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Panamá constrói modelo de segurança alimentar

Vicente Castrellón mostra seu cultivo de arroz biofortificado. Esste camponês de 69 anos dá assessoria aos demais produtores do distrito de Olá, no Panamá, que participam do programa Agro Nutre. Foto: Fabíola Ortiz/IPS
Vicente Castrellón mostra seu cultivo de arroz biofortificado. Esste camponês de 69 anos dá assessoria aos demais produtores do distrito de Olá, no Panamá, que participam do programa Agro Nutre. Foto: Fabíola Ortiz/IPS

 

Cidade do Panamá, Panamá, 16/9/2014 – O Panamá é o primeiro país da América Latina a converter o combate contra a chamada fome oculta em uma estratégia nacional, com um plano destinado a eliminar o déficit de micronutrientes na população mais vulnerável, mediante a biofortificação dos alimentos.

O projeto começou a andar em 2006 e se consolidou em agosto de 2013, quando o governo lançou o programa Agro Nutre Panamá, que coordena a melhoria da qualidade alimentar dos setores mais pobres do país, concentrados na área rural e na população indígena, incorporando ferro, vitamina A e zinco às sementes.

“Acreditamos que a biofortificação é uma forma barata de enfrentar esse problema, com alimentos que as famílias consomem diariamente”, explicou à IPS o coordenador do Agro Nutre, Ismael Camargo. O Panamá apresenta bolsões de pobreza onde existem altos níveis de deficiência de micronutrientes, acrescentou.

Em 2006, começou a pesquisa da biofortificação do milho, dois anos depois foi a vez do feijão, e, em 2009, a do arroz e da batata doce, em um plano que tem apoio do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação. Do Agro Nutre participam o Instituto de Pesquisa Agropecuária do Panamá e instituições acadêmicas, além de contar com o respaldo da Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o Programa Mundial de Alimentos (PMA) e a pública Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Na fase atual, apenas quatro mil os 48 mil produtores de agricultura familiar ou de subsistência do Panamá plantam sementes biofortificadas. O reforço dos micronutrientes nos alimentos da dieta básica panamenha se converteu em política de Estado em 2009. Atualmente, estão liberadas (produzidas experimentalmente e aprovadas) cinco variedades de sementes de milho, quatro de arroz e duas de feijão, todas melhoradas convencionalmente e com alta qualidade protéica.

O projeto “começou nas áreas rurais porque é onde existe pobreza extrema e os agricultores produzem para sua subsistência”, pontuou à IPS a engenheira de alimentos Omaris Vergara, da Universidade do Panamá. Ela acrescentou que nesta fase “não se pretende a comercialização desses alimentos, mas sim melhorar a qualidade nutricional para as famílias agricultoras”.

Segundo a engenheira, a maior dificuldade para o avanço do Agro Nutre é a carência de infraestrutura de pesquisa. “O enfoque do projeto está voltado para populações vulneráveis. A academia já pensa estudos de impacto, mas ainda não começaram a ser feitos por serem muito caros”, afirmou, destacando a carência de estrutura de pesquisa é o ponto fraco do projeto.

Dados do Agro Nutre indicam que, dos 3,5 milhões de habitantes desse país centro-americano, um milhão vive na área rural, a metade em condição de pobreza e 22% em pobreza crítica. Mas a maior miséria no Panamá se concentra nos 300 mil indígenas que sobrevivem em cinco comarcas. Destes, 90% estão em situação de pobreza.

Isidra González, de 54 anos, não tinha ouvido falar da melhoria com micronutrientes dos alimentos, até que há cinco anos começou a plantar, junto com seu filho mais velho, sementes biofortificadas, em seu pequeno terreno na comunidade de Hijos de Dios, no distrito de Olá, na província central de Coclé. Agora, as 70 famílias dessa aldeia de casas espaçosas em sua única rua produzem feijão com sementes fortificadas em pequenas parcelas nas ladeiras de exuberância tropical e arroz em terras inundáveis.

“Creio que essas sementes são melhores e produzem mais. Pode-se usar metade da água que crescem”, contou à IPS Isidra, que está no projeto desde sua fase experimental. “As pessoas gostam, porque tem mais sabor e rende bastante. Meus filhos comem nosso arroz e feijão com gosto, disso estou certa”, acrescentou, entre risos.

O produtor Vicente Castrellón, de 69 anos, além de cultivar as sementes melhoradas foi treinado como capacitador comunitário para os produtores do distrito. “Estamos produzindo três colheitas ao ano, e eu apoio tecnicamente em tudo que os demais produtores precisam. Agora é para o autoconsumo, mas alguns conseguem mais do que precisam para alimentar a família e já obtêm dinheiro com a venda do que sobra”, contou à IPS.

“A vida aqui é muito cara para produtores como nós”, acrescentou Castrellón, em Hijos de Dios, distante 250 quilômetros da Cidade do Panamá, de onde se leva mais de três horas de automóvel para chegar. Não foi fácil as famílias de Olá mudarem para as sementes biofortificadas, “demorou quase um ano para que entrassem no Agro Nutre”, recordou. Mas agora há entusiasmo, “porque, para cada dez libras (454 gramas) plantadas, colhe-se de cem a 200 libras de grãos”, ressaltou, mostrando orgulhoso sua plantação.

A inclusão do quarto cultivo, a batata doce, é estratégica, explicou o pesquisador Arnulfo Gutiérrez. Esse tubérculo quase desaparecido da dieta panamenha é o quinto cultivo do mundo, à frente do milho ou da mandioca, e a FAO promove seu maior consumo global. Por isso sua incorporação tem por objetivo promover seu consumo e, em 2015, seriam liberadas duas ou três variedades de suas sementes melhoradas.

Luis Alberto Pinto, consultor da FAO, integra o comitê gestor do Agro Nutre e é coordenador técnico nacional nas duas primeiras comarcas indígenas onde se planta a semente melhorada, Gnäbe Bugle e Guna Yala. “Trabalhamos em quatro comunidades-piloto.

Em Gnäbe Bugle estamos no Cerro Mosquito e Chichica com 129 agricultores e em Guna Yala com 50 agricultores, em ilhas na faixa do Caribe”, detalhou à IPS. “Trabalhamos segundo seus costumes e suas culturas, na incorporação desses produtos” de maneira sustentável no tempo. “Nossa esperança é expandir o projeto a todas as comarcas indígenas”, apontou Pinto.

Além de ciência e produção, o projeto exige o lobby constante com membros do parlamento e de ministérios para que se mantenha o compromisso com a biofortificação como plano do Estado.

Eyra Mojica, representante do PMA no Panamá contou à IPS que já é habitual seu caminhar pelos corredores do parlamento e escritórios de funcionários de alto nível nos ministérios. “Trabalhamos com deputados, diretores, ministros e novas autoridades. O tema da segurança alimentar é muito complexo. O PMA se converteu no principal apoio para dar informações às autoridades em termos nutricionais. Há muito desconhecimento”, afirmou.

Para o ano que vem, o PMA espera introduzir a mandioca e a abobrinha como novos cultivos biofortificados. “Queremos ter uma cesta de sete alimentos biofortificados. A ideia é avançar com a incorporação de pequenos grupos, como o das mulheres camponesas. Também estudamos trabalhar nas escolas com o programa de merenda escolar, a partir de 2015”, destacou Mojica.

A biofortificação dos alimentos básicos, com nutrientes para reduzir a fome oculta, foi desenvolvida pelo HarvestPlus, um programa coordenado pelo Centro Internacional de Agricultura Tropical e o Instituto Internacional de Pesquisas sobre Políticas Alimentares. Envolverde/IPS