrangeiro direto é enorme, o superavit comercial é excelente para um mundo em crise e a bagunça europeia não redundou em seca de crédito internacional. Até agora.

Enfim, o governo vai estar por mais um ano envolvido com a administração quase cotidiana do tumulto econômico. Não está à vista medida maior e de longo prazo, “reformas” (nem precisam ser as “liberais”), que abra a perspectiva de um crescimento estável, o que também acaba tendo efeito positivo no presente: é só arroz com feijão.

* Vinicius Torres Freire é jornalista.

** Publicado originalmente pelo no jornal Folha de S.Paulo e retirado do site IHU On-Line.