Sociedade

Falta apoio para vacina contra ebola em humanos

Vacina que protege chimpanzés do vírus existe, mas precisa de caros testes clínicos em humanos. Cientistas dizem que falta interesse em financiar a pesquisa

Maior dificuldade seria aplicar todas as doses necessárias para imunizar os chimpanzés selvagens. Foto: Johnwobert/Flickr
Maior dificuldade seria aplicar todas as doses necessárias para imunizar os chimpanzés selvagens. Foto: Johnwobert/Flickr

Existe pelo menos uma vacina que pode proteger organismos contra o vírus ebola. Mas talvez ela seja usada apenas para vacinar chimpanzés. Pesquisadores da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e do Centro de Pesquisa New Iberia, nos Estados Unidos, testaram a vacina em chimpanzés de cativeiro – e tiveram sucesso.

“É segura e induz a uma reação imunológica”, afirmam os pesquisadores em um artigo publicado no jornal científico Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). Isso quer dizer que a vacina induz a respostas do sistema imune que protegem os chimpanzés do vírus ebola.

“Se alguém me der algum dinheiro e eu tiver a permissão das pessoas em campo, poderia ir e vacinar os chimpanzés e gorilas selvagens amanhã mesmo”, afirma o pesquisador e principal autor do estudo Peter Walsh, em entrevista à DW. Ele também é o presidente da ONG Apes Incorporated.

Assim como nos humanos, o ebola é fatal para os macacos. Além da caça ilegal e da perda de territórios, o vírus agora representa um nova ameaça à sobrevivência dos gorilas e chimpanzés na África.

Dos macacos aos gorilas

A vacina é feita do envoltório proteico que envolve o vírus ebola. Como não se trata de um vírus funcional, ela não causa infecção. “Nós sabíamos que era seguro antes mesmo de termos usado”, garante Walsh. “A necessidade de fazer um teste da vacina era apenas para mostrar para as pessoas que têm medo da vacinação”.

O ponto fraco da vacina é que a proteína do vírus não se reproduz no organismo como um vírus vivo faz. Seriam necessárias diversas doses até que um chimpanzé adquirisse proteção suficiente, o que complica a vacinação de animais selvagens.

Walsh espera que a vacina também funcione em gorilas, mas isso ainda não foi testado. “Ela protege macacos contra a infecção pelo ebola. A resposta imunológica que os chimpanzés tiveram é muito similar à resposta imunológica que os macacos tiveram. Por isso, minha previsão é que ela não causará nenhum problema de saúde aos gorilas e terá uma resposta imunológica similar”.

De acordo com Walsh, a vacina também pode funcionar em humanos.

Testes humanos são muito caros

Para vacinar humanos é preciso ter uma licença. Para conseguir essa autorização, são necessários extensos testes clínicos, e isso pode ser bastante caro. Frequentemente, grandes companhias farmacêuticas financiam esse tipo de experimento. Mas isso é também parte do problema.

“Nenhuma empresa farmacêutica vai ganhar dinheiro desenvolvendo uma vacina contra o ebola, que afeta principalmente pessoas que vivem em vilas na África”, comenta o pesquisador.

Walsh diz que diferentes possíveis vacinas contra o ebola funcionam bem em macacos. Mas nenhuma delas foi até agora testada em humanos. “Se essa fosse uma doença de países desenvolvidos, haveria um mercado para o comércio do produto. Uma dessas vacinas seria licenciada para o mercado agora, sem dúvida. O dinheiro estaria lá”.

De acordo com a base de dados de pesquisa Pharmaprojects, uma plataforma online que reúne cerca de 30 mil fontes da área, nenhum de seus membros está atualmente trabalhando em testes clínicos para uma vacina contra o ebola. Entretanto, a plataforma mostra que várias empresas norte-americanas e europeias estão desenvolvendo projetos de vacina contra o vírus em fase de testes anterior à clinica, o que tende a ser bem menos dispendioso.

“O governo norte-americano pagará pesquisas com vacinas, especialmente vacinas contra ameaças terroristas, e o ebola é uma ameaça terrorista biológica”, afirma Walsh. Mas o governo não financia pesquisas clínicas por causa do seu enorme custo.

Vacinação sem licença

Existe, no entanto, pelo menos uma vacina conhecida que pode ser usada em humanos. Ela só foi testada em macacos, oficialmente. Mas também se provou efetiva em humanos.

Em 2009, uma pesquisadora do Instituto Bernhard Nocht, de Hamburgo, na Alemanha, acidentalmente espetou em si mesma uma seringa infectada com o vírus ebola. Ela foi tratada com uma vacina trazida dos Estados Unidos – a mesma substância não licenciada que havia sido testada em macacos.

Essa vacina é feita a partir de uma versão enfraquecida do vírus da estomatite vesicular que ataca vacas, cavalos e porcos. O vírus foi geneticamente modificado para conter uma parte da proteína do vírus ebola. E a pesquisadora se recuperou.

Um fim para a pesquisa com chimpanzés

Uma outra situação tornará o desenvolvimento de uma vacina contra o ebola ainda mais difícil no futuro. “Pelo que sabemos, nosso estudo foi o primeiro teste de vacina relacionado à conservação em chimpanzés de cativeiro”, descrevem os autores do estudo. “E pode ser o último”.

Os Estados Unidos são o único país do mundo a permitir testes biomédicos em chimpanzés de cativeiro. Essa prática foi banida em todos os outros lugares. A legislação norte-americana se encaminha para acabar com esse tipo de pesquisa, e testes com chimpanzés em cativeiro podem se tornar ilegais.

Para Walsh, isso seria um grande erro – não apenas para pacientes humanos que precisam de remédios e vacinas, mas também para a conservação. “Tenta-se fazer uma coisa boa para os chimpanzés de cativeiro, mas, nesse processo, está se fazendo algo realmente ruim para os chimpanzés selvagens”.

Para desenvolver vacinas para proteger símios selvagens de doenças, os pesquisadores precisam testar inicialmente em animais de cativeiro. “Guardas florestais jamais vão permitir que se use uma substância em animais selvagens protegidos se essa substância não tiver sido testada antes em macacos no cativeiro”, garante.

Mas Walsh ainda espera conseguir levantar o dinheiro para vacinar os chimpanzés e gorilas africanos contra o ebola. As chances são boas – ele deve atingir o objetivo muito antes de qualquer teste clínico da mesma vacina em humanos.

Edição: Nádia Pontes

* Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.