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Porto Rico segue os passos de Grécia e Detroit

Integrantes da União de Trabalhadores da Indústria Elétrica e de Irrigação de Porto Rico protestam pedindo mais segurança no trabalho. O sindicato lidera a luta contra as privatizações e contra as impopulares medidas econômicas de emergência do governo. Foto: Cortesia de Photo Jam
Integrantes da União de Trabalhadores da Indústria Elétrica e de Irrigação de Porto Rico protestam pedindo mais segurança no trabalho. O sindicato lidera a luta contra as privatizações e contra as impopulares medidas econômicas de emergência do governo. Foto: Cortesia de Photo Jam

 

San Juan, Porto Rico, 24/4/2014 – A sociedade de Porto Rico sente como são sacudidas suas bases desde que as consultorias Standard & Poor’s e Moody’s rebaixaram a lixo, em fevereiro, a qualificação de seu risco creditício. Os problemas atuais “já têm muito tempo em desenvolvimento, incluindo anos de déficit, de sistema de previsões sem financiamento e de desequilíbrios orçamentários, além de sete anos de recessão econômica”, segundo a Moddy’s.

Localizado no Mar do Caribe, Porto Rico é um Estado livre associado aos Estados Unidos. Para pagar os serviços da dívida, o Poder Legislativo de Porto Rico está aprovando medidas às quais se opõem os sindicatos, com lançar mão do fundo de aposentadoria dos professores. No começo deste ano, foi adotada a Lei 160, que reformou essas aposentadorias.

Os sindicatos questionaram a lei na justiça. E, no dia 11 deste mês, a Suprema Corte de Justiça decidiu que algumas de suas disposições são inconstitucionais porque violam os contratos trabalhistas dos professores. Os sindicatos de docentes festejaram a sentença como uma vitória, embora a Corte tenha mantido outros artigos da lei que afetam pagamentos extraordinários no Natal, licenças de verão e benefícios médicos.

A crise fiscal é resultado do fracasso do modelo econômico de Porto Rico, segundo o sindicalista Luis Pedraza-Leduc. “Nosso modelo econômico, que consiste em fornecer mão de obra barata às indústrias farmacêutica e petroquímica e à manufatura leve, está esgotado”, afirmou à IPS. “Nas últimas décadas houve uma tendência mundial de reduzir ao mínimo a participação do Estado na economia”, acrescentou.

“Os que antes eram considerados serviços básicos a serem proporcionados pelo Estado, agora se convertem em mercadorias nas mãos de empresas privadas. Para não ter que reduzir esses serviços essenciais, o governo se endividou”, apontou Pedraza-Leduc, responsável pelo Programa de Solidariedade da União de Trabalhadores da Indústria Elétrica e de Irrigação e porta-voz da Coordenadoria Sindical, que reúne uma dezena de sindicatos.

Segundo dados do escritório do governador Alejandro García Padilla, do Partido Popular Democrático (PPD), a dívida pública chegou a US$ 10 bilhões em 1987, quando o PPD era governo, e alcançou os US$ 20 bilhões em 1998, durante a gestão de Pedro Rosselló, do Novo Partido Progressista. No governo de Sila María Calderón (2001-2005), do PPD, a dívida passou para US$ 30 bilhões. E ao concluir seu mandato em 2012, o governador Luis Fortuño, do mesmo partido, deixou Porto Rico com mais de US$ 60 bilhões de dívidas.

Pedraza-Leduc recordou que sucessivos governadores adotaram mais medidas neoliberais. “Rosselló privatizou a saúde, a companhia telefônica e a empresa de água. O governador Aníbal Acevedo Vilá (PPD, 2004-2007) criou o imposto sobre venda no varejo (IVU)”, detalhou o sindicalista. Fortuño demitiu mais de 30 mil funcionários públicos, e introduziu as “associações público-privadas”, que os sindicatos consideram esquemas de privatização mal disfarçados.

Ao iniciar seu mandato, em 2013, Padilla privatizou o aeroporto internacional de San Juan, e estuda novos impostos. A Constituição obriga o governo a pagar suas dívidas. “Para pagar os possuidores de bônus, o governo pode fechar escolas, reduzir o serviço diário do Trem Urbano e o sistema de emergência telefônica 911, além de congelar a contratação de funcionários públicos”, ressaltou Pedraza-Leduc. Também “considera reduzir as bonificações de Natal e os dias de licença por doença”, acrescentou.

Segundo a economista Martha Quiñones, da Universidade de Porto Rico, essa ilha experimenta “a mesma crise que a Grécia e Detroit”. Mas “aqui é mais ampla por nossa situação colonial. Nossa economia consistia em atrair corporações estrangeiras com mão de obra barata e incentivos fiscais”, um modelo “exógeno” e dependente de investimentos do exterior, disse à IPS.

“Não funcionou. Não foram criados empregos suficientes e os desempregados não pagam impostos. As empresas locais acabaram assumindo a carga tributária que foi exonerada das estrangeiras, então muitas tiveram que fechar. Não havia competição em condições de igualdade entre o capital nacional e o estrangeiro”, destacou Quiñones.

Para a economista, a sentença de morte foi decretada pelo Tratado de Livre Comércio da América do Norte (TLCAN), em vigor desde 1994, e outros acordos de liberalização comercial forjados pelos Estados Unidos, que baratearam ainda mais a mão de obra disponível em outras regiões e liquidaram a escassa vantagem comparativa de Porto Rico. Sucessivos governos tentaram compensar esses fracassos solicitando a Washington bônus de alimentos e seguro desemprego, além de outras formas de assistência social.

Também foram emitidos bônus, que levaram ao endividamento e à débâcle atual. A alternativa, para Quiñones, é um modelo econômico “endógeno”, que fortaleça as capacidades nacionais em lugar de olhar para fora para cobrir as necessidades. “O governo deve apoiar as empresas de capital local. Essas são as que criam empregos e pagam impostos”, afirmou.

“O governo também deve arrecadar o IVU, que a maioria dos comerciantes não está pagando. É preciso uma reforma tributária progressista, e os ricos que sonegarem impostos devem ir à justiça. É necessário começar investigando as empresas que só aceitam pagamentos em dinheiro e as pessoas que solicitam uma segunda hipoteca. Esses são sinais vermelhos muito óbvios”, afirmou a economista. Quiñones também disse que o sistema de saúde deve passar a ser de pagador único, “em lugar do ineficiente e insustentável que temos agora”.

Segundo Pedraza-Leduc, “os trabalhadores enfrentam três opções: podem emigrar, se resignar com a pobreza, ou sair às ruas para se organizar e lutar por justiça”. Contudo, admitiu, as perspectivas de uma luta popular são ao menos incertas porque “falta consciência de classe. Talvez não estejamos preparados para uma confrontação”, ponderou.

Para ele, a saída é a educação. “Proponho um projeto educacional, uma Escola Sindical que possa transcender os sindicatos e se diversificar em assuntos mais amplos, favorecendo, assim, a luta política”, afirmou. “E precisamos de um novo modelo, devemos falar concretamente de justiça e de uma distribuição equitativa da riqueza”, enfatizou.

“Será preciso reexaminar a relação de Porto Rico com os Estados Unidos. Nosso status atual não nos permite assinar acordos comerciais com outros países. Poderíamos estar associados a outras nações, e também obter petróleo mais barato da Venezuela. Mas assim não podemos”, concluiu Pedraza-Leduc. Envolverde/IPS