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O câncer esvazia os bolsos das famílias cubanas

Pacientes em uma sessão de quimioterapia no Hospital Civil da província de Cienfuegos, Cuba. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
Pacientes em uma sessão de quimioterapia no Hospital Civil da província de Cienfuegos, Cuba. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

 

Havana, Cuba, 8/11/2913 – A débil economia das famílias cubanas é colocada à prova quando o câncer alcança um de seus membros. Apenas as estendidas redes de apoio atenuam o impacto monetário da doença, que em 2012 passou a ser a primeira causa de mortes nesta ilha do Caribe.

“O mais caro é a dieta. É preciso comprar frutas, vegetais, frango e pescado, que são caros e se consegue pouco”, disse à IPS Adolfo (nome fictício), que mudou quatro vezes de emprego para apoiar sua mulher em uma luta de 11 anos contra o câncer, finalmente perdida em setembro. “Um dia gastei todo o salário de uma quinzena em frutas e vegetais. Quando coloquei a mão no bolso para comprar carne, não me restava nada”, contou Adolfo, de 61 anos.

Em Cuba o sistema de saúde é público e gratuito, e as cirurgias, consultas especializadas e tratamentos como a quimioterapia são garantidos. Mas manter uma alimentação saudável, os traslados até os centros sanitários e o cuidado se convertem em uma carga que as famílias arrastam com enormes dificuldades.

Essa é uma das faces ocultas da enfermidade, que em 2012 provocou uma em cada quatro mortes nesse país de 11,2 milhões de habitantes, deslocando as doenças cardiovasculares como primeira causa de morte. O Ministério de Saúde Pública informa que atualmente são detectados cerca de 30 mil novos casos por ano, dois mil a mais do que em 2004, e antecipa que o número deverá subir para 35 mil até 2015.

Adolfo deixou um cargo de gerente em uma empresa estatal para se converter em motorista de uma entidade estrangeira que pagava um salário melhor e lhe dava flexibilidade de horário. Ele se considera com sorte por essa oportunidade, excepcional para os cubanos. O salário médio mensal equivale a US$ 19. Os alimentos são muito caros e as famílias devem dedicar a eles entre 70% e 90% de sua renda, segundo economistas locais.

“A cota da libreta (caderneta de racionamento, a preços subsidiados) e a dieta especial que recebe cada paciente são apenas um apoio”, explicou Adolfo. “Contratar um cuidador é quase impossível”, acrescentou esse membro de uma reduzida família, um modelo comum na sociedade cubana pela baixa fecundidade, de 1,69 filho por mulher.

O estudo intitulado O Planejamento do Controle do Câncer na América Latina e no Caribe, publicado em abril pela revista britânica The Lancet Oncology, estima que em 2009 a carga econômica da doença na região foi de US$ 4 bilhões, e está aumentando. Aos custos diretos dos cuidados médicos, o informe acrescenta os indiretos, como perda de dias de trabalho e de produtividade, entre outros.

O câncer e outras doenças não transmissíveis estão superando na região as infecciosas como a maior ameaça à saúde, diz o estudo. A incidência geral do câncer na América Latina, porém, é de 163 casos para cada cem mil habitantes, bem inferior à da União Europeia, com 264 casos para cem mil, e à dos Estados Unidos, com 400 para cem mil. Mas a relação mortalidade/incidência latino-americana é de 0,59% para todos os tipos de câncer, muito superior à da União Europeia, de 0,43%, e dos Estados Unidos, de 0,35%.

Além disso, antecipa-se que entre 2008 e 2020 os casos de tumores malignos aumentarão em 42% na região. Segundo a The Lancet, Cuba tem a sétima incidência de câncer da região e uma relação mortalidade/incidência superior à média latino-americana, com 0,63%, embora seja uma das nações do subcontinente que mais proporção de seu produto interno bruto investe na saúde pública: 9,7%.

Neste país que vive em crise econômica há mais de 20 anos, a solidariedade nos momentos difíceis é uma arma de sobrevivência coletiva. “Os familiares intermédios cuidam da manutenção porque os mais próximos têm de cuidar do doente”, afirmou Odania Hernández, que apoia sua irmã, operada de um tumor cérvico-uterino. Ela vive em uma localidade rural, a 268 quilômetros de Havana, onde “também os vizinhos ajudam muito”, contou à IPS.

Os moradores de zonas afastadas, como Odania, devem viajar para a capital, onde ficam os institutos que fazem os exames especializados. “Vamos lá a cada três meses e não paramos de gastar dinheiro”, contou essa dona de casa, ressaltando “a excelente qualidade dos serviços médicos” recebidos. Inclusive amigos que moram no exterior lhes enviam dinheiro para colaborar na luta contra o câncer, iniciada em 2011.

“Nós cubanos não perdemos a sensibilidade pela dor alheia”, disse a bióloga María Elena Herrera, na seção interativa Café 180 do site da IPS em Cuba. A diáspora cubana fica ativa diante dessas situações, assegurou. Só nos Estados Unidos vivem mais de 1,8 milhão de pessoas de origem cubana. Herrara também destacou o costume local de fazer “poninas” (coletas). Assim, vizinhos e amigos coletam alimentos, dinheiro e produtos escassos, como seringas e algodão, para entregar às famílias necessitadas.

“A indústria farmacêutica apoia na parte da dieta com produtos naturais que melhoram a qualidade de vida” dos pacientes, disse à IPS a médica Niudis Cruz, do estatal Grupo Empresarial Labiofam. “Quem tem tumores malignos deve evitar o estresse e levar uma vida saudável”, alertou esta funcionária do centro especializado em produtos naturais, incluindo novos tratamentos antitumores, em um país que aposta decididamente no setor biofarmacêutico.

Entre os principais fatores de risco em Cuba se destaca a mudança da dieta tradicional pela chamada “comida chatarra” (de baixa qualidade) e o consequente aumento da obesidade, que, em 2011, afetava 47,6% da população, contra 32% em 1995, segundo o Escritório Nacional de Estatísticas e Informação (Onei).

O consumo de tabaco diminuiu nos últimos anos, mas sua prevalência em 2010 ainda se mantinha em 23,7%. Além disso, segundo o Onei, se começa a fumar mais cedo, e no ano passado 9,7% dos fumantes ativos eram adolescentes. Outro fator determinante é o acelerado envelhecimento da população cubana. Atualmente, 18,3% dos habitantes têm mais de 60 anos. Envolverde/IPS