Internacional

Avizinha-se um “cemitério flutuante” no sudeste da Ásia

Refugiados rohingyas da Birmânia tentam convencer guardas da patrulha de fronteira de Bangladesh que os deixem passar, em 2012. Foto: Anurup titu/IPS
Refugiados rohingyas da Birmânia tentam convencer guardas da patrulha de fronteira de Bangladesh que os deixem passar, em 2012. Foto: Anurup titu/IPS

Por Kanya D’Almeida, da IPS – 

Nações Unidas, 19/5/2015 – Foi no dia 14 de maio, quando vários jornalistas alugaram um barco em Ko Lipe, uma ilha na província tailandesa de Satun, e se dirigiram ao mar de Adaman, no nordeste do oceano Índico, delimitado por Birmânia, Indonésia, Malásia, Tailândia e pelo estreito de Malaca.

Esse barco com centenas de migrantes da comunidade muçulmana rohingya da Birmânia e Bangladesh simboliza o sofrimento de um povo perseguido e as severas políticas migratórias que um punhado de países do sudeste asiático aplicam em um “pingue-pongue marítimo” que joga com o desespero humano.

Segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), contrabandistas abandonaram o barco e seus passageiros depois que não puderam atracar na Tailândia. Esse país reprime o que para suas autoridades são chegadas marítimas “ilegais’, mas, segundo os ativistas, são pessoas que fogem da perseguição étnica e da penúria econômica em seus países de origem.

Antes, a embarcação havia tentado sem êxito atracar na Malásia, e no dia 15 as autoridades tailandesas empurraram o barco para alto mar, alegando que seus passageiros queriam continuar com a travessia, algo pouco provável já que os refugiados permaneceram durante três meses na água, com pouco alimento e água potável a bordo.

A OIM calcula que cerca de seis mil pessoas, de aproximadamente oito mil que estavam no mar desde começo de março, permanecem perdidas nas costas da indonésia, Malásia e Tailândia.

Esses países, membros da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean), adotaram estratégias diferentes para tratar a crise de refugiados. A OIM diz que cerca de 1.500 pessoas conseguiram desembarcar na Malásia e Indonésia, enquanto outros milhares foram rechaçados. Em alguns casos, a marinha dos países chegou a rebocar mar adentro algumas das embarcações de migrantes.

Em um comunicado, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, pediu no dia 14 aos governos da região que respeitem suas obrigações internacionais, o que inclui a proibição de devolver as pessoas perseguidas ao seu país de origem. Ban também solicitou aos governo que “facilitem o desembarque e mantenham suas fronteiras e seus portos abertos para ajudar as pessoas vulneráveis”, o que não foi cumprido.

Alarmada pela difícil situação das pessoas presas no mar, a OIM liberou no dia 15 US$ 1 milhão de seu mecanismo de financiamento de emergência para a migração a fim de ajudar os refugiados. Embora o fundo proporcione ajuda de emergência que pode salvar vidas de centenas de pessoas, “a resposta verdadeira depende dos países”, disse à IPS o diretor de Mídia e Comunicações da OIM, Leonard Doyle.

Os fundos de emergência são usados para dar aos migrantes o que necessitam, mas primeiro é preciso levá-los para terra, acrescentou Doyle. “Não temos uma frota para sair em sua ajuda, mas há muitos países na região que têm, e muitas razões que o façam. Do contrário, logo terão que lidar com um cemitério flutuante”, ressaltou.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) calcula que cerca de 25 mil pessoas “partiram de forma irregular por via marítima” da baía de Bengala no primeiro trimestre de 2015, o dobro dos dois anos anteriores. Esta agência da ONU também considera que aproximadamente 300 pessoas morreram no mar desde outubro de 2014, por inanição, desidratação ou por apanharem da tripulação dos barcos em que viajavam.

Procedentes principalmente de Bangladesh e Birmânia, os passageiros pagam entre US$ 90 e US$ 370 para embarcar, além dos milhares de dólares que os prestamistas recebem a titulo de juros ou os funcionários da imigração, em troca da liberdade uma vez que cheguem a costas mais seguras.

O repentino aumento na quantidade de migrantes se deve a vários fatores, incluídas as duras condições nos acampamentos de refugiados na Birmânia, onde estão internados mais de 140 mil refugiados, na maioria muçulmanos rohingyas, desde que a violência étnica no Estado de Rakhine os expulsou de suas casas em 2012. O êxodo também tem raízes nas dificuldades econômicas, segundo a ONU. O fato de muitos estarem dispostos a correr o risco de se afogar pela possibilidade de uma vida melhor diz muito da difícil situação em seus países de origem.

Em um comunicado divulgado no dia 15, a OIM informa que, “nos últimos três anos, estima-se que 160 mil imigrantes procedentes das costas da Birmânia e de Bangladesh foram introduzidos de contrabando em barco na Tailândia antes de serem levados por terra até a Malásia”. Mas a descoberta, no começo de maio, de fossas comuns em campos de contrabando redobrou a repressão contra a migração nos dois países, o que produziu a atual situação de paralisação na região.

Uma cúpula regional que acontecerá no final deste mês vai debater a situação. Segundo Ban, será uma oportunidade “para que todos os líderes do sudeste asiático intensifiquem os esforços individuais e coletivos para lidar com esta situação preocupante e enfrentar suas causas profundas”, muitas vezes impulsionadas por “violações dos direitos humanos”. Envolverde/IPS