Bogotá, Colômbia, 16/12/2013 – Qual o melhor método de coleta de lixo em Bogotá? A resposta será dada mais adiante. No momento, a batalha pelo modelo internacional de Lixo Zero está por tirar do cargo Gustavo Petro, o prefeito de esquerda da capital. “É uma destituição arbitrária”, diz Nelson Rojas, trabalhador do Programa Lixo Zero da prefeitura. “Não sabemos o que pode acontecer daqui em diante”, disse à IPS na Praça de Bolívar, onde se concentram milhares de bogotanos em apoio ao prefeito.
Petro foi destituído no dia 9 deste mês e inabilitado por 15 anos para cargos públicos por três “faltas gravíssimas”, segundo a Procuradoria Geral da Nação (Ministério Público). Duas são falhas logísticas e outra por vulnerar “o princípio de liberdade de empresa”. A medida contra Petro pareceu definitiva, mas, após os protestos, juristas resgataram um artigo da Constituição pelo qual o prefeito de Bogotá só pode ser destituído pelo presidente, a pedido do procurador-geral.
Por trás da sanção está a decisão do prefeito de estatizar 63,15% do multimilionário negócio do lixo, que antes era compartilhado por quatro concessionárias privadas. Foi condenado porque entregou a coleta de lixo a empresas públicas supostamente sem experiência técnica, e por ter usado por seis meses caminhão basculante e não caminhão coletor, o que causou a morte de um trabalhador.
A cidade de oito milhões de habitantes é administrada como um Distrito Capital autônomo com 20 localidades. Há um ano, em 12 delas o serviço de limpeza está a cargo da Águas de Bogotá, filial da estatal Empresa de Aqueduto e Esgoto de Bogotá. O restante é operado por três dos consórcios privados. O dia 18 de dezembro de 2012 era a data limite para que a prefeitura cumprisse uma determinação do Tribunal Constitucional, que ordenou incluir na coleta em todo o país os recicladores organizados, “para conseguir condições reais de igualdade” para os que sobrevivem de resgatar material reciclável e vendê-lo.
Antecessores de Petro descumpriram uma sentença parecida de 2003, prorrogando os contratos das empresas privadas, donas exclusivas do lixo em seu setor. Na prática, os recicladores arranhavam marginalmente esse monopólio, escavando o resgatável de sacos de lixo que os bogotanos deixam na rua. Os concessionários, agora contratados, ganham por tonelada de lixo que entra no aterro sanitário Doña Juana, no sul de Bogotá, sistema que desestimula a reciclagem.
Petro assumiu em janeiro de 2012. Em seis meses conseguiu que o legislativo Conselho de Bogotá aprovasse seu plano de desenvolvimento, com o novo modelo de limpeza. Tratava-se de passar do sistema coleta-varrição-limpeza para o Lixo Zero: redução máxima da tonelagem mediante a separação na fonte dos resíduos, e aproveitamento máximo graças à reciclagem.
Um censo da prefeitura estabeleceu que havia cerca de 15 mil recicladores. Três mil foram empregados no Lixo Zero e o restante recebe por transportar os resíduos úteis para locais de armazenamento, enquanto antes se pagava às empresas. Assim se aumenta a vida do lixão e se incorpora um setor vulnerável ao negócio. Mas isso não convinha aos concessionários, que queriam uma nova licitação por sete anos, quando Petro tentava prorrogar os contratos enquanto afinava o novo sistema.
Na dura negociação, Petro falou em estatizar todo o sistema. Nisto se baseia o procurador-geral, o ultraconservador Alejandro Ordóñez, para argumentar a vulneração à livre empresa. Quando a administração compreendeu que não haveria acordo, inscreveu uma empresa distrital para a coleta desde a data limite de 18 de dezembro.
Em pouco mais de dois meses reconverteu a Águas de Bogotá, que recolhia lama e lixo das tubulações em caminhões basculantes tecnicamente preparados para transportar esse tipo de resíduos. O governo estava quase crucificado. Os concessionários não aceitaram devolver os caminhões coletores para a cidade. Não havia suficientes caminhões basculantes e a prefeitura estava limitada legalmente para adquirir novos ou adotar outras medidas antes de 18 de dezembro porque, oficialmente, ainda não havia emergência.
Três dias antes dessa data, o fluxo de lixo no aterro sanitário diminuiu, segundo medições da Unidade Administrativa Especial de Serviço Públicos de Bogotá. Na véspera começaram a aparecer montes de lixo nas ruas, que o distrito não podia recolher pois violaria o contrato de exclusividade dos privados. A prefeitura cuidou para que a partir do dia 18 não entrassem caminhões de contratados no aterro sanitário, porque configuraria uma prorrogação automática das concessões.
A prefeitura usou caminhão basculante para lixiviados e alugou coletores usados na cidade de Nova York. Esses demoraram semanas para chegar, mas o sistema se recuperou entre três e oito dias depois do dia 18, segundo a região da cidade. Petro negociou, por fim, que três consórcios seguissem operando sete localidades. O procurador considera que não era preciso estatizar para cumprir as ordens do Tribunal. A inclusão de milhares de recicladores significou fazer um censo, expedir uma carteira e promover a abertura de contas de poupança, processo ainda sem completar.
“O lixo rende muito dinheiro”, disse Rojas, em seu uniforme verde do Lixo Zero. “O prefeito quis favorecer uns e isso também deixa ao distrito um bom dinheiro. Os privados são contra porque se enriquecem com o lixo”, pontuou. “O procurador é aliado dos ricos e eles estão contra o programa de governo do prefeito”, acrescentou, enquanto se formava uma roda na Praça de Bolívar, onde Petro pediu que se manifestassem contra sua destituição.
“Os privados não dão trabalho às mulheres nem aos idosos”, disse. “É verdade”, gritaram três mulheres e um homem todos de macacão verde. “No Lixo Zero, 60% são mulheres. Elas são as que lideram a varrição das ruas da capital. Mais de três mil famílias ficarão sem sustento. Vamos levar adiante o Lixo Zero, vamos protestar por turnos de trabalho, porque aqui estamos em turnos”, afirmou outro manifestante.
Na Praça se reúnem há alguns dias milhares de pessoas. Do lado ocidental está o Palácio Liévano, sede da prefeitura. O ministro da Justiça, Alfonso Gómez Méndez, anunciou que o governo proporá uma reforma constitucional sobre a figura do procurador, cargo designado pelo parlamento, quase sem restrições e com cerca de 30 mil funcionários.
Enquanto isso, a Constituição permite que o procurador destitua funcionários eleitos por voto popular, que unicamente podem apelar na mesma instância. Só se prevalecer o artigo constitucional que deixaria o caso nas mãos do presidente Juan Manuel Santos, Petro poderá continuar na prefeitura em algumas semanas. Jorge Estrada de 37 anos e de macacão verde, segura um cartaz onde escreveu suas razões para não destituir o prefeito: “Por ter dignificado a condição trabalhista de recicladores”. “Por ter tirado o negócio do lixo da máfia de Bogotá”. Envolverde/IPS