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O ebola poderia acabar com o embargo dos Estados Unidos contra Cuba

Técnicos preparam um exame para o ebola em um laboratório de contenção. As amostras são manejadas em cabines de segurança biológica de pressão negativa para proporcionar uma proteção adicional. Foto: Randal J. Schoepp/cc by 2.0
Técnicos preparam um exame para o ebola em um laboratório de contenção. As amostras são manejadas em cabines de segurança biológica de pressão negativa para proporcionar uma proteção adicional. Foto: Randal J. Schoepp/cc by 2.0

 

Denver, Estados Unidos, 1/12/2014 – Quando foi a última vez que um alto funcionário dos Estados Unidos elogiou Cuba publicamente? E desde quando o governo cubano se oferece para cooperar com os norte-americanos? É raro políticos desses dois países se desviarem da suspeita e da intransigência que impedem a colaboração produtiva entre ambos há mais de meio século, desde que Washington impôs um embargo comercial, econômico e financeiro a Cuba em 1960, pouco depois de Fidel Castro chegar ao poder nessa ilha do Caribe, em 1959.

E foi precisamente isso o que aconteceu nas últimas semanas, quando o secretário de Estado, John Kerry, e a embaixadora dos Estados Unidos na Organização das Nações Unidas (ONU), Samantha Power, falaram a favor da intervenção médica cubana na África ocidental, e o presidente de Cuba, Raúl Castro, e seu antecessor, Fidel Castro, expressaram sua vontade de cooperar com os esforços norte-americanos para frear a epidemia de ebola que começou em dezembro de 2013 na região.

O ebola causou mais de seis mil mortes na África ocidental até agora e gerou o temor do resto do mundo, por isso tem poucos elementos positivos. Mas um deles pode ser a oportunidade de mudar a natureza das relações entre Estados Unidos e Cuba, para o bem geral.

“Ninguém quer que as crises graves sejam desperdiçadas”, chegou a dizer o atual prefeito de Chicago, Rahm Emanuel. “Com isso me refiro a uma oportunidade de fazer coisas que se pensava que não se podia fazer antes”, acrescentou. O presidente norte-americano, Barack Obama, deveria prestar atenção ao seu ex-chefe de gabinete e não desperdiçar a oportunidade que a crise do ebola apresenta.

Os dirigentes políticos da Casa Branca, em Washington, e do Palácio da Revolução, em Havana, poderiam transformar a luta contra uma ameaça comum em cooperação conjunta que não promova apenas os interesses nacionais dos dois países, mas que também signifique um avanço dos direitos humanos no Sul em desenvolvimento, já que o direito à saúde é um direito humano.

As condições políticas estão dadas. Os norte-americanos apoiam com firmeza as medidas enérgicas contra o ebola e elogiariam um presidente que insistisse mais na cooperação médica e em salvar vidas do que na ideologia e no ressentimento.

No sexto de uma série de editoriais que sustentam a necessidade de uma mudança na política de Washington em relação a Cuba, o jornal The New York Times pede a Obama que deixe de aplicar uma política que facilita a deserção para os Estados Unidos dos médicos cubanos que prestam assistência médica no exterior, por sua natureza hostil e pelo seu impacto negativo nas populações que recebem o apoio e a atenção dos profissionais cubanos na África, América Latina e Ásia.

“É incongruente que os Estados Unidos valorizem a contribuição dos médicos cubanos enviados por Havana para ajudar nas crises internacionais, como o terremoto do Haiti em 2010, enquanto trabalha para subverter esse governo ao facilitar tanto a deserção”, afirma o editorial. Deve-se enfatizar e não criar obstáculos ao fomento da contribuição médica cubana, acrescenta.

Na medida em que se conhece mais sobre as gestões sanitárias de Cuba no plano internacional, menos razoável se torna que Washington pressuponha que toda presença cubana no mundo em desenvolvimento seja prejudicial para os interesses norte-americanos.

A abertura constante à cooperação bilateral com Cuba por parte de instituições de saúde governamentais, do setor privado e de fundações com sede nos Estados Unidos pode desencadear dinâmicas positivas para atualizar a política de Washington em relação a Havana. Também enviará um sinal mais amigável à reforma econômica e à liberalização política na ilha.

O potencial de cooperação entre Cuba e Estados Unidos vai muito mais além da prevenção e derrota do ebola. Novas pandemias no futuro próximo poderiam colocar em perigo a segurança nacional, a economia e a saúde pública de outros países, porque causariam a morte de milhares de pessoas, freariam as viagens e o comércio e também fomentariam a histeria xenófoba. Nesse momento dramático, a Casa Branca deve pensar com clareza e criatividade.

Como líder do hemisfério ocidental, os Estados Unidos deveriam propor a criação de uma estratégia de resposta e cooperação integral diante das crises na saúde em nível continental na próxima Cúpula das Américas, que acontecerá no Panamá em abril de 2015. Como já expressaram muitos países da América Latina, Cuba deve estar incluída nessa ocasião.

Cuba desenvolveu uma ampla perícia médica no país e no exterior, com mais de 50 mil médicos e profissionais da saúde que prestam serviço em 66 países. As medidas de prevenção, a detecção precoce, os controles rígidos das infecções e a coordenação da resposta em casos de desastres naturais são partes essenciais do enfoque cubano para cortar pela raiz as pandemias. A falta de algum desses elementos nos sistemas de saúde já em colapso explica os fracassos na gestão acrescentados pelo impacto do ebola na África ocidental.

Quando Obama era senador e candidato à Presidência foi um dos maiores críticos da política que via Cuba pelo ângulo da Guerra Fria. Agora que é presidente não consegue atualizar a mesma política de embargo que seus antecessores aplicaram. Obama deve adaptar o discurso oficial de Washington sobre a Cuba pós-Fidel: não é uma ameaça para os Estados Unidos, mas um país em transição para uma economia mista e uma força positiva para a saúde mundial. Envolverde/IPS

* Arturo López Levy é professor visitante no Mills College da Califórnia, Estados Unidos, e candidato ao doutorado na Escola de Estudos Internacionais Josef Korbel, na Universidade de Denver.