Para seguir como um dos mais legítimos mediadores da esfera pública, o jornalismo precisa abraçar uma necessidade tipicamente pós-moderna.
Por Moreno Cruz Osório, para a Página 22 –
Às 18h30 do dia 13 de novembro de 2015, o jornalista francês Jerome Pugmire alertou no Twitter sobre duas explosões em sequência registradas do lado de fora do Stade de France. Ele estava cobrindo o jogo entre França e Inglaterra e foi um dos primeiros a noticiar sobre os atentados que abalaram Paris e o mundo no fim do ano passado. Neste primeiro texto de 2016, gostaria de propor uma reflexão sobre um jornalismo capaz de mapear tuítes como o de Jerome e chegar à conclusão de que haveria algo sério acontecendo.
E aqui não se trata da rapidez em buscar uma das primeiras informações sobre os atentados em Paris. Ou melhor, até interessa, mas como resultado de uma prática profissional que funciona como uma espécie de resposta a uma concepção de crise vivida pelo jornalismo no contexto da sociedade em rede. Uma crise que pode ser discutida de várias formas. Uma delas é a convivência entre jornalismo e público – relação irreversível e cada vez mais intensa.
A ascensão e consolidação da internet social explicam a intensidade e a irreversibilidade desse convívio. Em um cenário em que cada vez mais gente tem voz, é natural que o discurso jornalístico seja questionado por outras formas de apropriação da realidade. O resultado é uma coexistência tensa, embora simbiótica, promissora, mas difícil.
Essa dualidade reflete-se na capacidade de resposta do jornalismo. Pode-se continuar apostando em um jornalismo que funciona como se fizéssemos biscoitos em forminhas velhas, encaixando visões sobre os acontecimentos nos repertórios tradicionais dos gêneros e seus estereótipos. Ou podemos investir em um jornalismo capaz de encontrar o tuíte do Jerome e logo entender sua importância porque está conectado ao público e entende suas necessidades.
Em um relatório sobre o futuro do jornalismo publicado em 2015, o Reuters Institute for the Study of Journalism destacou o contraste entre o jornalismo top-down e o jornalismo bottom-up. Nesse contexto, a objetividade compete com a inclusão, o jornalismo deixa de ser um processo solitário em sua autonomia e se torna mais colaborativo, com interação da audiência em um contexto de imediatez e de publicação 24 por 7. O jornalismo está respondendo a esse contexto, mas trata-se de um contexto desconfortável. Um contexto de crise.
Tal crise pode ser explicada pela citada simbiose entre jornalismo e fatores externos, ou seja, do meio em que ele está inserido, e pela capacidade auto-organizacional diretamente proporcional à quantidade de informações que ele troca com esse meio. Essas trocas fazem com que o jornalismo e o próprio meio mudem, se modifiquem. E, quanto maior for a troca, mais informação será gerada resultante do esforço auto-organizacional realizado pelo jornalismo.
Talvez essa perspectiva faça sentido quando pensamos na quantidade de coisas que aconteceram com o jornalismo nos últimos dois, três anos. Ou a impressão de que em 2013, 2014, e 2015 vivemos uns dez anos é só minha? No contexto da sociedade em rede e da internet social, o jornalismo estaria muito mais exposto a essas trocas, o que faz com que tenha que mudar para continuar vivo.
Em outras palavras, o jornalismo precisa rever-se, de modo a evitar a destruição a partir da desorganização total. Isso significa estar ainda mais aberto em seus processos, fazendo com que sua prática dê mais complexidade aos acontecimentos que narra. Na prática, isso talvez signifique rever alguns dos seus processos historicamente constituídos, superando o modelo clássico, de modo a manter a legitimidade de mediador da esfera pública.
Nos termos do próprio jornalismo, trata-se de preparar seus processos para um ambiente de múltiplos pontos de propulsão de sentidos. Sentidos que tornam o ambiente informacional mais complexo, questionando de modo automático os sentidos historicamente emitidos pelo próprio jornalismo. Sentidos estes nem sempre em concordância com o que pensa o público.
Trazer esse contexto para dentro dos processos é o grande desafio do jornalismo em 2016. Um fazer jornalístico que se proponha a se dissolver no meio, a mergulhar nas redes sociais se misturando com o público e a apostar na mediação para manter sua legitimidade como sujeito social que busca a verdade. Um jornalismo que tente melhorar o engajamento entre as pessoas, dando chances para que a gente se conheça melhor e, dessa forma, se entenda mais.
Com tal abertura de fronteiras, fica mais difícil definir o que é jornalismo, e mais difícil ainda fazer jornalismo. Quando dá certo, ainda é possível ser um dos primeiros a noticiar um grande evento, como foram os atos de terrorismo em Paris. Trata-se, no fim, de abraçar uma necessidade tipicamente pós-moderna: deixar de lado a estabilidade do ser para buscar alguma identidade na volatilidade do tornar-se. (Página 22/ #Envolverde)
* Moreno Cruz Osório é jornalista e sócio-fundador do Farol Jornalismo.
** Publicado originalmente na edição 100 da Página 22.