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Mães solteiras travam sua batalha na antiga zona de guerra

Subashini Mellampasi, de 34 anos, é mãe solteira e cria cabras para manter os três filhos, um deles deficiente. Foto: Amantha Perera/IPS
Subashini Mellampasi, de 34 anos, é mãe solteira e cria cabras para manter os três filhos, um deles deficiente. Foto: Amantha Perera/IPS

 

Valipunam, Sri Lanka, 10/7/2014 – Nesta aldeia fica um dos rincões mais afastados da antiga zona de guerra do Sri Lanka. Suas poeirentas ruas são quase inacessíveis e carecem de iluminação, as ligações telefônicas são irregulares e o posto policial mais próximo fica a vários quilômetros, perto do centro do distrito de Mullaitivu, devastado pelo conflito.

Aqui, 322 quilômetros ao norte da capital Colombo, inclusive os homens que não têm nenhuma deficiência temem ficar sozinhos em suas casas. Porém, Sumathi Rajan, de 35 anos, sabe que, se ela não estiver em seu pequeno comércio à noite, é muito provável que na manhã seguinte não reste nada nele.

 

Valipunam, Sri Lanka, 10/7/2014 – Nesta aldeia fica um dos rincões mais afastados da antiga zona de guerra do Sri Lanka. Suas poeirentas ruas são quase inacessíveis e carecem de iluminação, as ligações telefônicas são irregulares e o posto policial mais próximo fica a vários quilômetros, perto do centro do distrito de Mullaitivu, devastado pelo conflito.

Aqui, 322 quilômetros ao norte da capital Colombo, inclusive os homens que não têm nenhuma deficiência temem ficar sozinhos em suas casas. Porém, Sumathi Rajan, de 35 anos, sabe que, se ela não estiver em seu pequeno comércio à noite, é muito provável que na manhã seguinte não reste nada nele.

Determinada a preservar sua única fonte de renda, Rajan dorme todas as noites no chão de sua loja, junto com o filho de 12 anos, apesar de correr o risco de ser roubada ou mesmo violada. “Sei o que tenho de fazer, sei como cuidar do meu filho e de mim”, disse à IPS esta lutadora mãe solteira, diante de seu humilde comércio. Nos últimos cinco anos sua vida, foi sacudida pela crise.

No começo de 2009, quando o conflito civil de quase três décadas no país deu sinas de estar chegando a um sangrento final, Rajan e sua família, que viviam em plena área controlada pelos separatistas Tigres para a Libertação da Pátria Tâmil, se prepararam para enfrentar um prolongado período de incerteza.

Em abril daquele ano, ela e seu filho, então com apenas sete anos, estiveram entre dezenas de milhares de civis tamis presos em um estreito território situado entre o Oceano Índico e a Lagoa Nandikadal, na costa nordeste da ilha, enquanto os Tigres travavam uma sangrenta batalha final contra as forças do governo.

Ambos escaparam vivos dos combates, mas sem outras posses que não as roupas do corpo. Durante os dois anos e meio seguintes, seu “lar” foi um enorme acampamento de refugiados conhecido como Granja Menik, no distrito de Vavuniya. Quando finalmente a família voltou a Valipunam, no final de 2011, Rajan teve que reconstruir sua vida do zero.

Além das difíceis decisões que implicava sua decisão de mãe solteira, mesmo antes de precisar fugir da guerra, Rajan, que vende em prestações, teve que ser mais firme com seus clientes na hora de cobrá-los e acrescentar juros. Hoje continua com o negócio, enfrentando muitos dos mesmos desafios de três anos atrás. “Quando alguém não paga o que pegou emprestado, vou à casa da pessoa cobrar”, afirmou.

No começo deste ano, seu comércio foi beneficiado com um subsídio de US$ 380 concedido pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha. “Isso me ajudou a expandir o local”, contou Rajan, olhando com orgulho as estantes com todo tipo de produtos, desde legumes até xampu. Mas, com as novas mercadorias, se renovam os temores de roubo. A mulher deposita suas magras economias mensais de aproximadamente US$ 25 na conta de seu filho, para manter o dinheiro seguro.

Histórias como a de Rajan não são raras na Província do Norte, devastada pela guerra e onde entre 40 mil e 55 mil famílias encabeçadas por mulheres se esforçam para ganhar a vida, segundo agências humanitárias e de desenvolvimento que atuam na região. Uma avaliação do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), de junho de 2013, revela que 40% das mulheres (entre os cerca de 467 mil refugiados das últimas etapas da guerra que retornaram) ainda se sentem inseguras em suas próprias casas. Além disso, 25% delas também se sentem igualmente vulneráveis ao saírem sozinhas de suas aldeias.

A situação é ainda pior para as famílias lideradas por mães solteiras. Estima-se que sejam 40 mil, e que seus filhos são os mais vulneráveis aos abusos sexuais, segundo um informe de março do Grupo de Promoção de Soluções Perduráveis, uma coalizão voluntária de organizações e agências internacionais. Apesar destes problemas, as mulheres chefes de família estão entre as mais resilientes da antiga zona de conflito, segundo trabalhadores humanitários na região.

“Essas mulheres têm muita fortaleza”, disse à IPS M. S. M. Kamil, diretor do Departamento de Segurança Econômica da Cruz Vermelha. Subashini Mellampasi, de 34 anos, que cria sozinha três filhos entre três e 14 anos, é a prova disso. O mais velho é surdo-mudo. Seu marido abandonou a família quando voltaram para sua aldeia, depois do fim da guerra. No começo deste ano, a Cruz Vermelha lhe deu fundos para iniciar uma pequena empresa. Ela escolheu criar cabras e comprou uma pequena manada de dez animais. Passados alguns meses, está com 40.

Mellampasi vendeu dez por cerca de US$ 700, dinheiro que usa para construir uma pequena casa. Cada cabra lhe rende entre US$ 75 e US$ 150. Ela também cuida dos demais animais e a cada manhã os ordenha para alimentar com leite sua família. De todo modo, como sua renda não é estável, também trabalha como faxineira na escola de uma aldeia próxima, por US$ 4,5 diários.

Ela conta que precisa de pelo menos US$ 80 por mês para sobreviver, mas outras famílias dizem que necessitam pelo menos o dobro dessa quantia, especialmente as que precisam usar transporte regularmente.

“Há milhares de mulheres que não recebem nenhum tipo de assistência”, explicou Saroja Sivachandran, diretora do Centro para as Mulheres e o Desenvolvimento em Jaffna, capital da Província do Norte, ouvida pela IPS. “São limitados os programas dirigidos a este setor extremamente vulnerável. Precisamos de um programa amplo que inclua toda a província e todas as famílias lideradas por mães solteiras”, acrescentou.

No entanto, a ajuda financeira ao país vem diminuindo desde o fim da guerra. Três pedidos conjuntos e sucessivos de assistência para a região reportaram a falta de US$ 430 milhões. Como o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha) também reduz seu trabalho no Sri Lanka, um programa substancial para as mães solteiras é, no momento, apenas uma promessa no papel. Envolverde/IPS