Economia

Pode o capitalismo ser consciente?

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Foto: Reprodução/ Internet

Pedro Miguel Sirgado – Instituto EDP   

Trabalhando há vários anos na área da sustentabilidade empresarial, deparei-me recentemente, com um movimento que acredito ter tudo para ser a base de um futuro brilhante para nossa sociedade. Seu nome: capitalismo consciente. Eu explico. O capitalismo mostrou-se, inexoravelmente, o melhor sistema para o desenvolvimento social. Para comprovar isso, basta analisarmos, por exemplo, a evolução da expectativa de vida no Brasil. Em 1900 ela era de cerca de 30 anos, passando em 2013 para aproximadamente 75 anos (as projeções indicam que em 2050 poderá ser de 81 anos, e em 2100, de 84 anos). Os países que mais se destacam nesse indicador são Japão, Espanha, Suíça, Cingapura, Itália, Islândia, Austrália e Israel.

Se examinarmos outros indicadores de desenvolvimento, veremos o mesmo padrão. Seja a riqueza dos países medida pelos respectivos PIBs, pelos rendimentos per capita ou pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), percebe-se sempre um forte crescimento após o início da revolução industrial, mais evidente em países onde o capitalismo prosperou. Contudo, o capitalismo teve também resultados indesejados, nomeadamente, em termos de desigualdades. Os desafios que se colocam hoje em termos sociais e ambientais são de grande escala e enorme complexidade. Vivemos num mundo em que mais de 1 bilhão de pessoas não tem acesso à água potável; em que uma criança morre a cada quatro segundos por doenças perfeitamente passíveis de prevenir e tratar; e em que cerca de 900 milhões de seres humanos sofrem de fome crônica*.

Assistimos hoje a esforços de governos, organizações não governamentais e empresas para diminuir essas desigualdades. No entanto, os resultados estão claramente aquém das necessidades. As razões desse insucesso são múltiplas, mas destacaria a falta de recursos e a dificuldade de generalizar os esforços, ou seja, programas de governo e projetos sociais têm, geralmente, um âmbito restrito e, portanto, um número limitado de beneficiários.

As empresas terão de fazer parte da solução. No futuro, esse engajamento será parte importante do sucesso dos negócios em função do aumento da exigência dos clientes. A Unilever é um bom exemplo de como as empresas podem assumir novos papeis na sociedade global. Todos os dias, 2 bilhões de vezes, alguém, em algum lugar do mundo, usa um produto dessa marca. A forma como a Unilever fizer uso desse poder terá impactos significativos não apenas em seu desempenho, mas no desenvolvimento das comunidades com que ela se relaciona direta e indiretamente. Felizmente, ela faz parte de um grupo de empresas que está plenamente consciente de seu papel na sociedade.

Algumas empresas descobriram que, para garantir a perenidade do negócio, sua razão de ser precisa ir além do lucro, que, naturalmente, é imprescindível. Elas têm colaboradores, clientes, fornecedores e operam num determinado contexto social e ambiental. Satisfazer todos esses públicos será cada vez mais um fator crítico para o sucesso das companhias. Diante disso, destaco um conceito que será chave para as empresas no futuro próximo: a interdependência. Os grandes desafios de nossa sociedade são, efetivamente, globais e transversais. As alterações climáticas, as novas pandemias com vírus originados do outro lado do mundo, até a crise financeira internacional que varreu o mundo nos últimos anos tiveram abrangência eminentemente global e transversal, e, portanto, interdependente.

Se os problemas se originam e se desenvolvem num contexto de interdependência, seria de esperar o mesmo das soluções. A questão é que, na prática, não é isso que vemos. A colaboração ainda não supera os interesses particulares. Os países consideram a soberania territorial um valor supremo, o imperativo dos negócios ainda é a competição e, até em nossas vidas pessoais, o individualismo é a regra. Isso significa que queremos enfrentar os desafios do século 21 com modelos mentais e organizacionais de alguns séculos atrás. Os resultados estão à vista. Por isso, acredito que no futuro as empresas mais bem-sucedidas serão aquelas que melhor desenvolverem modelos de colaboração. Aquelas que virem em seus diferentes stakeholders (colaboradores, fornecedores, clientes, comunidades) verdadeiros parceiros.

Na verdade, trata-se de compreender que, na vida real, cada vez mais estamos em jogos que não são de soma zero, nos quais para alguém ganhar alguém tem de perder. Boas estratégias de colaboração podem conduzir a situações em que todos ganham. Podemos pensar, genericamente, que colaboradores satisfeitos atendem melhor os clientes, o que pode potencializar as vendas e aumentar os lucros. Colaboradores, clientes e acionistas ganham. Portanto, o capitalismo pode e deve ser consciente. Precisamos assumir o compromisso de transformar essa premissa em realidade. Só assim poderemos vislumbrar um futuro próspero e saudável para nossa sociedade.

* Pedro Miguel Sirgado é diretor do Instituto EDP, entidade que coordena as ações socioambientais do Grupo EDP.