Rene Silva dos Santos, blogueiro e editor de jornal da Voz da Comunidade

Rene Silva dos Santos, de apenas 17 anos, já tem vida de gente grande. Num lugar marcado pela pobreza e pela violência, o morador do Conjunto de Favelas do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro, é uma “semente do bem”, capaz de fazer a diferença. Com apenas 11 anos, ele deu voz ao Jornal Voz da Comunidade e ficou conhecido no mundo inteiro.

E, o que no início era apenas uma brincadeira de criança, tornou-se coisa séria. Com cinco anos de existência, o jornal do “garoto prodígio”, que conta com ajuda de quatro amigos, ganhou notoriedade com a invasão do Complexo do Alemão.

O Twitter (@vozdacomunidade) que antes tinha pouco mais de dois mil seguidores pulou para mais de 40 mil seguidores em pouquíssimos dias. A redação que era improvisada na casa da avó ganhou um novo local reformado pelo apresentador de televisão Luciano Huck, com direito a glass studio e nova logomarca.

O xodó da avó Nanci, de 57 anos, contou em entrevista exclusiva à Plurale em Revista sobre seu trabalho dentro da comunidade e os problemas que os moradores enfrentam. O processo de pacificação no conjunto de comunidades ainda está apenas começando. Ele conta que já melhorou muito a vida por ali, mas espera ainda mais investimentos em Saúde e Educação para realmente mudar de vez o cenário não só para si e sua família, mas para toda a comunidade.

O jovem assegura que nunca sofreu pressão do tráfico de drogas no seu trabalho, mas é realista ao enfrentar esta dura realidade: “o tráfico de drogas não vai acabar em nenhum lugar do mundo”.

Muito comunicativo, bem informado e – acima de tudo carismático –, o jovem tem seus ídolos. Se emociona ao contar a ajuda de “padrinhos” famosos, como a novelista Glória Perez e José Júnior, fundador do Afroreggae, além de Luciano Huck e agora uma verdadeira legião de fãs. Mas ainda sonha ter a chance de entrevistar um dos homens mais ricos do mundo, o empresário brasileiro Eike Batista. E também em aumentar a tiragem do jornal e torná-lo colorido. Seu maior sonho é mesmo viver em um Brasil mais justo e igualitário. “O futuro já é hoje.” Com vocês, Rene.

Plurale em Revista – De onde surgiu a ideia de criar o jornal?

Rene Silva dos Santos – Quando tinha 11 de idade, participei de um jornal escolar, que na época foi criado pelo Grêmio Estudantil, pedi à diretora para participar deste jornal escolar, ela autorizou e na hora comecei a trabalhar com a equipe que já existia. Aprendi a usar o computador nesta escola, que é a Escola Municipal Alcide Gasperi, localizada em Higienópolis (zona norte do Rio). Estudei a 5ª série nesta escola. Falei com a diretora, dois meses depois, que queria criar um jornal pra minha comunidade, com notícias sobre o que acontecia lá, ela me deu apoio e começou a fazer as xerox, com o material da escola mesmo.

Plurale – E, desde a criação, o jornal já tinha esse nome?

Rene – Sim, quando criei o jornal era chamado de Voz da Comunidade, que eu estava conversando com amigos na rua pra decidir o nome do jornal, porque o da escola se chamava Jornal VIP.

Plurale – O que te fez criar um jornal voltado para a sua comunidade?

Rene – Pensar que ainda há esperança, que as coisas podem acontecer aqui onde eu moro, quando na época não existia nenhuma obra do governo, como tem agora, estas do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

Plurale – Você sentia carência de um jornal sobre a comunidade? Um veículo que falasse dos temas nos quais a grande mídia não conta?

Rene – Na verdade, minha ideia era fazer com que a comunidade tivesse voz e pudesse se expressar, falar dos problemas sociais, asfaltos, saneamento básico, etc.

Plurale – Acredita que vem conseguindo concretizar essa sua ideia?

Rene – Sim, bastante. A comunidade tem voz, tem vez de falar o que for necessário.

Plurale – Voltando um pouco atrás, olhando esta história desde o início, quando criou o jornal, você sofreu resistência por parte da sua família?

Rene – Sim, minha família reclamava muito porque eu andava por todas as ruas da comunidade, quando saía da escola, nem passava em casa e acabava chegando tarde.

Plurale – Em que esse seu projeto ajudou e pode ajudar ainda mais a comunidade do Alemão?

Rene – Ajuda a resolver os problemas como ruas cheias de buracos, comunidade sem energia ou água, poste caindo. Isto tudo é noticiado e depois é cobrado das autoridades e, na maioria das vezes, conseguimos resolver.

Plurale – Você se lembra de algum caso em que o jornal ajudou a comunidade e que tenha te marcado, te emocionado?

Rene – Sim, um deles foi quando conseguimos resolver recentemente o problema de buracos na Rua Pedro Avelino. Os moradores haviam me cobrado pra fazer uma matéria sobre o problema. A Associação já estava sabendo do problema, mas não conseguiu solucionar! Ligamos para a Prefeitura (para a Secretaria de Conservação do Rio de Janeiro) enquanto estávamos fazendo a matéria e no outro dia, uma equipe já estava no local avaliando e já começaram os trabalhos. Foi muito rápido e a comunidade, adorou!

Plurale – Sei que é um tema difícil, delicado, mas você já sofreu pressão do tráfico ou de pessoas da comunidade no conteúdo do jornal?

Rene – Não, nunca.

Plurale- O Júnior, do Afroreggae, foi importante para o jornal e para você?

Rene – Sim, ele tem nos dado muita força pra falar com pessoas importantes e fechar patrocínios com grandes empresas. Mas temos tido muitas outras ajudas, como do Luciano Huck e de tantos outros.

Plurale – Além do Afroreggae e do Luciano Huck quem mais tem sido padrinho ou madrinha da Voz da Comunidade?

Rene – A Glória Perez nos apoia bastante pelo Twitter, Preta Gil também já fez uma ação conosco, e os comerciantes locais, lógico, que sempre dão todo apoio e patrocínio que preciso. Tem também a Tim que me deu um iPhone 3G, e paga minha conta mensal. Eles têm fechado até o momento um contrato de um ano de propaganda no jornal Voz da Comunidade, porém ainda não fechamos o de patrocínio de exclusividade.

Plurale – O Complexo do Alemão passou a ser conhecido nacional e globalmente depois de todo o destaque que a mídia deu para a invasão pelas tropas policiais, mais tarde pelo processo de pacificação. Qual é a sua opinião, como um morador, alguém que nasceu aqui: o que ainda falta para a comunidade? Empregos? Escolas? Rede de saúde?

Rene – Os maiores problemas são ainda na educação e na saúde. Precisamos urgentemente de mais investimentos em educação. Dentro da comunidade existem oito escolas, mas o ensino não chega a ser tão rigoroso. Aliás, em todo o Rio de Janeiro, o ensino nas escolas públicas é diferente do das escolas privadas. Acho que isso poderia mudar, e logo. E na área da saúde, a Prefeitura instalou uma Unidade de Pronto Atendimento 24h, conhecida mais como UPA 24H. Sendo que, aqui na comunidade, não funciona muito. As pessoas reclamam bastante do péssimo serviço prestado à comunidade. Já fizemos até matéria reclamando do funcionamento desta UPA, mas o problema continua.

Plurale – Como você consegue conciliar o estudo com o jornal, o blog e o Twitter?

Rene – Eu sempre procuro colocar minha agenda de acordo com o horário escolar, tudo que faço é de acordo com os compromissos da escola, inclusive os trabalhos para entregar aos professores. Sei separar bastante as coisas, quando é pra trabalhar e quando é pra estudar. Conto com a ajuda de quatro integrantes neste momento: Gabriela Santos, que é redatora, Débora Mendes, que só tem 11 anos e é nossa repórter mascote, assim como o Jackson Alves, que tem 13 anos, e meu irmão Renato Moura, de 14 anos, também participa.

Plurale – Você se vê como uma jovem liderança? Se considera um exemplo para outros jovens de comunidades?

Rene – Sim, acho que hoje em dia sirvo de exemplo para os jovens da comunidade. Muitos deles se espelham no meu trabalho e tentam até me ajudar de alguma forma, seja contribuindo com notícias pro jornal ou com alguma ajuda que eu estiver precisando. Enfim, a comunidade me reconhece como um jovem de bem.

Plurale – Quais são os sonhos que você realizou com o seu trabalho?

Rene – Conheci várias redações de jornais, de TV, pessoas importantes, pessoas humildes, e acho que realizei meu maior sonho, que era conhecer esses lugares.

Plurale – E qual sonho você ainda não conseguiu realizar, mas tem muita vontade?

Rene – Está faltando no meu currículo agora apenas uma entrevista com o Eike Batista! Mas já está quase marcada também. Além disso, tenho o sonho de fazer faculdade de jornalismo. Inclusive, já tenho bolsa de estudos na Estácio de Sá. Agora é só continuar estudando, me dedicando e seguir em frente.

Plurale – Na sua opinião, qual foi a importância do Twitter para a divulgação do Jornal?

Rene – Foi muito importante, porque por meio dele mostramos diversos talentos que nossa comunidade tem, e não são reconhecidos.

Plurale – Algum dia imaginou que o resultado desse seu trabalho chegasse tão longe?

Rene – Não, na verdade era tudo uma brincadeira no início, nunca imaginei que fosse se tornar uma coisa tão boa para todos nós.

Plurale – Se tivesse oportunidade, se mudaria do Complexo do Alemão?

Rene – Talvez, eu gosto muito da minha comunidade, mas se eu tiver condições de viver melhor, eu saio da comunidade. Mas não vou deixar de visitar meus amigos.

Plurale – Acredita que é possível o Rio ser totalmente pacificado?

Rene – Pode ser que sim, mas acredito que o tráfico de drogas não vai acabar em nenhum lugar do mundo.

Plurale – Na sua opinião, o Brasil tem futuro ou o futuro já chegou?

Rene – O futuro já começou!

Plurale – Quais são os seus próximos projetos e planos?

Rene – Tenho várias ideias em mente. Mas uma delas já posso falar que será aumentar o número de exemplares para cinco mil, já que atualmente circulam apenas dois mil. E também transformar o jornal de preto-e-branco para a cores. Também organizei a Colônia de Férias do Alemão, que começou no dia 27 de janeiro. Foram 200 crianças inscritas durante esta semana que participaram de diversas atividades aqui na comunidade, passeios, e tivemos um show pra encerrar a colônia.

* Publicado originalmente no site da Plurale.