Havana, Cuba, 24 de março de 2014 (Terramérica).- Chega-se ao povoado de Guanímar, na costa sudoeste de Cuba, por uma estrada tão estreita quanto o futuro de seus 252 habitantes, que resistem em abandonar esta região exposta a furacões, ondas enormes e inundações. “Sem a pesca a gente não saberia do que viver”, disse ao Terramérica com um gesto de angústia Maricela Pérez, de 63 anos que tem uma casa a poucos metros da praia.
“Não suportamos outro lugar. Somos nascidos e criados aqui”, afirmou Mayelín Hernández, dona de casa que retornou ao litoral após dois anos. Ela acrescentou que muitas famílias reassentadas pelo governo local em lugares seguros voltam para este assentamento de 152 casas pequenas e humildes, para continuarem pescando no Golfo de Batabanó, como fizeram seus antepassados.
“Fecham suas casas em Alquízar (município próximo, na província de Artemisa) e ficam mais tempo aqui, nos quimbos” (moradias precárias feitas com restos de demolição), conta a mulher de 41 anos, filha de pescadores. Ela deixou uma fazenda nove quilômetros terra adentro para regressar à praia.
O velho conflito entre abandonar tudo e resguardar a vida se reaviva com o novo ordenamento territorial que em Cuba está determinando as zonas para moradias, desenvolvimento econômico e manejo ou proteção especial, como a costa. Essa política, que neste ano passa para uma fase mais prática, busca reduzir ilegalidades urbanísticas e de uso da terra e atualizar os cadastros e planos de ordenamento dos 168 municípios cubanos.
Guanímar está em uma faixa costeira ao sul de Havana que, junto com a costa norte da capital, forma a área mais suscetível a inundações em razão de ciclones e ventos deste arquipélago encravado no Trópico de Câncer e no centro do Mar do Caribe, um corredor de frequentes tempestades tropicais.
Estima-se que até 2050 o mar em elevação terá coberto 2,3% do território nacional. Por isso, o ordenamento territorial dá ênfase aos 5.746 quilômetros de costa, incluindo a ilha da Juventude, e 2.500 rochedos à flor da água e ilhotas, e na aplicação de mais seis leis específicas, especialmente o decreto-lei 212 de Gestão da Zona Costeira, em vigor desde 2000.
São proibidas atividades que acelerem a erosão natural do terreno, ignorada durante séculos, como a construção e o uso de veículos automotores nas dunas, vias paralelas à linha da costa, muros rígidos e paredões, corte de mangues e introdução de espécies estrangeiras. Um exemplo da aplicação radical da lei é Holguín, 689 quilômetros a nordeste de Havana, onde floresce um polo turístico de sol e praias.
Até julho do ano passado as autoridades locais haviam derrubado 212 edificações estatais que estavam sobre as dunas. “Busca-se proteger o ambiente e ir realizando ações de adaptação à mudança climática”, explicou ao Terramérica o inspetor ambiental Yailer Sánchez, da estatal Unidade de Meio Ambiente. As construções privadas sobre a areia são a violação mais frequente do decreto-lei 212, segundo o inspetor. O objetivo das autoridades é eliminá-las e reassentá-las no prazo de dois anos.
Por se tratar de um tema delicado, o governo assegura que as 245 comunidades costeiras “têm um tratamento especial” nesse processo. Mas os ecos desse ordenamento territorial alteram a espessa calma que reina quase sempre em Guanímar, exceto nos quatro meses do verão, quando milhares de banhistas se refrescam em suas águas, chegam visitantes que ocupam todas as casas e o comércio ferve com vendas de pescado frito e outras comidas de preparação rápida.
“Esta é a melhor praia dos arredores”, afirmou Hernández. “Para que vamos mentir, não queremos partir. Corremos para medir quando as autoridades chegaram e disseram que iam retirar as pessoas com casas a 50 metros do mar. A minha está a 53 metros”, alegra-se. “Disseram que darão moradias fora daqui. Mas prefiro me retirar por causa do ciclone e voltar, como sempre”, disse o pescador Narciso Manuel Rodríguez, de 59 anos, dono de uma embarcação.
Ele sabe que a politida é reassentar os habitantes e não permitir que sejam construídas novas casas. Sua filha foi levada para Alquízar depois que o furacão Charley destruiu sua casa em 13 de agosto de 2004, bem como o grupo danificado em 2008 pelos furacões Gustav e Ike. Gustav “nos atingiu em cheio”, passou a uns quatro quilômetros da costa, recordou o pescador.
Em outubro de 1944, Guanímar sofreu uma das mais devastadoras penetrações do mar registradas em Cuba. Atingindo alturas de seis metros, a água entrou 12 quilômetros terra adentro. Quando há ameaça de furacão ou de grandes ondas, as 57 famílias que vivem na mesma praia carregam seus pertences, incluindo os animais, em transportes do governo local. “Nesses momentos se sente que o perigo é real”, pontuou o conselheiro (vereador) local, Ricardo Álvarez.
A população “sabe pouco dos problemas do ambiente. Não recebemos nem jornal”, afirmou Álvarez. É preciso dar mais informação às pessoas para fazê-las participar da tomada de decisões. “É preciso compreender que essas coisas chocam”, acrescentou. Por culpa do ordenamento também será retirada das dunas a loja estatal onde são vendidos produtos subsidiados da caderneta de racionamento. “Vão se perdendo os serviços”, lamentou o vereador.
A escola primária fechou há seis anos e não foi recuperado o hospital de fisioterapia à base de lama medicinal, que ficou devastado pelos ciclones de 2008. “As pessoas se acostumaram a conviver com o perigo e têm suas razões para permanecer em seu lugar”, ressaltou ao Terramérica a bióloga María Elena Perdomo. “É preciso um trabalho educativo, convencimento e, chegado o momento, a inclusão do legal”, sugeriu.
Um estudo da arquiteta Celene Milanés revela que, em 2012, entre 90% e 95% dos moradores entrevistados nos locais costeiros de Chivirico, Uvero e a cidade de Santiago de Cuba, no leste desconheciam o decreto-lei 212.
Os litorais marítimos acolhem 60% da população mundial, em risco pelo aumento do nível do mar. Mais de 180 países têm numerosas populações em zonas muito baixas enquanto as grandes cidades de 130 Estados estão localizadas a poucos quilômetros da costa. Envolverde/Terramérica
* A autora é correspondente da IPS.
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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação apoiado pelo Banco Mundial Latin America and Caribbean, realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.