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No Paquistão, biogás aquece e ilumina

Nabela Zainab prepara chá em um fogão a biogás em sua casa no distrito de Faisalabad, na província de Punjab, no Paquistão. Essa alternativa permitiu eliminar a contaminação aérea e melhorar sua saúde. Foto: Saleem Shaikh/IPS
Nabela Zainab prepara chá em um fogão a biogás em sua casa no distrito de Faisalabad, na província de Punjab, no Paquistão. Essa alternativa permitiu eliminar a contaminação aérea e melhorar sua saúde. Foto: Saleem Shaikh/IPS

Por Saleem Shaikh e Sughra Tunio, da IPS – 

Faisalabad, Paquistão, 30/6/2016 – A paquistanesa Nabela Zainab, de 38 anos, já não se asfixia nem tosse quando prepara as refeições, graças a um novo fogão a biogás com duas bocas, recebido em um projeto-piloto que busca acabar com a dependência da madeira por parte das famílias pobres e rurais do Paquistão.Ela comprou uma unidade de biogás, cujo valor chega a US$ 400, mas pagou 50% menos, que é o preço subsidiado pela não governamental Rede do Programa de Apoio Rural, dentro do Programa de Biogás Doméstico do Paquistão (PDBP), de cinco anos.

Nessa localidade de Faisalabad, na província de Punjab e a 360 quilômetros da capital Islamabad, Zainab tinha que ir buscar madeira em um bosque distante três vezes por semana e levar até sua casa transportando na cabeça. “Abandonar essa rotina é uma experiência transformadora”, disse à IPS.

A unidade de biogás, com capacidade de quatro metros cúbicos, necessita de esterco de três búfalos todos os dias para atender a demanda energética de uma família de quatro membros, para cozinhar, aquecer o ambiente, lavar e se banhar durante 24 horas. Além disso, permite economizar quase 160 quilos de madeira por dia, ou US$ 20 a US$ 25 ao mês.

Casada com um pequeno produtor de verduras, Zainab contou que há 20 anos tem tosse e olhos irritados. “Não temos acesso a gás natural encanado em nossa aldeia. O custo crescente do gás liquefeito de petróleo não era acessível para nenhum de nós pobres. Assim, a alternativa que temos é continuar queimando esterco de búfalo ou madeira”, contou.

Em janeiro, o criador de gado Amir Nawaz adquiriu uma planta de biogás de oito metros cúbicos por US$ 700 dentro do PDBP, graças a um subsídio de US$ 300. “Agora economizo quase US$ 60 por mês, que antes gastava com gás liquefeito”, contou à IPS. Sua unidade funciona graças ao esterco de seis búfalos, o que lhe basta para cobrir as necessidades da cozinha e aquecer sua casa.

Nawaz também usa biogás para acender lâmpadas à noite, economizando outros US$ 15 mensais. “Mais do que tudo, isso ajuda meus filhos a fazer os deveres e permite que eu termine as tarefas da casa ao cair da noite”, contou, sorridente, Shaista Bano, esposa de Nawaz.

Foram instaladas cerca de 5.360 plantas de biogás de diversos tamanhos em 12 distritos da província paquistanesa de Punjab: Faisalabad, Sargodha, Jushab, Jhang, Chniot, Toba Tek Singh, Shekhapura, Gujranwala, Sahiwal, Pakpatan, Nankana Sahib e Okara, entre 2009 e 2015, dessa forma evitando que quase 43 mil pessoas ficassem expostas à fumaça tóxica da madeira ou do querosene.

Uma unidade de biogás de 25 metros cúbicos oferece energia para uma família de dez pessoas, que podem cozinhar, aquecer o ambiente e fazer funcionar bombas de água durante seis horas por dia.

Rab Nawaz, que tem três filhos, comprou uma dessas por US$ 1.700, com um subsídio do PDBP de US$ 400. “Uso o esterco de 18 búfalos para produzir quase 40 metros cúbicos de gás por dia e fazer funcionar a bomba de água, adaptada a diesel e biogás, durante seis horas, e acender o fogão três vezes por dia”, contou à IPS, enquanto limpava seu curral com uma pá, no distrito de Sargodha.

Nawaz acrescentou que, com a eliminação do diesel, que prejudica o ambiente e a saúde, além de ser caro, economiza entre US$ 10 e US$ 12 por dia.Como parte da sustentabilidade do programa de biogás foram instaladas 50 construtoras dessas plantas. Especialistas internacionais capacitaram quase 450 pessoas em construção, manutenção e reparos de unidades de biogás.

O PDBP, inaugurado em 2009 pelo Programa Nacional de Apoio Rural, recebeu contribuições da embaixada da Holanda no Paquistão e apoio técnico da Winrock International e da SNV, que agrupa várias organizações não governamentais holandesas.“O programa de biogás procura criar um setor comercialmente viável. Os principais atores pelo lado dos provedores são as Empresas de Construção de Biogás (BCE) que, além desse serviço, oferecem a venda às famílias”, explicou à IPS Shandana Jan, diretora-geral da Rede do Programa de Apoio Rural.

“Pelo lado da demanda, os programas de apoio rurais reunidos na rede serão os principais sócios na implantação, mas também incluirão as organizações lácteas e de agricultores. As 5.600 plantas permitem economizar quase 13 mil toneladas de madeira queimada, cerca de US$ 2 milhões, e 169.600 litros de querosene para iluminação noturna”, acrescentouJan.

A diretora também destacou que,“ao custo de US$ 3,3 milhões, as plantas de biogás ajudarão a reduzir as três ou quatro horas que as mulheres dedicavam à busca por lenha. Agora têm mais tempo para se socializar, realizar tarefas que geram renda, bem como melhorou a saúde das famílias. Além disso, oferecem gás de forma instantânea para cozinhar”. E o mais significativo é que o programa evita a liberação de quase 16 mil toneladas de dióxido de carbono por ano,ressaltou.

Atualmente, cerca de 18% das famílias do Paquistão, a maioria nas cidades, têm gás natural encanado. Porém, mais de 80% da população rural depende de biomassa, madeira, esterco, palha, etc., para cozinhar, aquecer o ambiente e realizar outras tarefas domésticas, segundo a Junta de Desenvolvimento de Energia Alternativa do Paquistão.

“É inviável que a população rural tenha gás natural encanado”, pontuou o presidente da Junta, Jawaja Mohammad Asif. “Mas o biogás oferece uma solução promissora e viável para cobrir a demanda energética das famílias rurais, onde vivem 60% das pessoas e 80% das mais de 180 milhões de cabeças de gado”, acrescentou.

Asif também destacou que 80 milhões de vacas e búfalos, cerca de cem milhões de ovelhas e cabras e 400 milhões de aves podem fornecer a matéria-prima para produzir quantidades substanciais de biogás. “Dessa forma, o biogás pode ser aproveitado para obter benefícios econômicos, além de ter vantagens para a saúde e o ambiente”, apontou.

No Paquistão há mais de 160 milhões de cabeças de gado, entre búfalos, vacas, camelos, burros, cabras e ovelhas. Com o esterco que produzem pode-se alimentar cinco milhões de plantas de biogás de diversos tamanhos, segundo especialistas da Universidade Nacional de Ciência e Tecnologia, com sede em Islamabad, e da Universidade de Agricultura de Faisalabad.

É uma alternativa que contribui para reduzir a brecha abismal que há no fornecimento de gás. Segundo dados oficiais, 73% dos 200 milhões de pessoas, a maioria em zonas rurais, não têm gás encanado e dependem do gás liquefeito de petróleo e da madeira. Envolverde/IPS