Internacional

Banco do Brics frustra ativistas por reformas internacionais

Chandrasekhar Chalapurath, economista da Universidade Jawaharlal Nehru, de Nova Délhi, expõe a situação dos bancos de desenvolvimento de seu país, durante o Seminário Internacional do Banco dos Brics, que reuniu organizações sociais em Fortaleza. Foto: Mario Osava/IPS
Chandrasekhar Chalapurath, economista da Universidade Jawaharlal Nehru, de Nova Délhi, expõe a situação dos bancos de desenvolvimento de seu país, durante o Seminário Internacional do Banco dos Brics, que reuniu organizações sociais em Fortaleza. Foto: Mario Osava/IPS

 

Fortaleza, Brasil, 18/7/2010 – A criação de instituições financeiras próprias por parte do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul) representou uma “decepção” para os ativistas dos cinco países, reunidos nesta cidade ao término da Sexta Cúpula anual dos mandatários do grupo. O Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e o Acordo de Reservas de Contingência (ARC), lançados no dia 15 na capital do Ceará como conclusão da Cúpula, representa um avanço “do unilateralismo dos Estados Unidos para o multilateralismo”, afirmou Graciela Rodriguez, da Rede Brasileira para a Integração dos Povos (Rebrip).

Mas “perdeu-se a oportunidade de uma verdadeira reforma”, opinou Rodriguez à IPS durante o Seminário Internacional do Banco dos Brics, realizada nesta cidade nos dias 16 e 17 deste mês, como fórum paralelo das organizações sociais à Sexta Cúpula das cinco potências emergentes. O NBD, pelo formato anunciado, “não contempla nossas preocupações”, ressaltou. O objetivo do banco é financiar a infraestrutura e o desenvolvimento sustentável nos Brics e em outros países do Sul em desenvolvimento, contando com capital inicial de US$ 50 bilhões, que se multiplicará mediante o mecanismo de capacitação de recursos.

“Queremos um sistema internacional que contemple a maioria e não apenas os sete países mais poderosos (do Grupo dos Sete)”, que não dependa do dólar e que tenha um tribunal de arbitragem internacional para controvérsias financeiras, declarou Oscar Ugarteche, pesquisador econômico da Universidade Nacional Autônoma do México. “É inaceitável que um juiz de um distrito de Nova York coloque um país em risco”, disse à IPS, se referindo à decisão da justiça dos Estados Unidos de junho em favor dos chamados fundos abutres, em seu litígio com a Argentina, o que poderia forçar seu governo a uma nova suspensão de pagamentos.

“Precisamos de um Direito Financeiro Internacional”, como já existe um direito comercial, e o fim do domínio do dólar nas transações cambiárias, que facilita graves arbitrariedades contra nações e pessoas, como o embargo de pagamentos e rendas nos Estados Unidos, ressaltou Ugarteche. “As atuais instituições internacionais não funcionam” e a mostra é que ainda não conseguem superar os efeitos da crise financeira iniciada em 2008, destacou.

O pesquisador mexicano também afirmou que as maiores potências, como Estados Unidos e Japão, têm dívidas e déficits fiscais insustentáveis, sem que sejam molestados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), ao contrário do que ocorre com nações menos poderosas e em particular do Sul.

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Participação da sociedade, transparência, exigências ambientais e atenção às populações afetadas pelos projetos financiados pelo NBD foram outras reclamações repetidas durante o seminário, organizado pela Rebrip e pela Fundação Heinrich Böll, da Alemanha. Todas estas demandas são pontos ainda não definidos no NBD mas que poderão ser discutidos durante o processo de seu desenho operacional nos próximos anos, enquanto tramita sua aprovação pelos parlamentos dos países do grupo, afirmou Carlos Cosendey, secretário de Relações Internacionais do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, em conversa com os ativistas.

Cosendey destacou como uma limitação do banco multilateral a necessidade de suas exigências não se confundirem com ingerências na soberania dos países. Pelas diferenças políticas, culturais, legais e éticas entre os membros do grupo, isso poderia ser um grande obstáculo na adoção de critérios comuns, acrescentou. O NBD poderá ser construtivo “se integrar os direitos humanos” aos seus critérios e apresentar soluções para os impactos sociais dos projetos que financiará, afirmou Nondumiso Nsibande, da não governamental ActionAid da África do Sul.

“Precisamos de estradas, outras infraestruturas e empregos, além de educação, saúde e moradia”, mas as grandes obras chegam com danos para as comunidades pobres onde são executadas, pontuou Nsibande à IPS. Não se sabe ainda quais serão os níveis do banco de transparência e atenção para a sociedade, acrescentou.

Para o indiano Chandrasekhar Chalapurath, economista da Universidade Jawaharlal Nehru, de Nova Délhi, o NBD contribuirá para diminuir as grandes carências de seu país em infraestrutura, energia, transporte de longa distância e portos. Mas, por outro lado, não espera grandes investimentos em um aspecto essencial para os indianos: saneamento. Ter um indiano como primeiro presidente do banco, como foi decidido pelos cinco mandatários, ajudará a atrair mais investimentos, mas Chalapurath insistiu que o acesso à água por parte da população tem de ser prioridade.

Cosendey assegurou que o NBD nasce para promover um “novo desenvolvimento”. No entanto, Chalapurath apontou à IPS que isso só ocorrerá se os créditos forem condicionados à adoção de tecnologias com baixa emissão de contaminantes e forem guiados pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) e por seus sucessores Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), pelos direitos humanos e por outras boas práticas.

A adoção de processos democráticos no banco facilitaria o diálogo com movimentos sociais, parlamentos e a sociedade em geral, acrescentou Cosendey. Incorporar o tema ambiental e a paridade de gênero também é essencial, segundo Ugarteche e Rodriguez, que considerou que isso é necessário para avançar na “justiça ambiental”.

Não se pode construir apenas estradas e portos, mais importante é a “infraestrutura social, que compreende saneamento, águas, saúde e educação, afirmou Rodriguez, que coordena o grupo de trabalho sobre Arquitetura Econômica Internacional da Rebrip. Para ela, mobilizar a resistência às grandes obras que afetam as populações do lugar onde são construídas será parte da resposta à provável prioridade do NBD de financiar projetos de infraestrutura física.

As organizações sociais reunidas em Fortaleza, com representantes de Brasil, Índia, China, África do Sul e outros países de fora do grupo, pretendem concertar ações para influir no desenho do banco e em suas políticas, monitorar suas operações e as ações do próprio Brics. O economista brasileiro Ademar Mineiro, também da Rebrip, identificou no NBD a possibilidade de as sociedades nacionais influírem no formato e nas políticas do banco, com tempo para se organizarem e mobilizarem. “É uma oportunidade sem precedentes”, ressaltou à IPS.

Inicialmente, o projeto não contou com a adesão da Rússia, que preferia o caminho privado. Mas Mineiro disse que essa posição mudou depois que instituições financeiras multilaterais, como o Banco Mundial, foram utilizadas pelos Estados Unidos e pela União Europeia dentro das sanções contra Moscou por ter anexado a Crimeia, uma parte da Ucrânia.

O Brics evoluiu “do econômico para o político”, com seus membros cobrando mais poder no sistema internacional e a aliança servindo como um dos pilares da estratégia chinesa de conquistar maior influência, inclusive no Ocidente, observou Shoujun Cui, professor da Escola de Estudos Internacionais da Universidade Renmin, da China.

“O Brics precisa mais da China do que vice-versa”, afirmou Cui à IPS, ao destacar que a economia chinesa é 20 vezes maior do que a sul-africana e quatro vezes da Índia e da Rússia. Além de recursos naturais de outros países, o governo chinês busca fortalecer a legitimidade do poder do Partido Comunista, com a estabilização e a prosperidade internas, pontuou o acadêmico como razões para a China ter aderido e promover o Brics. Envolverde/IPS