“O PCdoB não mudou. Ele é de esquerda, mas é um partido nacionalista. É uma esquerda que tem na questão nacional um ponto fundamental para avançar no processo do socialismo”, constata o cientista político Fabiano Santos.
Para o cientista político Fabiano Santos, a votação do novo Código Florestal é um episódio bastante revelador que explica a situação política brasileira atual. Em entrevista à IHU On-Line, realizada por telefone, ele diz que “existe uma força econômica que se expressa na busca de espaço político importante no campo. A essa força se dá o nome de agrobusiness. Esse setor, em vários episódios no desempenho do processo econômico brasileiro, sustentou alguns fundamentos importantes na economia”. O episódio também revela, segundo o professor, a desatenção do governo federal em relação ao processo econômico e político em movimento. “Foi o Congresso quem deu voz ao novo Código. Só quando a coalizão já estava montada, o governo quis vetar, mas não conseguiu”, constata.
Fabiano afirma ainda que, no caso da votação do novo Código Florestal, não houve uma mudança de ideias de partidos da base aliada do governo como o PCdoB. Ocorreu que “os interesses do partido se aliaram aos interesses do agrobusiness por uma questão tática momentânea. Portanto, não há um deslocamento do partido em direção a uma postura menos esquerda por conta disso. O que está em jogo é a visão nacionalista do processo”.
Fabiano Santos é cientista político e professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que a votação do novo Código Florestal expressa sobre a política brasileira contemporânea?
Fabiano Santos – É um episódio muito interessante e revelador, sob vários aspectos, da política brasileira na atualidade. Existe uma força econômica que se expressa na busca de espaço político importante no campo. A esta força se dá o nome de agrobusiness. Esse setor, em vários episódios no desempenho do processo econômico brasileiro, sustentou alguns fundamentos importantes na economia. É natural, portanto, que ele se organize e busque políticas no governo que atendam aos seus interesses. É um setor, por outro lado, que tem conflitos importantes com outras forças sociais – seja do ponto de vista da economia, seja do ponto de vista de valores ou das inclinações políticas.
Além disto, é possível que esta força estabeleça coalizões com setores e com outros atores políticos que, naturalmente, parecem possuir interesses antagônicos. Existe, porém, espaço para corrigir os pontos em que o interesse é mútuo. Nesse caso da votação do Código Florestal, foi exatamente isso que acabou aparecendo. O agrobusiness se articulou bem com os partidos e com os setores dos partidos. Juntos, conseguiram avançar em alguns pontos. Houve uma articulação importante no âmbito partidário e social, e o processo foi sendo desenvolvido com articulações que resultaram em coalizões. Por isso, ele foi bem-sucedido na sua tramitação.
Outra coisa que este episódio revela sobre a política contemporânea brasileira é que o governo não deu atenção para o avanço do projeto do Código a tempo de fazer uma negociação que pudesse ser mais palatável à presidenta Dilma e ao partido principal do governo. O projeto avançou e o governo não observou que havia um processo econômico e político em movimento embutido nessa questão. Foi o Congresso quem deu voz ao novo Código. Só quando a coalizão já estava montada, o governo quis vetar, e não conseguiu.
Temos lições a esse respeito: o governo não pode achar que o Congresso não faz nada e que basta usar medida provisória e orçamento para que se consiga governar ou que basta distribuir cargos para os ministros do PMDB para que o assunto esteja resolvido. Não é assim que funciona a política; o governo tem que aprender com isso. Ele se isolou e perdeu. Ele foi derrotado por conta dessa concepção política errada. Além disto, existem forças vivas na economia e na política que se articulam independentemente do governo e tentam produzir políticas que atendam aos seus interesses.
IHU On-Line – Como o senhor analisa as forças políticas a favor e contra o Código Florestal? Que partidos defendem o Código e quais são contrários?
Fabiano Santos – Todos os partidos estão um pouco incomodados com as restrições impostas pelo atual Código em relação às possibilidades de expansão da economia. Todos os partidos da base, do PMDB ao PCdoB, indicaram voto a favor. Dois partidos se posicionaram contra: o PT e o PV. Claramente, o que ocorre entre o PT e o PV é uma disputa por um eleitorado de classe média urbana. Este é um eleitorado voltado para uma agenda que podemos chamar de pós-industrial.
Dentro dessa agenda, a questão ambiental é muito importante. Parece que isso assustou o PT na eleição de 2010, quando a Marina Silva teve uma votação muito expressiva. Há uma clara estratégia do partido de cativar esse eleitorado, não deixando que escape para uma terceira via. O fato de o PT ter perdido suas bases na intelectualidade e nas classes mais urbanas também contribui para essa tentativa que o partido fez de se mostrar contra o Código, como se pudesse colocar o Brasil numa posição claramente frágil em relação a essa questão ambiental.
Existem forças partidárias, na sua maioria avassaladoras, que precisavam de algumas mudanças importantes, pois a expansão da economia depende de algumas liberações que o Código implica. Do outro lado dessas forças estavam o PT e o PV numa disputa pela opinião pública nacional e internacional. Tem, portanto, presente aí nesse espaço, um conflito de ideias, um conflito de interesses e um conflito eleitoral.
IHU On-Line – Como compreender que um deputado filiado ao PCdoB, como Aldo Rebelo, que se diz de esquerda e faz alianças com o PT, propõe um novo Código Florestal que favorece os ruralistas? A postura do PCdoB mudou ao longo do tempo?
Fabiano Santos – Não. O PCdoB não mudou. Ele é de esquerda, mas é um partido nacionalista. É uma esquerda que observa na questão nacional um ponto fundamental para avançar no processo do socialismo. Não há como desassociar o socialismo do nacionalismo. O PCdoB segue essa linha há muito tempo, assim como o PDT e o PSB.
A esquerda nacionalista do Brasil expressa o interesse de quem tem um tipo de discordância em relação à soberania completa e absoluta do Estado brasileiro sobre determinadas parcelas da região nacional, principalmente a Amazônia. Esta é uma disputa real. O PCdoB está muito atento a esse ponto e tem uma posição muito firme. Nesse caso do Código Florestal, os interesses do partido se aliaram aos interesses do agrobusiness por uma questão tática momentânea. Portanto, não há um deslocamento do partido em direção a uma postura menos esquerda por conta disso. O que está em jogo é a visão nacionalista do processo.
IHU On-Line – A aprovação do Código Florestal pelos deputados pode ser considerada uma derrota do movimento social?
Fabiano Santos – Não. Ela é uma derrota de alguns movimentos sociais apenas. Por isso, essa aprovação também é uma vitória de outros movimentos sociais. Há vários movimentos sociais articulados a favor da aprovação da mudança do Código. O agrobusiness é um movimento social, porém ligado ao capital. Não é um movimento social tal como a Sociologia observa, mas é um movimento no sentido que compõe um grupo de interesses que se articula e luta na política para reverter os interesses em políticas públicas.
IHU On-Line – Alguns sociólogos e cientistas políticos dizem que PT e PSDB trocam acusações, se dizem diferentes, mas, estarão juntos no futuro. O senhor concorda? Em que aspectos os partidos se parecem e se distanciam no jeito de fazer política?
Fabiano Santos – Não há como pensarmos nos dois partidos juntos se os termos do conflito permanecerem como estão. Por isto, discordo desta análise porque não vejo como o desdobramento do conflito, tal como ele ocorre hoje, possa resultar numa eventual união no futuro.
O PT é um partido de base sindical que tem no seu nascimento uma postura socialista. Evidentemente, ele vai se readequando à realidade. Todavia, não tem na sua estratégia e discurso uma postura revolucionária, mas tem a defesa de teses importantes que são contrárias às forças da direita. Por exemplo, uma maior participação do Estado na coordenação do desenvolvimento econômico; utilização dos bancos públicos e estatais para impulsionar os investimentos; participação dos sindicatos como sociedade nas grandes empresas para definir política estratégica de investimento. Portanto, existe no PT uma ideia, consagrada no segundo governo Lula, que é a de visão de capitalismo do Estado.
E não é esta a visão do PSDB. Este partido está, cada vez mais, saindo do centro – onde nasceu – e indo para uma extrema direita. Eles estão se deslocamento naturalmente por essa dinâmica eleitoral.
Por que eles se parecem, então? Porque são os maiores partidos e competem por um eleitor que dá o voto de minerva nas eleições. Por isto, acabam tentando construir alianças de coalizão nas diversas camadas econômicas. Isto acaba aproximando-os. Eles têm que apoiar as mesmas políticas: o PSDB diz que não vai acabar com o Bolsa Família e o PT que não vai estatizar a economia toda.
IHU On-Line – Como compreender as alianças partidárias feitas no Brasil, em que partidos se aliam em alguns Estados ou Municípios e são concorrentes em outros?
Fabiano Santos – Esta é uma discussão no federalismo político brasileiro. Nós temos diversos subsistemas estaduais e municipais. Cada Estado tem uma determinada história partidária e isto dá certa autonomia. Por exemplo, o PT foi muito perseguido porque organizou as forças da esquerda no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais e em São Paulo. No Rio de Janeiro, quem fez isso foi o PDT. Nessas forças populares, hoje, o PMDB acaba sendo referência. Em diferentes Estados, por diferentes motivos, os partidos foram se agrupando e decidindo suas estratégias de diversas maneiras. O que temos no âmbito nacional é a existência de subsistemas político-partidários e não um sistema que vale para todos os Estados.
IHU On-Line – Para muitos especialistas, o Greenpeace fez muito mais do que os partidos de esquerda na oposição ao Código Florestal. Podemos dizer que os partidos são cada vez menos referência para uma parcela da sociedade? Podem estar sendo substituídos por outras forças políticas e sociais?
Fabiano Santos – Substituídos não, mas têm seu trabalho complementado. Sempre existiu a ideia de grupos de interesse que se articulam e tentam pressionar o sistema político, seja no Congresso, no Executivo ou no Judiciário. Faz parte. Não vejo isso como algo que esteja expressando uma doença institucional grave. Há um complemento do âmbito participativo ao âmbito representativo. Os partidos se aproveitam disso para avançar em suas agendas. No caso específico, o PT e o PV estavam muito isolados. O PT estava dividido, sem saber como entrar na discussão. Já o PV tinha posição clara, mas não tem força real.
IHU On-Line – Que avaliação faz do governo Dilma? Percebe o início de uma crise no governo a partir da derrota da votação do Código Florestal e da suspensão dos kits para combater a homofobia nas escolas? Alguns veículos também especulam em torno da ausência da presidenta nas últimas semanas. O recuo na distribuição do kit tem algo a ver com a preservação da imagem do ministro da Casa Civil, Antônio Palocci, no sentido de evitar uma crise futura?
Fabiano Santos – Às vezes, as coisas acontecem ao mesmo tempo e, com isto, tendemos a fazer uma leitura conspiratória. É perfeitamente possível o governo ter visto o material dos kits e ter dito: “O material não está bom; vamos refazer porque a ideia não é bem essa”. Isto não está vinculado ao que ocorreu na implantação do Código Florestal. O governo acerta e erra e vai ajustando as estratégias conforme a dinâmica. Isto é natural. A política não é uma prática onde se vê o caminho todo de uma vez por todas, cuja estratégia é definida uma só vez. Conforme as coisas vão acontecendo, elas vão sendo ajustadas.
Creio que foi uma decisão acertada o fato de o governo ter endurecido na questão da distribuição de cargos do segundo escalão com perfil mais técnico. Na votação do salário mínimo, o governo se saiu muito bem. A questão da economia está sendo bem administrada, a economia dá sinais muito positivos. Há ainda projetos que vão se implantando, vai sair um projeto muito bonito em relação à pobreza. Agora, na questão do Congresso, o governo vem agindo mal, mas isto acontece desde o governo Lula. Esse sempre foi um ponto fraco para o PT, pois ele não sabe como agir em relação ao Congresso. E, por isso, sempre fica exposto a tensões e crises a partir dessa via. Há uma leitura errada de que negociar com o Congresso é algo muito caro. A posição com a qual a presidenta partiu para a negociação foi muito dura, errada e isso culminou numa derrota. Com o Congresso é preciso negociar.
Outra coisa é o Palocci. Não está claro para mim se os motivos são suficientemente fortes para explodir uma crise e torná-la insustentável. O governo continua e segue em frente. Se ele ficar no governo, continuará mantendo a posição discreta como tem feito até agora. Caso contrário, será substituído por alguma liderança que não esteja tão dentro da disputa localizada em São Paulo.
IHU On-Line – Então, a fragilidade não é de Dilma e sim do PT?
Fabiano Santos – Há um problema no partido, de tentar definir uma estratégia mais coesa, mais nacional. Está claro que a briga está em São Paulo, e isto tenciona a base, deixa todo mundo insatisfeito.
IHU On-Line – Como analisa a relação entre PT e PMDB na condução do governo federal?
Fabiano Santos – Os dois partidos têm algo a ganhar se o governo for bem-sucedido, mas também têm muito a perder no âmbito local. O PT está sendo muito bem-sucedido no seu espraiamento para todos os rincões do Brasil. O PMDB sempre foi hegemônico. Portanto, os dois partidos têm um conflito eleitoral de base no poder local. O PT está um pouco obcecado pela questão do PMDB, como se a adesão e a distribuição de cargos para o PMDB resolvesse o problema do governo no Congresso. O PMDB é um partido dividido, tem facções. Por isso, não faz bem para o país haver essa dobradinha como se isso fosse a chave da governabilidade plena. O sistema é mais complexo do que isso.
IHU On-Line – O que significa a intervenção de Lula na conjuntura política nos últimos dias, quando ele declarou aos ministros que quer participar mais ativamente da política?
Fabiano Santos – Houve uma percepção de que Dilma precisava de um apoio na partida política com os partidos. E a pessoa que tem essa sapiência, memória e capacidade é o Lula. Essa parte a Dilma ainda está aprendendo. É natural que, quando tenha o perigo de surgir algo que possa levar o governo a um prejuízo maior, se tente uma solução de emergência. E Lula é uma solução de emergência. Ele conseguiu reverter a situação e criar bases para que o estrago não seja grande.
IHU On-Line – Como vê os partidos brasileiros? Eles são conservadores em alguma medida?
Fabiano Santos – A variedade de posições é grande. A multiplicidade de possibilidades é interessante. Há partidos à esquerda no ambiente econômico, mas também são mais conservadores no campo comportamental. Há partidos que não são de esquerda no âmbito econômico e social e também não são liberais do ponto de vista social. Alguns partidos têm influência de linhas religiosas, outros puramente laicos. Esta diversidade desperta a riqueza da sociedade. Tem partido para todo gosto.
* Publicado originalmente no site IHU On-line.