Caracas, Venezuela, 27/11/2014 – A febre dos hidrocarbonos de xisto e o xadrez político em que estão imersas potências produtoras e consumidoras de petróleo colocam a Organização de Países Exportadores de Petróleo (Opep) em um dos mais duros momentos de seus 54 anos de história.
A Opep “se deliciou durante vários anos com preços altos, de aproximadamente US$ 100 o barril (de 159 litros). Se os tivessem mantido em cerca de US$ 70, o petróleo de xisto (de rocha) não teria entrado para competir com tanto vigor”, opinou à IPS o especialista Elie Habalián, ex-representante da Venezuela junto à organização.
O grupo de 12 membros (Angola, Arábia Saudita, Argélia, Catar, Equador, Emirados Árabes Unidos, Irã, Iraque, Kuwait, Líbia, Nigéria e Venezuela) enfrenta uma queda na produção, que implicaria sacrificar mercados, durante a reunião ministerial que acontece hoje em Viena, a de número 166 desde que a Opep foi fundada, em 14 de setembro de 1960.
Os preços do petróleo, que subiram desde 2003 até mais de US$ 140 o barril em 2008, desmoronaram com a crise financeira global que explodiu nesse ano, mas nesta década se recuperaram e se mantiveram em torno dos US$ 100 por unidade.
No entanto, nos Estados Unidos começou a prosperar a exploração de petróleo e gás não convencionais, contidos nos xistos (rochas sedimentares localizadas em grande profundidade, conhecidas como lutitas), que eram inalcançáveis pela tecnologia e pelos capitais disponíveis ao longo do século 20.
Habalián recordou que, desde a crise e do embargo petroleiro árabe de 1973, “o Ocidente e o Japão estabeleceram uma estratégia para conseguir uma situação de mercado estável e sob seu controle e não dos países exportadores”. Nela não faltaram os sobressaltos, como o de que há 40 anos não se previa que a China, junto com a Índia e outras potências emergentes, resultassem em economias de grande crescimento com um voraz consumo de hidrocarbonos, o que levantou os produtores de petróleo e gás.
Mas, “com preços altos, enquanto os exportadores financiavam campanhas geopolíticas, como os conflitos no Oriente Médio ou a influência da Venezuela na América Latina, sob a presidência de Hugo Chávez (1999-2013), as grandes corporações se dedicaram a investir em tecnologia e novas faixas de negócio”, explicou Habalián.
O crescimento da exploração dos hidrocarbonos de xisto “só fez adiantar resultados dessa estratégia permanente do Ocidente. Esse petróleo chegou para ficar, seu preço baixará na medida em que progredir a tecnologia e desse modo diminui e coloca um teto à oferta da Opep”, acrescentou o especialista.
A exploração dos xistos acontece mediante fratura hidráulica (fracking), procedimento caro que exige preços altos do petróleo para ser rentável, e que é ambientalmente questionável, porque acarreta grande consumo de água e movimentos do subsolo com consequências ainda a serem determinadas.
O petróleo de xisto já é um grande ator no mercado energético global com produção diária de 3,5 milhões de barris, principalmente nos Estados Unidos, que assim poderá se converter, nos últimos anos desta década, no primeiro produtor mundial, com mais de nove milhões de barris diários, acima de Rússia e Arábia Saudita.
A Arábia Saudita é há décadas o maior produtor e de fato o líder da Opep, pois sua extração de quase dez milhões de barris diários agrega uma capacidade de produção fechada de quase dois milhões de unidades, o que lhe permitiu aumentar ou diminuir a oferta nos ciclos de escassez ou abundância de petróleo no mercado.
O mercado, de aproximadamente 91 milhões de barris, que são consumidos diariamente e dos quais a Opep fornece um terço, dá sinais de estar superabastecido com a oferta aumentada pelo petróleo de xisto, pela frágil economia da Europa e com a desaceleração de economias emergentes, desde a China até o Brasil.
O petróleo está cerca de 30% mais barato do que há um ano. O tipo Brent do Mar do Norte, referência europeia, está cotado a US$ 80 o barril, contra os US$ 110 do fechamento de 2013. O West Texas, marcador norte-americano, é comercializado a US$ 75, e o petróleo venezuelano a menos de US$ 70, mas chegou a ser vendido a mais de US$ 100.
A Arábia Saudita “parece decidida a responder agressivamente em defesa de sua cota de mercado, inclusive se isso significar preços menores por alguns anos”, afirmou à IPS o especialista Kenneth Ramírez, docente de geopolítica e petróleo na Universidade Central da Venezuela.
Dessa forma, os sauditas confrontariam o Irã, seu rival no mundo islâmico (e que, com Venezuela, Rússia ou Nigéria, precisam com urgência da maior renda possível no curto prazo) e desestimulariam, com petróleo convencional barato, o desenvolvimento do grande rival no horizonte, o xisto.
Adicionalmente, segundo enfoques com os de Habalián e Ramírez, os preços baixos e um mercado com mais petróleo disponível “castigariam” nações como a Síria e seu grande suporte, a Rússia, confrontada com o Ocidente pelo conflito que tem seu eixo na Ucrânia.
No imediato, a Opep pode optar pela tese saudita, de manter o status quo e deixar que os preços do petróleo caiam para US$ 70, ou menos, o barril, apostando que isso possa enfraquecer o desenvolvimento do xisto e que haja uma recuperação das economias de Europa, China e outras nações emergentes.
A Venezuela tratou de promover outra opção, com intensa viagem de seu chanceler, Rafael Ramírez, por capitais petroleiras, da Cidade do México a Moscou, passando por Teerã, mas sem tocar Riad: a de reduzir a produção para elevar os preços, confiando em que a capacidade para extrair petróleo de xisto diminua em poucos anos.
Um componente que colabora para esse fim, disse Habalián, é a pressão dos movimentos ambientalistas, sobretudo nos Estados Unidos e no Canadá, que rechaçam a exploração comercial do xisto devido ao seu impacto nas fontes de água e à injeção de químicos contaminantes que a hidrofratura requer, além das alterações do subsolo.
Uma terceira saída, segundo Ramírez, seria ratificar o teto grupal de produção da Opep, de 30 milhões de barris diários, o que retiraria do mercado uma pequena porção com a qual atualmente se excedem os sócios. “Embora impacte pouco os preços, isso enviaria um sinal de que a organização não está contra a parede”, destacou.
Porém, no médio e longo prazo, segundo Habalián, diante de uma Opep ferida por suas urgências políticas e orçamentárias, se continua apontando uma nova arquitetura energética coerente com a favorável estabilidade do mercado buscada pelo Ocidente. Envolverde/IPS