Internacional

Quando os holofotes apagam, os migrantes continuam chegando à Europa

Mohamad (esquerda) e Ahmed, dois imigrantes somalianos que sobreviveram a viagem pelo Mediterrâneo e agora estão alojados em um dos centros de primeiros auxílios e recepção em Siracusa, no sul da Itália. Foto: Silvia Giannelli/IPS
Mohamad (esquerda) e Ahmed, dois imigrantes somalianos que sobreviveram a viagem pelo Mediterrâneo e agora estão alojados em um dos centros de primeiros auxílios e recepção em Siracusa, no sul da Itália. Foto: Silvia Giannelli/IPS

Por Silvia Giannelli, da IPS – 

Augusta, Itália, 18/5/2015 – Não passou nem um mês desde que mais de 700 migrantes africanos perderam a vida na tentativa de chegar à costa da Itália e a imprensa já se esqueceu da ilha da Sicilia, a principal porta de entrada da imigração na Europa, no sul do território italiano. Porém, a corrente migratória não cessou desde então.

No dia 3 deste mês 300 pessoas chegaram ao porto de Augusta, na província siciliana de Siracusa, e entre eles estavam Ahmed, de 19 anos, e Mohamed, de 22. Ambos são oriundos da Somália, mas se conheceram na Líbia, onde trabalharam por vários meses a fim de economizar o suficiente para pagar os contrabandistas responsáveis pelo tráfico de migrantes no mar Mediterrâneo.

Agora ambos estão alojados em um dos centros de primeiros auxílios e de recepção em Siracusa, mas não pensam em permanecer na Itália por muito tempo. Ahmed quer ir para a Bélgica, onde vivem alguns de seus familiares, enquanto Mohamed espera chegar à Alemanha.

Cruzar o Mediterrâneo foi aterrador, mas, ao que parece, deixaram seus temores nas costas líbias e agora seus olhos estão cheios de esperança no futuro. “A vista do mar desde a Líbia dava medo, mas quando olho daqui, é belo novamente”, disse Ahmed, que espera poder estudar medicina na Europa. Para Mohamed, “essa viagem foi a coisa mais difícil que fiz na minha vida, mas estou aqui, estou bem e agora as coisas vão melhorar”.

Antes de sair da Líbia, Ahmed soube da tragédia dos 700 migrantes que perderam a vida no dia 19 de abril quando naufragou o barco que os levava para a Itália, mas isso não impediu que ele tentasse a viagem, porque, segundo afirmou, os riscos são maiores na Somália do que no mar.

“O tempo esteve feio estes dias, mas veja como o mar está tranquilo hoje. Nos preparamos para a chegada de muitos mais”, disse um carabineiro à IPS. Embora já tenham chegado mais de 25 mil imigrantes à Itália só em 2015, a “temporada de migração” ainda não terminou. No entanto, a União Europeia (UE) não se decide a responder ao pedido de ajuda dos Estados do sul da Europa.

Atualmente, a vigilância no Mediterrâneo é feita com a Operação Tritão”, a cargo da Frontex, a agência de segurança fronteiriça da UE cujo objetivo é dissuadir a entrada dos imigrantes. Esta operação substituiu a Operação Mare Nostrum, que foi uma iniciativa italiana de busca e resgate.

Em uma reunião de cúpula europeia extraordinária sobre a crise dos refugiados realizada em 23 de abril os líderes da União Europeia acordaram triplicar os fundos para as operações de resgate no Mediterrâneo, o que está muito longe de ser a “solução europeia” para o problema migratório.

“Naturalmente, maior capacidade, mais barcos e detecção precoce por via aérea aumentam a possibilidade de salvar mais pessoas”, afirmou à IPS a porta-voz da Frontex em Catania, Ewa Moncure. “Mas, mesmo com os melhores esforços, se colocar muita gente nos barcos e os enviar ao mar sem equipamentos de segurança, sem água suficiente, então ninguém poderá garantir que serão encontrados a tempo e que os serviços de resgate salvarão todos, porque isso seria simplesmente uma mentira”, acrescentou.

Enquanto os líderes da UE continuam discutindo possíveis bloqueios navais nas águas territoriais líbias e os Estados do sul da Europa procuram iniciar um debate sobre cotas de refugiados compartilhadas entre todos os Estados membros, às autoridades locais e aos cidadãos sicilianos resta a tarefa dos primeiros auxílios e as operações de recepção aos imigrantes.

Augusta, com aproximadamente 40 mil habitantes, é uma das principais bases da marinha italiana na Sicilia e serviu como quartel-general da operação Mare Nostrum, até que foi encerrada em outubro de 2014.

Entre abril e outubro do ano passado a cidade também abrigou um centro de emergência para menores de idade desacompanhados, o que aumentou a preocupação e as queixas de aproximadamente duas mil pessoas que assinaram uma petição pedindo a mudança do centro para outro lugar e propondo bloqueios navais nos portos de saída.

“Esta petição sugeria que não fossem enviados migrantes aqueles municípios que já sofrem de insolvência econômica e altos níveis de desemprego, como é o caso de Augusta”, explicou Pietro Forestiere, porta-voz do partido de direita Fratelli d’Italia e um dos incentivadores da petição. “A lógica por trás disso é que não se pode pedir a alguém em dificuldades para oferecer serviços adequados aos seus cidadãos que também se encarregue de receber migrantes”, acrescentou.

O centro de emergência de Augusta fechou finalmente em outubro, mas seu exemplo pode se estender facilmente a toda a região, que sofre os mais altos níveis de pobreza e a segunda maior taxa de desemprego da Itália. Porém, e apesar das vozes que pedem medidas contra a imigração, é muito comum os habitantes de Augusta se simpatizarem com os imigrantes, sobretudo quando se trata de refugiados.

“São de carne e osso, como nós. Não podemos deixar que se afoguem, sem mais nem menos”, disse Alfonso, dono de um comércio de pescado no mercado local. “Fogem da guerra e da pobreza. Se não podemos evitar que entrem, uma vez que se aproximem da costa temos que ajudá-los”, acrescentou.

A maioria dos cidadãos da Sicilia não parece temer a chegada de mais imigrantes. O problema é a sensação de estarem sozinhos no manejo da situação, como disse um cliente no mercado. “Este é um porto, sempre estivemos acostumados a ver estrangeiros à volta. O impacto em nossa vida diária é bastante limitado. Mas, é preciso fazer algo, não tanto por nós, mas para ajudá-los, e não podemos fazer por nossa conta. Este é um problema europeu, se não for mundial, e a Europa deve agir”, acrescentou. Envolverde/IPS